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O mar, o céu e a duna só para nós

Por Alexandra Prado Coelho

O passadiço das arribas da Foz do Arelho, projecto da arquitecta paisagista Nádia Schilling, foi incluído no Atlas of World Landscape Architecture e tem recebido elogios nas publicações de arquitectura. A ideia, explica Nádia, é oferecer a quem o percorre solidão e liberdade.

Há um troço do passadiço sobre as arribas da Foz do Arelho que capta a atenção mais do que os outros. Vistas de cima, as formas circulares que ondulam sobre a duna parecem até “um bocadinho extraterrestres”.

Quem as descreve assim é Nádia Schilling, a arquitecta paisagista responsável por este projecto, que tem sido elogiado em revistas e sites de arquitectura de diferentes países e foi mesmo incluído no Atlas of World Landscape Architecture, da editora suíça Braun.

O desenho inspira-se nos fractais, figuras geométricas que podem ser geradas por computador com base em equações matemáticas e que se reproduzem a partir de cópias mais pequenas delas mesmas. Mas que, ao mesmo tempo, fazem lembrar as formas da natureza, o vento que transforma as dunas de areia, a água que rodeia as rochas.

É com esta forma muito orgânica, e ao mesmo tempo muito acolhedora, que Nádia nos propõe que descubramos as arribas da Foz do Arelho. Iniciamos o passeio na estrada que sobe da praia, por cima do histórico Hotel do Facho, que vigia o areal desde 1910.

Logo no início, paramos para ver o que ficou atrás de nós — esta zona, conta-nos Nádia, foi considerada um “ponto notável de paisagem”, num estudo em que participou há uns anos, encomendado pela Câmara Municipal de Óbidos para a caracterização do concelho. Aqui, aplica-se inteiramente a frase da música: “On a clear day you can see forever.” Ou, pelo menos, desde Peniche, à esquerda, até São Martinho do Porto, à direita, incluindo, com alguma sorte, as Berlengas.

O passadiço não é grande — pode até ser descrito como pequeno comparado com outros de que a Fugas tem vindo a falar. São cerca de 800 metros, mas isso não o torna menos interessante. Serpenteando sobre as arribas, ele conduz-nos num trajecto que nunca é igual.

É verdade que, para quem parte do ponto de onde nós partimos, com a Foz do Arelho nas costas, o mar está sempre à nossa esquerda e é ele que, inevitavelmente, domina as atenções. Mas o desenho do passadiço obriga-nos a percorrer outros caminhos e é assim que vamos descobrindo paisagens diferentes.

O projecto de requalificação das arribas, iniciativa da Câmara Municipal das Caldas da Rainha e do Ministério do Ambiente, começou há vários anos — a obra propriamente dita teve início em 2012 — e ainda não está totalmente concluído, explica Nádia. “A ciclovia está por terminar e falta uma nova fase de plantações.” A ideia, diz, era que, com o tempo, a vegetação fosse crescendo e rodeando o passadiço, que se tornaria gradualmente menos saliente na paisagem. Mas isso ainda não aconteceu.

Anteriormente, este era já um local de passeio, só que a erosão das arribas tornava-as perigosas e havia a necessidade de controlar esses riscos e tentar travar a erosão, agravada também pelas construções situadas mais acima, que vão tornando o terreno cada vez mais impermeável, dificultando o escoamento das águas.

Por aqui ou por ali?

O passadiço ajuda nesses objectivos, torna os sete miradouros já existentes “mais apelativos” mas, acima de tudo — e é isso que lhe dá um carácter particular — oferece espaços individuais para apreciar a paisagem “de uma maneira mais solitária, mais introspectiva”.

Percorremos o caminho de madeira e logo no início encontramos pequenas saliências, com três degraus, uma espécie de miradouros privados, com espaço para duas, três pessoas no máximo. Esses aproximam-nos um pouco mais do mar, para o qual estão virados.

Depois, ao longo do percurso, o passadiço oferece-nos bancos corridos, uns com costas, outros sem, alguns voltados para o mar, outros para diferentes pontos. Três crianças aparecem a correr, dois rapazes com t-shirts com a cara de Cristiano Ronaldo e uma menina de totós presos com elásticos cor-de-rosa. “Por aqui ou por ali?”, perguntam aos pais, em inglês, perante uma bifurcação. Esta liberdade de escolha foi algo que Nádia quis ao desenhar o projecto. “É importante poder escolher para onde se quer olhar.”

Também os espaços individuais, com bancos giratórios, têm a ver com essa liberdade. Eles surgem quando chegamos ao tal troço de formas ondulantes, que não é um ponto de encontro para sermos recolhidos por naves extraterrestres, como imaginações mais delirantes poderiam acreditar, mas apenas um conjunto de cinco bancos giratórios, cada um colocado sobre duas plataformas redondas, uma maior, a outra mais pequena, todas ligadas entre si.

Aí, sentados num pequeno trono ligeiramente elevado em relação ao resto do passadiço, giramos e abarcamos tudo numa volta: o mar, os rochedos que despontam por entre as ondas, as pequenas enseadas usadas apenas por pescadores, o céu (está um dia nublado e ventoso, com bandeira vermelha na praia e o sol a tentar romper sem grande sucesso), a duna, a vegetação, os chorões que descem arriba abaixo e que tanto são verdes como laranja, a lembrar pequenas labaredas, os tufos de vegetação em manchas de cores diferentes, os pequenos montes de florinhas amarelas, as lagartixas que passam rápidas junto aos nossos pés. E também — infelizmente — o lixo que espreita aqui e ali em redor do passadiço e que incomoda igualmente a arquitecta.

Sentados nos bancos giratórios estão três amigos italianos que vieram do Sul e estão a percorrer Portugal em duas semanas. São de uma localidade próxima de Parma e estão encantados com o que têm visto. “Há paisagens de nos tirar a respiração.” Mas, pelo menos na Foz do Arelho, “a água é gelada”, dizem, rindo.

De repente, eles, as três crianças, a senhora com uma menina que tira fotografias enquanto salta ao pé-coxinho, todos seguem caminho e ficamos só nós, o céu, o mar, o vento, e as gaivotas que planam sobre as nossas cabeças, bem lá em cima.

Apreciamos a solidão por alguns momentos, antes de nos levantarmos e continuarmos. Encontramos mais à frente outras plataformas elevadas com bancos giratórios mas em estruturas com diferentes desenhos, umas mais avançadas, outras mais recuadas. Vamos subindo. Agora o vento bate-nos no rosto sem pedir licença, a lembrar-nos que teria sido boa ideia trazer um casaco.

Subimos um pouco mais, enfrentando o vento que assobia, e desembocamos junto ao antigo muro de pedra de um dos miradouros. O caminho de madeira do passadiço acaba num círculo que nos deixa novamente voltados na direcção da Foz do Arelho. Chegámos ao fim. Que — tudo depende da perspectiva — pode ser também ser o princípio.

No banco onde nos sentamos, alguém escreveu uma frase dos Joy Division, que ganha aqui outro sentido — não o da separação mas o da descoberta: “And we are changing our ways, taking different roads.” É isso. O passadiço leva-nos por caminhos novos. 

 

 

 

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