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De pés na areia e olhar sobre o novo horizonte de Monte Gordo

Por Mara Gonçalves

O primeiro troço do passadiço da praia de Monte Gordo nasceu este Verão e é já o maior do Sotavento algarvio. Mas mais do que um novo percurso, é uma promessa: aqui começa a trilhar-se o futuro de Monte Gordo.

Às vezes, o mais importante não é o caminho ou as paisagens que desvenda, mas o destino que promete. Não falamos das zonas de areal desafogado de veraneantes a que se acede no final do novo passadiço de Monte Gordo, mas antes de tudo aquilo que ainda não se vê em seu redor. A estrutura de madeira foi inaugurada há mês e meio, com direito a sunset e fogo-de-artifício. Mas o corredor sobre as dunas que renascem a cada dia é sobretudo “o primeiro passo da grande operação que renovará o rosto de Monte Gordo”. A primeira cirurgia de uma longa intervenção cosmética.

“O objectivo é acabar com as marcas que nós achamos que não são felizes do turismo dos anos 1970, que tiveram o seu tempo, e requalificar”, define sem rodeios o autarca de Vila Real de Santo António, Luís Gomes. Aquela que foi uma das primeiras estâncias balneares do Algarve quer apagar as rugas desse tempo. Anseia por voltar a ser jovem e moderna.

Estamos em plena hora de almoço quando chegamos ao passadiço pelo primeiro acesso do lado poente. Uma brisa incessante atenua o calor de finais de Julho, enquanto olhamos o areal adormecido de gente. Muitos chapéus-de-sol erguem-se fechados sobre amontoados de pertences cobertos por toalhas. Há quem aproveite para regressar ao fresco das casas de férias, dos quartos de hotel e apartamentos alugados. Outros tantos fazem fila nos restaurantes enterrados no areal roubado ao cordão dunar.

Cinco meses bastaram para que o primeiro troço do passadiço se erguesse entre os estabelecimentos e a praia. Com quase três quilómetros de extensão, é já a maior estrutura do género no Sotavento algarvio. Mas o plano é que se prolongue por mais quatro, até à foz do rio Guadiana. E, quem sabe, talvez um dia serpenteie pelas dunas desde a praia da Manta Rota, ao longo de cerca de 12 quilómetros. “Sei que a câmara de Castro Marim [município cuja linha de costa divide o concelho de Vila Real de Santo António] também já está a iniciar o processo de ligação de Monte Gordo à praia de Altura”, revela Luís Gomes. Haveremos de encontrar o autarca já ao final da tarde numa esplanada da Manta Rota, onde as transformações iniciadas em 2005 “serviram de antecâmara ao projecto de requalificação da praia de Monte Gordo”. Novos parques de estacionamento, estruturas de acesso ao areal, restaurantes em madeira e, desde 2015, um passadiço que percorre o interior das dunas até à ribeira do Álamo.

Para Luís Gomes, os passadiços “não são nenhuma moda nem fetiche”. Antes “um instrumento de preservação e consolidação dos cordões dunares” que permite, ao mesmo tempo, que “o público geral possa aceder às frentes de praia”. Em Monte Gordo, depois de décadas de “massacre” pelo pisoteio e construção de estabelecimentos sobre as dunas, os ecossistemas parecem recuperar. “Em algumas zonas já se nota o acumular das areias”, aponta Filipe Antunes, do gabinete de comunicação da autarquia. Além da reabilitação do cordão dunar, o passadiço trouxe “um novo espaço de lazer”, defende Luís Gomes. De noite, passeiam famílias pela estrutura iluminada. Bem cedo pela manhã, é ver gente caminhar ou correr sobre as tábuas de madeira, conta o pescador João Jerónimo, enquanto limpa o barco no areal.

A zona de varadouro é a única onde o passadiço se interrompe para permitir que por aqui cruzem barcos, redes, armadilhas e toda a parafernália de pesca, desde o areal às cabanas dos pescadores, erguidas em filas siamesas entre os restaurantes da Associação de Pescadores e O Jaime. No segundo domingo de Setembro, volta a terminar aqui a procissão em honra de Nossa Senhora das Dores — a beira-mar repleta de devotos e barcos engalanados sobre as ondas. Desde que se mantenham intactas as rotinas herdadas por gerações de pescadores, o novo passadiço “não vem fazer diferença”, defende João Jerónimo, 71 anos, rugas tisnadas sobre o corpo enxuto. A madrugada de faina terá corrido bem. Nas redes, vieram robalos, raias, linguados, salmonetes, anchovas, bicas, chocos. De tarde, a maioria dos 40 barcos que aqui operam descansa sobre o areal, entre caixas de plástico, redes, lonas e dezenas de bóias de bandeiras coloridas ao vento. João está reformado, mas volta e meia vem ajudar o irmão, que pacientemente repara a malha de uma rede na sombra do chapéu-de-sol.

 

O passadiço é um primeiro passo

Quando o Verão terminar e os últimos banhistas abandonarem o areal à solitude de pescadores e gaivotas, será a vez dos 18 apoios de praia se realinharem para o novo postal de Monte Gordo. Os velhos edifícios de tijolo, construídos sobre as dunas durante o boom turístico dos anos 1970/80, vão começar a ser demolidos no final da época balnear para renascerem no próximo ano em modernas construções de madeira ao longo do novo passadiço. Eleutério Agostinho já mandou fazer a nova estrutura d’O Agostinho. O que começou há 30 anos como um pequeno quiosque foi-se expandindo para restaurante de grelhados com um avançado em lona para arrumar a “sala de refeições” e uma esplanada na areia. O novo edifício erguer-se-á a poucos metros daqui, colado ao restaurante vizinho. Vai ficar “muito bonito”, com “uma boa vista” para a praia. Mas Eleutério mantém-se apreensivo. Cada concessionário tem de pagar a demolição do velho e a construção do novo — um investimento inicial a rondar “os 400 mil euros”, estima o empresário. “Depois a manutenção é que vamos ver como será.”

Não muito longe do restaurante O Agostinho continuam os trabalhos no passadiço, com a conclusão das vias de acesso ao parque de merendas, na extremidade nascente da praia de Monte Gordo. A partir daqui, as construções desaparecem e a natureza impõe-se até ao Guadiana. A areia cobre-se de vegetação seca e sobe acima do passadiço. Atrás surgem os pinheiros da Mata Nacional das Dunas Litorais, um dos últimos redutos do camaleão no Algarve. Quando a estrutura de madeira continuar por aqui o percurso até ao rio, já a marginal de Monte Gordo deverá estar também ela em processo de transformação, com “a consolidação das áreas de lazer”. “É uma zona de passeio em quase todas as cidades, mas aqui é muito escura e hostil”, analisa Luís Gomes, que em Outubro conclui o terceiro mandato à frente da câmara municipal. Nos planos aprovados pela autarquia estão “alguns restaurantes e bares, um hotel, novo pavimento e a reestruturação total dos jardins públicos”, enumera o autarca cessante. “Monte Gordo era uma das manchas negras do turismo desqualificado e densificado do Algarve e do país”, admite Luís Gomes. Mas “está a dar a volta”. O passadiço é apenas o primeiro passo.

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