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Albânia, este país não é para velhos

Por Sousa Ribeiro

Com cerca de 20% da população com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos, esta nação dos Balcãs apresenta-se como uma das mais jovens da Europa. Um estatuto que é apenas um pretexto, neste Dia Internacional da Juventude, para visitar Tirana, Shkodër, Gjirokastër e Berat.

No exterior da casa de câmbio, um grupo de homens quase se acotovela.

- Estão à tua espera para te roubar.

Halit Methasani, primeiro com uma expressão séria pintada no rosto, dá uma enorme gargalhada. Caminho ao lado do tradutor de literatura estrangeira até uma esplanada, ele faz-se acompanhar do humor e eu, escutando-o, tenho também por companhia a memória desta praça vinte anos antes, tão cheia de nada, cinzenta sobre um céu da mesma cor, como se alguém houvesse decidido mergulhá-la na mais completa tristeza, com as suas gentes de olhos postos no chão, em busca de um objecto perdido ou de um objectivo perdido — eram tempos difíceis, esses, na segunda metade da década de 1990, quando 70% dos albaneses perderam as suas poupanças.

No meio da praça, sobre um espaço relvado e brilhando ao sol, recorta-se a estátua equestre de Skanderberg, o herói nacional que conduziu, desde o seu castelo em Krujë, a resistência albanesa, vencendo as 25 batalhas que travou contra os turcos e impedindo mesmo o sultão Mehmet-Faith, o conquistador de Constantinopla, de tomar a cidade situada a apenas 20 quilómetros da capital. A estátua de Gjergj Kastriot Skanderberg foi levantada no centro de Tirana em 1968, para celebrar os 500 anos sobre a morte deste comandante militar que se transformou num mito, enquanto uma outra, erguida 20 anos mais tarde, prometia imortalizar Henver Hoxha — nesse tempo ninguém imaginava que, apenas três anos depois, seria derrubada pelos estudantes e pelo povo, deixando Skanderberg entregue à sua solidão.

Por cima do capacete do herói albanês, avista-se o minarete da mesquita Et’hem Bei, construída entre 1798 e 1812, pequena e elegante e uma das mais antigas estruturas da cidade, já que foi poupada durante a campanha ateísta em final dos anos 1960 devido ao seu estatuto de monumento cultural. Nos dias de hoje, Tirana, o coração da Albânia, principal centro económico, social e cultural do país, orgulha-se também de ser uma cidade tolerante — basta-me errar pela Rruga e Kavajes, que parte da praça com o seu trânsito caótico, para descobrir, daí a pouco, uma mesquita, uma igreja católica e outra protestante, todas muito próximas e lideradas por homens que fomentam o diálogo. A Albânia, com uma população muçulmana a rondar os 60%, foi o primeiro país europeu visitado pelo Papa Francisco e na sequência dos ataques ao Charlie Hebdo, em Paris, o primeiro-ministro albanês convidou todos os líderes religiosos para apresentarem as suas condolências ao governo francês — na altura todos depositaram uma flor e depois caminharam juntos, como bons amigos, pelas ruas da capital francesa.

 

Da elite à juventude

Ao longo da Murat Toptani, uma rua pedonal, os jovens, em grande maioria (de acordo com as Nações Unidas, 19% da população tem entre 15 e 24 anos, a mais alta percentagem em toda a Europa), entram mais facilmente num bar do que num templo que convida à oração. Uns passeiam-se de bicicleta, outros de skate, outros ainda limitam-se a caminhar pela artéria bordejada de árvores. À minha direita, com as suas paredes elevando-se a seis metros, descubro a Fortaleza de Justiniano, tudo o que resta de um castelo da era bizantina, e um pouco mais para diante, na esquina da Rruga Presidenti George Bush e o rio Lanë, encontro uma bonita e bem preservada ponte de pedra do século XIX, a ura e tabakëve (a ponte dos curtidores, por se encontrar numa zona frequentada por estes e por carniceiros), que em tempos ligava Tirana às terras altas, para leste. Passo para a outra margem do Lanë e desaguo em Blloku, uma zona da moda, repleta de bares e restaurantes para onde acorre a juventude de Tirana que vive com algum desafogo mas a quem a entrada esteve vedada até 1991. Até essa altura, Blokku era uma área reservada às festas da elite comunista e ainda hoje os seguranças vigiam a antiga residência de Enver Hoxha, situada a curta distância.

A meio da tarde, caminhando por aqui e por ali, sem um destino definido, tenho agora a companhia de Renis Batali, que gere, com mais dois sócios, um hostel onde me sinto como em casa. Por instantes, fazemos uma pausa para admirar a Pirâmide, uma estrutura em mármore e vidro, em tempos o antigo museu Enver Hoxha e projectado pela filha e o genro do ditador — nenhum deles imaginou que mais tarde se haveria de transformar numa discoteca e numa sala de conferências antes de ser completamente negligenciado — e não há planos para a destruir e tão-pouco para a renovar.

A Pirâmide é, neste seu novo estado de decadência, muito do agrado dos jovens que por ela vão deslizando antes de iniciarem nova subida. Renis Batali, também um jovem arquitecto e grande apreciador do trabalho de Siza Vieira, convida-me a sentar enquanto fita os rapazes no seu constante vaivém.

- A Albânia é um país com uma população muito jovem e com grande potencial. Infelizmente, nem um, nem outro são aproveitados da melhor forma.

O dia veste-se de uma luz bonita. Não muito longe está a residência do primeiro-ministro, com as suas varandas de onde Enver Hohxa costumava assistir às paradas militares.

- Em 2013, o partido socialista venceu as eleições com o slogan Renascimento e, em 2017, agora com um maior número de votos, foi reeleito. O actual governo, em conjunto com o sector privado e o munícipio, parece estar a fazer um bom trabalho para promover a cultura. Ao mesmo tempo, estão cada vez mais a abrir as portas aos jovens para que se sintam envolvidos por importantes projectos culturais, apesar de serem sempre os mesmos — os mais velhos — a definir o rumo, pouco ou nada fazendo. 

Continuamos ao longo da Avenida Dëshmorët e Kombit e não tardamos a pousar os olhares no edifício do Congresso, mais um projecto da filha e do genro do ditador.

- O que faz falta na Albânia é uma cultura underground. São todos demasiado pop. A maior parte dos jovens gosta de música, de filmes e programas horríveis e têm pouco ou nenhum conhecimento sobre arte e design. À excepção de Tirana, onde se pode encontrar jovens alternativos interessados numa exposição ou num concerto (ainda assim muito poucos se comparados com o número de habitantes), no resto das cidades eles são praticamente inexistentes.

 

Como um alien

Renis Batali consulta as horas no seu relógio.

- Tens alguma coisa contra cemitérios?

Estamos no cimo da Rruga Elbasanit, onde está localizado o cemitério dos mártires e onde foram sepultados 900 partisans que morreram durante a II Guerra Mundial — Enver Hoxha também, em 1985, mas mais tarde foi exumado e os restos mortais trasladados para uma simples sepultura, do outro lado da cidade. A panorâmica sobre Tirana e o monte Dajti é soberba. Daqui também se avista a estátua, inaugurada em 1972, da Mãe Albânia. Renis Batali retoma o seu raciocínio.

- Essa é a luta com que nos deparamos no hostel. Organizamos exposições, concertos, workshops, conversas e tantas outras actividades com um carácter social. Mas apenas ao fim de algum tempo é que vimos aumentar o interesse dos jovens por estas manifestações. Na maior parte dos casos apareciam porque nesse dia exibíamos o último episódio de A Guerra dos Tronos.

Caminhamos mais para sul, ao encontro do grande parque, o Parku i math i liqenit, com as suas esplanadas e os seus trilhos que em alguns casos correm paralelos ao lago artificial. Renis Batali aceita que há ainda um longo caminho a percorrer mas também sente que os tempos estão a mudar.

- Cresci em Tirana como um alien. Não partilhava gostos musicais, filmes, nada que fosse cultura, com os meus amigos. Mesmo o facto de ter o cabelo comprido fazia de mim um estranho aos olhos da maior parte das pessoas. De qualquer forma, gosto de viver em Tirana. Não sei se é pelo facto de ter nascido aqui ou simplesmente porque há algo de especial e fascinante que descubro no meio do caos que me rodeia.

A meio da tarde, Saimir Kristo junta-se a mim numa errância tranquila por alguns dos bairros da capital onde as fachadas dos edifícios ganham tonalidades vivas, como uma galeria a céu aberto, em contraste com os dias do cinzentismo reinante. Uma espécie de terapia cromática, iniciada no início deste século por Edi Rama, pintor e edil de Tirana, em parte também para elevar o moral dos habitantes.

- A iniciativa de colorir as cidades provou ser uma forma de devolver algum entusiasmo às populações. Trata-se de um primeiro passo, sem dúvida importante, mas insuficiente para construir o futuro do país. É necessário criar uma estratégia clara e focada nos mais importantes sectores do emprego, em áreas como a agricultura, o turismo, a indústria e os serviços, de forma a desenvolver a economia para que os albaneses permaneçam na Albânia — essa é a parte fundamental para assegurar um futuro brilhante ao país.

Também um jovem arquitecto, Saimir Kristo olha com algum cepticismo o horizonte do país.

- Após a queda do comunismo, a Albânia vive num estado de transição, num limbo, no qual os albaneses tentam usar o enorme potencial que o país tem. Mas os jovens, dinâmicos, cheios de energia e entusiasmo, muitos deles estudam no estrangeiro e, quando regressam, não escondem a sua insatisfação face à realidade e viram de novo as costas ao país. Mesmo aqueles que foram educados na Albânia se sentem por vezes desenraizados, sem capacidade para se encaixarem na forma como o país funciona, admite Saimir Kristo enquanto contemplamos os dois um prédio todo pintado de verde, com as suas setas amarelas que talvez indiquem o caminho que o país deve seguir.

 

Porta dos Alpes

Deixo Tirana bem cedo, no autocarro que me leva para Norte, ao encontro de Shkodër, uma das cidades mais antigas da Albânia, fundada quatro séculos antes do nascimento de Cristo e ocupada ao longo da sua história por romanos, sérvios, venezianos e otomanos. Recortando-se contra o céu avisto à distância o castelo de Rozafa, encimando uma colina rochosa e vigiando os três rios, o Drini, o Buna e o Kiri, que o abraçam e conferem à estrutura uma posição estratégica já apreciada pelas tribos ilírias.

Principal atracção turística desta cidade fortemente abalada por um sismo em 1979, a fortaleza, a exemplo do que sucede com tantas outras construções erguidas em tempos de antanho, encerra uma lenda. Rozafa era o nome da noiva de um dos três irmãos que durante o dia erguiam as paredes do castelo que, mal uma nova manhã se anunciava, podiam ser vistas de novo derrubadas sobre o solo. Intrigados, os homens consultaram um sábio, escutando da sua boca que a solução para expulsar o diabo que lhes destruía o trabalho diário e para levantar um castelo com uma vida longa passava por enclausurar, daí em diante, uma das suas mulheres no interior das muralhas — para mais tarde ser sepultada como oferenda para os deuses.

Do cimo do castelo, a panorâmica sobre Shkodër, porta de entrada para os Alpes albaneses, e o lago homónimo, preenchido com um ou outro barco, prende o meu olhar.

Os três irmãos estabeleceram um pacto, de nenhum deles alertar as mulheres para o perigo e, ao mesmo tempo, de sacrificarem aquela que, no dia seguinte, lhes levasse o almoço. Os dois mais velhos quebraram o acordo e foi Rozafa quem fez a sua aparição, acatando a decisão sem qualquer protesto mas impondo apenas uma condição: que lhe fosse permitido expor o seio direito, o braço direito e o pé direito — para amamentar, acariciar e embalar o berço do filho recém-nascido.

À entrada do museu admiro uma vez mais a extraordinária escultura de Rozafa alimentando o seu bebé, enquanto eu me alimento da história de algumas mulheres que acorrem ao castelo para esfregarem os seus seios com as águas leitosas que se infiltram pelas paredes nos meses de Janeiro e Fevereiro.

Inicio a descida e caminho ao longo de dois ou três quilómetros até ao centro de Shkodër, banhada por um sol dourado e fervilhando de vida na Kolë Idromeno decorada com dezenas de esplanadas cheias de jovens e abrigando também o Museu Nacional de Fotografia Marubi, com uma exposição permanente de fotos dos Marubi, os mais aclamados fotógrafos albaneses, entre elas a primeira que foi tirada, em 1858, por Pjetër Marubi, bem como fascinantes retratos, acontecimentos e lugares, um testemunho de grande qualidade de uma Albânia definitivamente colocada num museu.

De volta à rua pedonal, com as suas casas de múltiplos matizes, amarelos, rosas, laranjas, verdes, azuis, vou perscrutando igrejas (a população é maioritariamente católica em Shkodër) e mesquitas, até que abandono o centro e tento chegar, à boleia, à Ura e mesit, uma bonita ponte na aldeia de Mes, com todo o cenário rural e pitoresco que a envolve.

São poucos aqueles que usam o automóvel. Por estes lados a bicicleta é o meio de transporte eleito. Mas chego a Mes e por ali fico, até que o dia quase se extinga, admirando a ponte que cruza as margens do rio Kir, construída no século XVIII pelo paxá otomano local, Kara Mahmud Bushati.

A noite cai e as ruas de Shkodër estão cheias de jovens. 

 

A cidade de pedra

As sombras avançavam determinadas e eu, caminhando ao longo de ruas tão impregnadas de silêncio, sentia grande dificuldade em controlar o riso, ainda com a memória tão cheia das anedotas que escutara na capital sobre os habitantes de Gjirokastër, declarada cidade-museu pelo estado albanês já em 1961, e o seu carácter somítico. A da mãe que prometia levar o filho com melhor desempenho nos trabalhos de casa a ver, no domingo seguinte, as pessoas a comer gelados bailava constantemente no meu cérebro, que felizmente ainda revelava alguma saúde para não procurar, aqui e acolá, uma girafa, o animal preferido dos locais — com um pescoço tão grande pode sempre comer no quintal do vizinho. 

O assunto era sério e com seriedade fui errando pelo bazar, não para descobrir uma população célebre pela sua avareza, mas pronto a encontrar exemplos da hospitalidade que é — para tanto fora avisado — uma das suas principais características. Gjirokastër parecia acolher com doçura os últimos raios de sol quando conheci Jonida Qirko, uma jovem que, de forma espontânea e natural, procurava transmitir-me a melhor imagem da sua cidade mas, ao mesmo tempo, uma visão realista, uma vez ou outra estabelecendo uma analogia com Tirana, talvez para eu melhor compreender a essência da mentalidade albanesa. 

- A Albânia é um país bonito — digamos que é um país abençoado devido ao seu potencial natural. Tem uma das populações mais jovens da Europa mas, infelizmente, permanece como um país pobre, uma herança que nos foi depositada nas mãos pelo comunismo e pela ditadura.

Por vezes deito os olhos até às fachadas brancas das casas como quem espera ver escrita nelas a história da cidade. Deixo que Jonida Qirko prossiga a sua narrativa, envolta em palavras que não diferem substancialmente daquelas que ouvira de Renis Batali, uns dias antes, em Tirana, e num inglês perfeito.

- As oportunidades de emprego são escassas, o salário é baixo e a juventude é forçada a emigrar, à procura de trabalho mas também de bem-estar. Por estranho que possa parecer, a despeito da pobreza, na Albânia toda a gente deseja uma vida de luxo. Mas, ao contrário do que acontece em Tirana, onde a juventude se entrega a alguns vícios e ao hedonismo, em Gjirokastër, uma cidade tranquila que desde há alguns anos a esta parte atraiu as atenções dos políticos e dos investidores, a juventude ainda está muito dependente do trabalho artesanal.

Gjirokastër, verdadeira cidadela otomana (na verdade foi tomada pelas tropas otomanas há precisamente 600 anos) que nos remete para os tempos do império e inscrita na lista de Património Mundial da UNESCO desde 2005, é umas pérolas deste país fechado ao mundo durante quase meio século — tanto tempo que até nos fez esquecer que, com os seus 427 quilómetros de costa, pouco ou nada fica a dever aos seus vizinhos em termos de beleza paisagística. Igualmente conhecida como cidade de pedra, orgulha-se de ter o mais imponente castelo do país e respira uma nostalgia e uma quietude que contrastam com os novos bairros, por vezes caóticos mas mais do agrado de uma população jovem — mas não só — que se prefere abrigar neles do que numa casa restaurada na parte antiga, da qual certamente Ismaïl Kadaré, exilado em França após a queda do comunismo, guarda gratas recordações. O mais reputado escritor albanês, de 81 anos, nasceu no bairro Palorto (onde viveu a sua infância), no coração da parte velha e não muito longe do bazar, numa casa que, após grandes obras de renovação, com a ajuda técnica e financeira da UNESCO e do Ministério da Cultura albanês, abriu as suas portas ao público em Janeiro do ano passado. Quando, em 1990, partiu para França, o autor de, entre outros, Os Tambores da Chuva, admitiu que “ditadura e verdadeira literatura são incompatíveis” e que “o escritor é o inimigo natural da ditadura”.

A verdade é que Ismaïl Kadaré e Enver Hoxha (1908-1985), que escreveu grande parte da história do país durante o século XX, graças a uma política de repressão que motiva a comparação com Estaline ou Mao Tse Tung (as fontes da sua inspiração para governar com mão de ferro), por pouco não se cruzaram nas ruas de Gjirokastër por onde continuo a caminhar até que o sol anuncie a sua retirada. Aquele que foi um dos fundadores do partido comunista albanês, filho de uma família de comerciantes da classe média, também nasceu em Gjirokastër, numa casa que, depois de renovada, abriga actualmente o museu etnográfico.

 

A cidade das mil janelas

- Vais gostar de Berat e certamente que encontrarás semelhanças com Gjirokastër, com as suas casinhas brancas, apertando-se umas às outras como casais de namorados.

Uma imagem romântica de Jonida Qirko que me agradava, da mesma forma que a cidade, também Património da UNESCO, me seduziu desde o primeiro instante, mal comecei a caminhar junto ao rio, passeando o olhar pelos pescadores que, de pé, numa das margens, lançavam as suas linhas para a água que corria silenciosa e da qual se erguia uma neblina ténue. Ao cimo erguiam-se as casas, com as suas mil janelas, do bairro muçulmano de Mangalem, com as suas três mesquitas, e mais para cima ainda a Kalasa, a cidadela, e o bairro Kala, com uma população significativa ainda a viver dentro das suas muralhas. Tradicionalmente católico, Kala não abriga hoje mais do que umas doze igrejas de um total duas dezenas, entre elas a Kisha Fjeta e Shën Mërisë, de finais do século XVIII, que acolhe também o Museu Onufri, com trabalhos do século XVI do famoso artista e do filho, Nikolla.

Do outro lado do rio, Gorica, órfã de sol durante todo o Inverno e um dos lugares mais frescos mesmo no Verão, é um espelho de serenidade. Atravesso a elegante ponte em arco sobre o Osum e fixo o olhar em Mangalem, nos raios do sol incidindo sobre as casas que continuam a namorar, bem juntinhas, e nas suas janelas que parecem flutuar — a cidade das janelas flutuantes.

Já me preparava para deixar para trás Berat quando uma imagem me devolveu à memória um testemunho de esperança de Renis Batali.

- O país está a mudar mas nos últimos 10-15 anos era muito difícil pensar de forma diferente das massas — como uma peça de um puzzle que não encaixa. Acredito que esta mentalidade resulta dos tempos do comunismo e da segregação. Mesmos nós, os mais jovens, não tendo vivido esta experiência, fomos fortemente afectados pelos nossos pais. O meu desejo é que as novas gerações vão muito para lá da mentalidade de massas do comunismo, em que todos sem excepção gostavam das mesmas coisas.

À última hora, decidi dormir em Berat. Subo de novo até à cidadela. Um grupo de crianças, rapazes e raparigas, com camisolas com os nomes de Ronaldo, de Messi, de Kaká, joga futebol. Desço, calcorreando a rua empedrada e avisto roupa num estendal. Olho mais para cima e sinto-me observado por um menino com um sorriso que se torna ainda mais dócil quando o fotografo. Às crianças que retiram prazer do jogo e ao pequeno que parece grato com aquele momento cabe a última palavra, de enfrentar o desafio para provar que este país não é para velhos (hábitos).

 

 

Guia

Quando ir

A Albânia pode ser visitada em qualquer altura do ano. O Verão coincide com a época alta, quando as populações do interior, com temperaturas superiores a 30 graus, acorrem à costa, que goza de um agradável clima mediterrânico. Nas zonas mais montanhosas, fortes nevões são uma constante entre Novembro e Março.  

 

Como ir

Não há ligações aéreas directas entre Lisboa e Tirana e a tarifa mais económica, com uma escala em Istambul e desde que reserve com alguma antecedência, é proporcionada pela Turkishairlines (www.turkishairlines.com).

 

Onde comer

Mullixhiu
Shëtitore Parku i Madh
Tirana
Tel.: 00 355 69666 0444
Inaugurado em 2016 e liderado pelo chef Bledar Kola, o Mullixhiu foi pioneiro em Tirana a servir comida lenta, segundo o conceito da quinta para a mesa — um lugar imperdível, com preços entre os oito e os 15 euros.

Çajupi
Sheshi Çerçiz Topulli
Gjirokastër
Tel.: 00 355 6726 43431
Email: info@cajupi.com
www.cajupi.com
Também hotel, o Çajupi serve refeições com grande qualidade, utilizando produtos frescos e dando particular ênfase à gastronomia da região (preços em conta).

Lili Homemade Food
Rruga Llambi Guxhumani
Berat
Tel.: 00 355 6923 49362

No bairro de Mangalem, mesmo aos pés do castelo, é um restaurante que se recomenda, com uma cozinha típica de Berat e um ambiente familiar (pratos entre os quatro e os seis euros).

Sofra
Rruga Kolë Idromeno
Shkodër
Tel.: 00 355 6920 99022

Localizado numa rua pedonal, o Sofra é o lugar ideal em Shkodër para provar algumas das especialidades albanesas (preços entre os dois e os quatro euros). 

 

Onde dormir

Destil Hostel
Rruga Qemal Gurnjaku
Tirana
Tel: 00 355 69885 2388
Email: info@destil.al
www.destil.al

Mais do que um hostel, o Destil é um espaço criativo com actividades culturais — tarifa diária em dormitório entre os 10 e os 15 euros.

Tirana International
Skanderbeg Square, 8
Tirana
Tel.: 00 355 4223 4185
Email: reservation@hoteltirana.com.al
www.tiranainternational.com

Uma das melhores opções na capital albanesa, pela localização, pelo conforto e com preços entre os 116 e 145 euros para um quarto duplo.

Hotel Gjirokastra
Rruga Shezai Como
Lagjia Partizani
Gjirokastra
Tel.: 00 355 6840 99669
Email: hotelgjirokastra@yahoo.com
www.gjirokastra.org

Um novo hotel mesmo atrás do bazar, com a atmosfera de uma casa tradicional e tarifas (dispõe apenas de quatro quartos) a partir de 25 euros.

Hotel Grand White City
Bulevardi Republika
Berat
Tel.: 00 355 6968 64500
Email: whitecityhotel.berat@yahoo.it
www.whitecityberat.com

Decoração elegante, boa localização, é o único hotel de quatro estrelas em Berat, com um preço de 40 euros por noite (30 para um single).

Hotel Kaduku
Rruga Studenti, 84/1
Shkoder
Tel.: 00 355 6925 51230
Email: info@hotel-kaduku.com
www.hotel-kaduku.com

Com uma panorâmica sobre a Praça Demokracia, o Kaduku é uma boa opção em Shkoder (35 euros por noite).

 

A visitar

Em Tirana, não perca o Museu Nacional de História, na Seshi Skënderbej, a Galeria Nacional de Arte, na Boulevard Dëshmorët e Kombit, também com ícones de Onufri, bem como o (obrigatório) Bunk’Art, um espaço com três mil metros quadrados que corre sob vários prédios, em tempos um bunker da élite política e nos dias de hoje com exibições sobre a história moderna da Albânia e peças de arte contemporânea. Para chegar ao museu, apanhe um autocarro na Seshi Skënderbej em direcção a Linza e peça ao motorista para o deixar no Bunk’Art.

 

Informações

Os cidadãos portugueses apenas necessitam de passaporte com uma validade de pelo menos seis meses para visitarem a Albânia.

Muitos dos hotéis e mesmo alguns restaurantes aceitam pagamento em euros mas a moeda local é o lek (lekë no plural) — um euro corresponde a pouco mais de 130 lekë.

A língua oficial é o albanês mas uma grande maioria da população jovem fala também inglês, italiano, francês ou alemão — com uma significante diáspora, a Albânia é um dos países mais poliglotas do mundo.

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