Fugas - Motores

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Um desportivo ágil para condutores egoístas

Por Carla B. Ribeiro

Diversão poderia ser o seu nome do meio. Foi com esta certeza que acelerámos o animado roadster.

Um automóvel é um bem utilitário, que deve primar pela eficiência e por um comportamento linear, trazendo de série todos os sistemas que anulam o mais perigoso que existe no interior de um veículo: o condutor. 

Se já começou a interiorizar a definição do parágrafo anterior, é melhor rever alguns conceitos antes de acelerar pelas linhas que se seguem. É que o Toyota GT-86 não tem nada de utilitário. Além disso, exige uma alimentação farta — menos de dez litros aos 100km poderá apenas significar que não está propriamente a tirar partido do carro... — e deixa (quase) todas as decisões (boas e más) nas mãos de quem o dirige. E isso é mau? Arrisco um redondo “nada!”

Mas comece-se pelo que não tem. Não tem turbo, não se apoia em tracção integral e as rodas que o suportam não revelam dimensões impressionantes. Também não se distingue pelos números das suas prestações (acelera dos 0 aos 100 km/h em 7,6s, atingindo uma velocidade máxima de 226 km/h) e quando respondemos a potência encerrada no motor boxer de 2.0 litros é evidente o ar de desapontamento dos nossos interlocutores: são 200cv que se manifestam às 7000 rotações (e o bem que o ponteiro sobe...) e um binário máximo de 205 Nm, entre as 6400 e as 6600rpm. “Mas não é por isso que é tão divertido...”, tentamos explicar.

A diversão começa assim que carregamos no botão de ignição, com o motor a manifestar-se com um muito audível ronco. Facto que desperta a atenção de qualquer pessoa a menos de cem metros, comprovando o que se pode observar só de lhe pôr a vista em cima: não é carro indicado para quem quer passar despercebido. E já que não há forma de o fazer, então dê-se asas ao que este carro parece gostar de fazer: música.

É como se estivesse a dirigir uma orquestra que vou acelerando e engrenando mudança após mudança numa caixa manual de seis velocidades que é tal e qual se quer: de relações curtinhas e bem escalonadas. Aliás, a suavidade com que a transmissão se deixa trabalhar até parece não ser condizente com a forma abrutalhada com que o carro se exibe. Mas a brutalidade é só mesmo aparente, sobretudo para quem observa de fora. Cá dentro, tudo nos parece extremamente suave, sobretudo a entrega despudorada do motor.


É precisamente no grupo propulsor que assenta uma das singularidades deste veículo. Até porque, dada a complexidade mecânica dos boxer, com mais componentes e mais dispendiosos de construir, é cada vez menos comum encontrá-los. Mas é um destes que anima o GT-86, gémeo do Subaru BRZ. Desenvolvido pela Subaru, que investiu fortemente no desenvolvimento dos motores boxer, com os quais se sagrou campeão de ralis com o Impreza em três anos consecutivos (1996, 1996 e 1997), este bloco consegue ser extremamente rotativo. Já o facto de os pistões serem colocados de lado, paralelos ao solo, contribui para que este seja um motor equilibrado, rápido e resistente. Atributos que não passam ao lado de quem quer tirar todo o proveito de um desportivo.

Mas voltemos a fixar os olhos na estrada, pois é com ela que o carro estabelece o diálogo mais interessante. As rectas são sempre bem-vindas, mas é nas curvas e contracurvas que o GT-86 se faz valer de uma agilidade surpreendente, parecendo adivinhá-las e até desenhá-las ao milímetro. Para tal, contribui a direcção, de assistência eléctrica, que se distingue por uma óptima precisão, mas também o desenho do pequeno volante.


E mesmo quando se desligam todas as ajudas à condução, accionando o Modo Pista, há qualquer coisa que parece manter o carro, de tracção traseira, colado à estrada. Ou seja, não sendo o desportivo mais fácil de dominar, também não é tão agressivo ao ponto de ter vida própria. Haja pés e mãos (e pensamentos) rápidos, e há todo um mundo de diversão a descobrir aos comandos de um GT-86. E se algo falhar? Então, haja travões! E, garanto, há — sempre a postos para quando se revela necessário.

O que agrada neste roadster não se fica, porém, nem pelos traços atractivos nem sequer pelo desempenho. A bordo, o conforto é bem conseguido, com os bancos dianteiros a proporcionarem um bom apoio (há até forma de prender o cinto ao banco para que não se tenha de o ir buscar tão lá atrás onde está montado). Tanto os materiais usados como o apurado nível de acabamentos são de louvar. Isto quererá dizer que o GT-86 é um automóvel isento de defeitos? Poderá ser, para quem segue viagem à frente. No banco traseiro, não há quem caiba (uma cadeirinha de bebé talvez, porque até as crianças pequenas têm de ir com as pernas cruzadas: “Quando vais entregar este carro?”, perguntaram-me mil vezes as apertadas crianças).

Com toda a garra contida, convém equacionar se valerá mesmo a pena adquirir um automóvel que poucas vezes poderá mostrar tudo o que vale e que raramente conseguirá dar boleia no banco traseiro. A Toyota responde a esta pergunta com um preço que nesta classe de veículos pode ser visto como democrático: 44.420€. Sobre o resto, quem disse que um GT-86 pode ser um carro para altruístas?

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