Fugas - Motores

  • © ACP
    © ACP
  • © Clube Terra a Terra
    © Clube Terra a Terra
  • © Clube Terra a Terra
    © Clube Terra a Terra
  • © Clube Terra a Terra
    © Clube Terra a Terra
  • © Clube Terra a Terra
    © Clube Terra a Terra
  • © ACP
    © ACP
  • © Clube Terra a Terra
    © Clube Terra a Terra
  • © Clube Terra a Terra
    © Clube Terra a Terra
  • © Clube Terra a Terra
    © Clube Terra a Terra
  • © Clube Terra a Terra
    © Clube Terra a Terra

O dia em que Fronteira não dorme

Por Carla B. Ribeiro

O ano das competições lusas de todo-o-terreno voltou a fechar com Fronteira, onde uma vez por ano e durante 24 horas não se prega olho.

Não faz parte do Campeonato Nacional, mas não há quem queira ficar de fora de um evento que, ao fim de 19 edições, já se tornou n’ “a festa do todo-o-terreno”, este ano organizado pelo Automóvel Clube de Portugal (ACP) com o apoio do município fronteirense. Em prova, há pilotos profissionais, com carros e boxes apetrechados a preceito, amadores que fazem questão de marcar pela diferença das suas viaturas, como era o caso de um táxi, amigos apostados numa aventura diferente com veículos transformados da forma mais doméstica possível. Fora de pista, há centenas que enfrentam o lamaçal (no caso deste ano; há edições em que é o imenso pó que marca presença) para viver um fim-de-semana diferente e que coloca a pequena vila de Fronteira, no distrito de Portalegre, de vigília durante 24 horas.

Depois há os outros. Os que, com a pista de Fronteira vedada, decidem fazer uma festa à parte, rumando à vila fazendo uso dos muitos trilhos que cruzam o Alentejo, trocando a segurança do asfalto pelos caminhos que cruzam propriedades, a maioria de privados, mas cujos donos mantêm as cancelas abertas para que se possa desfrutar de caminhos únicos.

Foi o caso da Fugas, que seguiu à boleia da caravana do Clube Terra a Terra, que reunia duas centenas de carros, entre jipes que mais pareciam artilhados para percursos de trial, viaturas preparadas para um qualquer Paris-Dakar, 15 velhinhos  Datsun (que até se poderia pensar estarem a cair de maduros, mas que chegaram sãos e salvos, completando o percurso igual a todos os outros), além de alguns SUV como o nosso: um Mazda CX-5 2.2 de 175cv, servido por tracção integral.

Curiosamente, o modelo que conquistaria no pódio o lugar da equipa totalmente portuguesa com melhor pontuação seria um Mazda CX-5 Proto: quinto lugar na classificação geral nas 24 Horas TT Vila de Fronteira e a conquista do Desafio Mazda. Já a equipa vencedora foi a do lusofrancês Mário Andrade, com o filho Alexandre e mais três franceses especialistas em provas de resistências ao volante de um protótipo servido por um motor Nissan de 4.0 litros.

Depois de enfrentar trilhos acidentados, zonas enlameadas, corta-fogos com subidas íngremes, empedrados saltitantes, não é difícil de adivinhar a razão pela qual o CX-5 fez tão boa figura em Fronteira. É que o nosso, a caminho da vila, foi angariando fãs pela forma desenvolta como se comportou. Sobretudo tendo em conta que os SUV construídos pelas várias marcas, numa altura em que este subsegmento continua em franco crescimento nas preferências dos consumidores, são mais pensados e desenvolvidos para enfrentarem alcatrão do que terra. Até pela opção de muitos não chegarem equipados com pneu sobressalente — uma necessidade de cumprir a política do grama assente nas normas de emissões e que fora de estrada pode ser bastante penosa.

Mas há sempre grandes remédios para pequenos males, e atravessar o Alto Alentejo é uma experiência cujas amarguras não conseguem apagar o prazer de ver nascer o sol entre o verde ainda tímido com que as chuvas tardias brindaram a região, para regozijo dos animais que vão salpicando a paisagem aqui e ali. É, aliás, este o maior dos trunfos do todo-o-terreno: levar-nos a sítios onde não seríamos capazes de chegar numa viatura convencional. Assim, vamos conduzindo o nosso CX-5 a bom porto, cumprindo os requisitos do trilho que nos garantiram estar apto para todo o tipo de automóveis e, contrariando a vontade em acelerar, vamos deixando o carro fazer o seu trabalho, gerindo a necessidade de tracção a cada momento. Mas, afinal, Fronteira não é uma competição de velocidade, para ver quem chega primeiro, mas antes uma prova de resistência, com o objectivo de premiar quem consegue alcançar o fim.

É essa a opinião de Rui Cardoso, jornalista que acalenta uma enorme paixão pelo todo-o-terreno e que enfrenta o traçado de Fronteira todos os anos desde a primeira edição: “A prova é decidida durante a noite; quem aguenta até às seis da manhã quase de certeza que chega até ao fim.” Assim, nem sempre vale de muito acelerar. Como acontece logo à partida que, ao mesmo tempo que entusiasma, assusta. “É preciso ter muito cuidado”, alerta Rui Cardoso, que partilhava os comandos de um Nissan Patrol GR com Armando Coelho, António Conchinha, João Pedro Santos e Márcio Rosado. “A pista está muito escorregadia”, acrescentaria a equipa totalmente feminina ao volante de um Suzuki Jimny Troféu que, num ano em que se estreava nestas lides, também viria a cruzar a meta.

Passados os minutos iniciais, porém, rapidamente se consegue observar os mais rápidos em pista, com o amontoado de carros a transformar-se numa fila que vai esticando. E esticando. Até haver três grupos distintos: os mais lestos, no pelotão da frente; os teimosos, que se mantêm no encalço dos primeiros; e os mais vagarosos, que optam por poupar o carro com o objectivo de fazer mesmo as 24 horas e que ao fim de pouco tempo têm um problema acrescido. Preocuparem-se com os primeiros que já estão colados às suas traseiras prontos para a ultrapassagem.

As horas vão passando e a multidão aumenta. Por toda a pista há gente apostada em apoiar os pilotos, mas também carros atascados do público — um facto que, à noite, com a fraca visibilidade, se transforma noutro problema para quem está a correr. É que, os farolins dos carros atascados, tanto à esquerda como à direita do trilho, acabam por dificultar a leitura do terreno numa zona muito rápida: "Uma vez saí da pista para um enorme lamaçal onde os espectadores estavam atascados porque parecia que a pista era por ali", recorda Rui Cardoso. Enquanto isso, junto às boxes não faltam movimentações. Das mais técnicas às mais mundanas: afinal, também há que comer e descansar ao longo destas duras 24 horas. Por isso, além da equipa técnica, há sempre amigos e familiares presentes que se vão ocupando dos petiscos (um churrasco nas traseiras da boxe? Porque não?) e das mais variadas técnicas para manter um espírito caloroso: pode passar por uma salamandra improvisada ou por colunas a debitarem música de festa e que põem toda a gente a dançar. Isto enquanto as viaturas se mantêm a correr. Porque o reboque parece estar em serviço contínuo e a qualquer momento pode entrar o carro pela boxe dentro. Nessa altura, assiste-se a uma dinâmica totalmente diferente. É que há constantemente pneus a mudar, tanques a encher, vidros a lavar (tal a lama que os pilotos chegam a um ponto que já não vêem nada).

Ainda assim, tomara a todos que esses fossem os problemas. É que também há motores que simplesmente entram em protesto, recusando-se a funcionar. E transmissões que partem, partes dos carros que se soltam, a precisar de toques de soldadura, filtros que entopem... Um sem-número de contratempos que transformam a área junto à meta numa zona de guerra, com as equipas mecânicas a correr que nem loucas de um lado para o outro. Afinal, desistir sem dar luta não é uma alternativa. E os pilotos vão aguentando com nervos de aço a espera de voltar à corrida.

No entanto, mesmo quando se tenta de tudo, há alturas em que não há volta a dar. O sol cai e com este alguns dos panos de algumas boxes descem, qual espectáculo que se finda, com os pilotos a arrumarem as cintas e as botas e a voltarem para casa antes do tempo. Mas nem todos o fazem. Há os que ficam a apoiar quem ainda corre, testemunhando que a solidariedade ainda é o nervo central desta prova em Fronteira. Depois, há ainda os que aproveitam o facto de a festa para eles ter terminado na pista para prosseguirem com os festejos fora dela.

Muitas barraquinhas de comidas e bebidas marcam presença no evento, além de que pela vila há vários estabelecimentos que mantêm as portas abertas até muito tarde. À volta das roulottes vão-se acendendo fogueiras com o objectivo de combater o frio que se abate sobre a vila durante a noite. Os visores do carro até indicam uma temperatura que se poderia considerar amena, mas em Fronteira da temperatura real à sentida vai uma diferença de vários graus, como denunciam as várias camadas de roupa que se vêem a passar.

O espírito de solidariedade que se vive em pista também atravessa o público e é graças a este que muitos acabam por conseguir voltar para casa. Nos terrenos à volta, amontoam-se carros e tendas, numa festa muito própria e com direito a discoteca noite dentro, já depois de o céu ter sido invadido por um enorme espectáculo de fogo-de-artifício. Mas, tal como no trilho da corrida, as áreas destinadas ao campismo vão sendo massacradas. E, no dia a seguir, retirar os carros é um trabalho hérculeo, apenas possível pelas ajudas que vão surgindo do nada, havendo sempre um guincho em riste para desatascar alguém.

Já em pista, a última volta revela-se única: “Ninguém arrisca e toda a gente desacelera”. Afinal, o resultado já está decidido e, em Fronteira, ninguém quer ficar de fora do pódio da resistência. E, numa prova de 24 horas, muito menos por uns escassos minutos.

A Fugas esteve nas 24 Horas TT de Fronteira a convite da Mazda Motor de Portugal e do Clube Terra a Terra

Nota
As 24 Horas TT Vila de Fronteira decorreram entre os dias 26 e 27 de Novembro; para o ano, ainda não há data mas há que estar atento, uma vez que a capacidade hoteleira à volta esgota muito depressa após a revelação, o que deverá acontecer ainda antes do fim de 2016

--%>