Fugas - Vinhos

Benoit Tessier/Reuters

Índia, o país esquecido

Por Rui Falcão

A Índia é "um dos mercados que mais faz salivar os principais produtores de vinho internacionais". Até a Moet & Chandon começou a produzir espumantes localmente. E os vinhos portugueses?

O mundo vive actualmente sob uma cisma quase patológica, uma obsessão doentia por um país que é encarado como a panaceia universal para todos os males do mundo, possível redentor da economia internacional, destino privilegiado e ambicionado por milhares de empresas em todos os cantos do mundo. Esse país, como naturalmente já todos entenderam, é a China, o país que aparentemente será o salvador de todos os sectores da economia de todos os países do mundo.

Mesmo no universo do vinho, microcosmos de identidade original, poucos ou nenhuns conseguem ficar imunes aos encantos visíveis da China, ao apelo óbvio de um país que mistura uma população gigantesca com uma economia também ela colossal... e que, apesar da crise que consome o mundo, continua a crescer a um ritmo infernal. Um aparente mar de rosas que infelizmente a realidade não consegue ratificar e que tem pouca tradução nos resultados das exportações dos produtores nacionais.

O mercado é difícil, obriga a parceiros locais de confiança e que conheçam profundamente o negócio e as diferenças regionais, obriga a investimentos pesados numa cultura que nos é estranha e onde a paciência é uma virtude e onde entramos em desvantagem natural face a países como França ou Austrália, que decidiram investir de forma pesada e sistemática, de uma forma que os produtores portugueses nunca poderão acompanhar.

Curiosamente, e apesar da necessidade premente de o vinho português diversificar mercados e dos resultados menos aliciantes do mercado chinês, continuamos a ignorar a Índia de forma mais ou menos ostensiva, prestando pouca atenção ao segundo país mais populoso do mundo... onde a economia cresce igualmente a um ritmo frenético. Sim, é verdade que o mercado não é fácil, que o desconhecimento geral e a falta de cultura vínica é correspondente, que a dimensão do país é assustadora.

Sim, é verdade que o governo indiano proíbe a publicidade directa a qualquer bebida que contenha álcool, que a comercialização é regulamentada e permitida unicamente em lojas especializadas e que o posicionamento no mercado é penoso e incerto. Mas as oportunidades são igualmente vastas e as recompensas potenciais suficientemente tentadoras para que o esforço seja considerado.

Basta atentar que o mercado de vinhos e o consumo na Índia tem crescido a um ritmo muito próximo de 20% ao ano e que a predisposição para os artigos de luxo, categoria em que o vinho continua a estar integrado, abrange um número potencial de clientes calculado nuns surpreendentes 350 milhões de habitantes. As notícias são ainda mais entusiasmantes quando se sabe que este número potencial continua a crescer, apesar do recente abrandamento do crescimento indiano.

Quem compreendeu esta nova realidade geopolítica foi o gigante do luxo francês Louis Vuitton Moet Hennessy, também conhecido pelas siglas LVMH, dono de inúmeras marcas de luxo francesas, do sector das bebidas à moda. Entre as referências mais conhecidas figura aquela que é uma das marcas de champanhe mais fortes, cobiçadas e valorizadas do mercado internacional, a Moet & Chandon, símbolo da pompa e luxo quando chegamos aos momentos de festa.

Uma realidade nova que a Moet & Chandon decidiu capitalizar, começando a produzir um vinho espumante na Índia, emprestando o nome da casa-mãe ao vinho, baptizando-o assim com o prestigioso apelido Chandon. Uma circunstância a que a casa-mãe não é estranha e que já aproveitou no passado para conquistar outros mercados considerados igualmente prioritários e suficientemente apetecíveis para justificar o risco de investimento e de eventual esbatimento de notoriedade da marca.

Uma conjuntura que países como a Argentina, Brasil, Austrália e América do Norte conhecem de perto, por experiência própria, tendo em conta que beneficiam há muito de um tratamento e bonança semelhante, produzindo vinhos espumantes da Moet & Chandon nos solos locais, abastecendo os mercados nacionais de cada um destes quatro países com espumantes nacionais feitos sob a batuta, supervisão e controlo de um dos maiores e mais conhecidos produtores da região de Champagne.

Uma política expansionista séria, pragmática e inteligente que permitiu à Moet & Chandon contornar algumas das condicionantes naturais da sua região original e dos mercados internacionais. Tendo em conta que, por um lado, a região de Champagne tem limitações grandes de crescimento por já se encontrar próxima da capacidade máxima de produção permitida pela sua dimensão, e estando colocada de parte por ora uma extensão da área da região de Champagne, compreende-se a vontade de desenvolver-se fora de fronteiras, de avançar para novos mundos onde os entraves à produção sejam inexistentes e o crescimento seja uma garantia.

Com esta política de produção local, a Moet & Chandon conseguiu ainda entrar em mercados de potencial desmesurado mas fortemente proteccionistas, ficando assim protegida das dificuldades de quotas de importação, custos fiscais por impostos tributários alfandegários e flutuações de preços causados por variações cambiais, conquistando ainda no caminho um capital de simpatia notável graças à opção pela deslocalização e pela produção local.

Não espanta, por isso, que a Moet & Chandon tenha agora decidido expandir-se para a produção de vinhos espumantes na Índia, um dos mercados que mais faz salivar os principais produtores de vinho internacionais. A operação vai desenrolar-se em Dindori, próximo de Nashik, no estado de Maharashtra, onde as primeiras vinhas estão a ser plantadas com o objectivo de produzir os primeiros vinhos Chandon do continente asiático.

E nós, portugueses, continuamos a desperdiçar a ocasião de conquistar e converter os indianos aos vinhos de luxo lusitanos desbaratando a oportunidade de estender o prestígio de vinhos como o Vinho do Porto ou o Vinho da Madeira à Índia...

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