Fugas - Vinho

Periquita Superyor 2008

Mas convém explicar, desde já, que não se trata de um Castelão puro. Ou melhor, o lote é que não é puro, porque incorpora 2,4% de Tinta Francisca e 5% de Cabernet Sauvignon. A opção é legítima e legal e deve ter sido tomada para complexar o vinho. Mas o fascínio seria outro se tivessem sido usadas apenas uvas de Castelão. Isso permitiria construir em torno do vinho uma história mais rica, ligada ao lugar e à casta e aos homens que a levaram para a península de Setúbal. A inclusão no lote de Cabernet Sauvignon dá ao vinho um toque internacional e modernista, tirando romantismo e charme à narrativa em que assenta. Mas claro que o mais importante é a qualidade intrínseca do vinho. Pode dizer-se que a história deste vinho começa em 1834, quando José Maria da Fonseca, oriundo do Dão, criou a sua empresa de vinhos a granel em Vila Nogueira de Azeitão. Quase década e meia depois, numa propriedade chamada de Cova da Periquita, plantou as primeiras videiras de Castelão Francês, trazidas do Ribatejo, e que viriam a dar origem ao "Vinho da Periquita". Era tão famoso que, a partir de 1870, José Maria da Fonseca passou a engarrafar o vinho com esse nome, Periquita, e até o Castelão francês começou a ser chamado naquela região de Periquita. É o vinho de mesa mais antigo de Portugal e uma das marcas mais conhecidas fora de portas, sobretudo no Brasil. Embora esteja plantada no Alentejo, Ribatejo e Estremadura, é na Península de Setúbal que a variedade Castelão melhor evidencia as suas qualidades. A casta, bastante difícil, parece ter encontrado ali o solo (arenoso) e o clima perfeitos. Mesmo assim, só é possível sonhar com um grande vinho de Castelão se as uvas tiverem origem em vinhas velhas e pouco produtivas. Ora, é precisamente o caso deste Periquita Superyor 2008. Cingindo a avaliação do vinho aos seus méritos e não à sua história, o Cabernet Sauvignon e a Tinta Francisca não passam de um pormenor. Quando muito, acrescentaram um pouco de "sal e pimenta" ao vinho. As virtudes deste Periquita residem nas uvas de vinhas velhas de Castelão (92,6% do lote) e, claro, na opção de as pisar a pé e de ter feito estagiar o vinho durante 14 meses em barricas novas de carvalho francês. O resultado é notável. A cor é mais fechada do que o costume para a casta (interessa pouco a cor do vinho, na verdade) e o aroma revela uma riqueza e frescura admiráveis. Sensações balsâmicas interagem com outras mais apimentadas e frutadas, num delicioso jogo sensorial. O prazer prolonga-se quando levamos o copo à boca e voltamos a ter a mesma sensação de frescura, apesar da presença da madeira ser mais notória. Mas nada que torne o vinho rude. O que prevalece é o seu carácter vibrante, a sua impetuosidade delicada, o seu nervo, a sua harmonia. Tudo o que se quer de um grande vinho. P.G.
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