Fugas - Vinhos

Patrícia Martins

As castas mais importantes, e muitas surpresas…

Por Rui Falcão

Como seria de esperar Portugal é de muito longe o país que ostenta maior dispersão e diversidade tanto em termos relativos como absolutos.

Ao longo da vida vamos acumulando demasiadas certezas absolutas, convicções profundas sustentadas na experiência que a vida nos proporciona, verdades e seguranças de quem se habituou a ver o mundo com acuidade e ponderação.

Infelizmente a experiência pode também transmitir presunção, uma sensação de erudição que frequentemente se revela fatal, uma pose de altivez que por vezes nos aproxima da arrogância de quem julga saber tudo, de quem vive cheio de certezas, de quem assume a sua visão da realidade como a verdade absoluta.

Aos cronistas e analistas exige-se porém objectividade e humildade, sustentação na argumentação, investigação e consistência nas apreciações e opiniões, alguma garantia nas afirmações e nas conclusões propostas. Por isso, e apesar dos erros grosseiros a que elas nos podem conduzir, a consulta das diversas estatísticas do sector é sempre uma operação proveitosa, capaz de proporcionar acesso a dados compilados e tratados de uma forma que se presta a uma leitura directa e intuitiva da realidade factual do vinho.

Com frequência, a consulta dos dados estatísticos disponíveis conduz-nos a factos e circunstâncias inesperadas, surpresas para as quais a experiência raramente nos prepara. É por exemplo interessante reconhecer que Portugal é o país que apresenta o pior rendimento por hectare na vinha, não superando as quatro toneladas por hectare, valor paupérrimo quando comparado com países nossos concorrentes directos como a Alemanha ou a África do Sul… que anunciam rendimentos médios de catorze toneladas por hectare, quase quatro vezes mais que a média nacional.

Até mesmo os países que nos são mais próximos, países do Sul da Europa que são comparáveis nas condicionantes da natureza, competidores directos e rivais imediatos nos diferentes mercados alvo, países como Espanha, França ou Itália, apresentam rendimentos médios na vinha bem superiores à realidade nacional, respectivamente com seis, nove e onze toneladas por hectare. Realidades que se podem justificar por uma viticultura mais eficiente e, eventualmente, por uma dimensão da propriedade média superior que apadrinha a eficácia.

Mas a estatística que me é mais interessante e reveladora da realidade nacional é aquela que aponta para a dispersão das castas na vinha, a diversidade de castas de cada país, a riqueza ampelográfica de cada nação. Como seria de esperar Portugal é de muito longe o país que ostenta maior dispersão e diversidade tanto em termos relativos como absolutos. Em Portugal as cinco castas mais relevantes em superfície plantada (respectivamente Aragonez/Tinta Roriz, Touriga Franca, Castelão, Fernão Pires e Touriga Nacional) representam somente 24,7% da área total de vinha, atestando de forma eloquente a heterogeneidade das castas portuguesas.

Para conseguirmos entender este valor estatístico da dispersão de castas basta atentar no exemplo de outros países para entender a magnitude do exemplo português. Basta olhar para o país vizinho, Espanha, onde as cinco principais castas, Airén, Bobal, Garnacha, Tempranillo e Monastrell, conseguem ocupar 61,8% da área total de vinha plantada, enquanto em França 50,5% da área de vinha é ocupada com as castas Merlot, Carignan, Grenache, Ugni Blanc e Cabernet Sauvignon). Na Austrália 65,7% da área é representada pelas castas Syrah, Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Merlot e Sémillon, enquanto na Nova Zelândia 76,6% da área total de vinha é ocupada pelas castas Chardonnay, Sauvignon Blanc, Pinot Noir, Merlot e Cabernet Sauvignon.

Ou seja, enquanto em Portugal as cinco principais castas representam um quarto da área total de vinha, nos restantes países produtores essa proporção passa para valores entre metade e dois terços da área total. Pior, ou melhor, dependendo das perspectivas, as dez principais castas de Portugal representam 36,4% da área total, cerca de um terço da área conjunta de vinha. E se quisermos ser ainda mais chocantes ficamos a saber que as principais vinte e cinco variedades nacionais ocupam apenas 52% da área global de vinha, proporção menor que as cinco principais castas preenchem em Espanha.

Ou seja, as vinhas portuguesas estão largamente pulverizadas em dezenas de castas que, mesmo no caso das variedades de maior sucesso, representam uma pequeníssima porção do volume total de vinho produzido. O que é uma benesse, no que tal representa de riqueza e complexidade, mas simultaneamente um pesadelo quando pretendemos comunicar ao mundo este intricado e rico universo das castas nacionais.

Entre as dez variedades mais plantadas encontramos apenas três castas brancas, as já expectáveis Fernão Pires, Roupeiro e Arinto. Mas mesmo no restrito grupo das dez castas mais plantadas em Portugal conseguimos ser confrontados com sobressaltos pouco previsíveis. É surpreendente, para ser simpático na escolha de palavras, que a décima casta mais plantada em Portugal seja o Syrah, casta francesa de introdução relativamente recente no nosso país. A área absorvida pelo Syrah consegue ser mesmo superior à área ocupada pelo Alicante Bouschet, facto inesperado mas que é explicável pelo recente amor de tantas regiões nacionais que se deixaram seduzir pelos encantos do Syrah. Uma tendência assustadora e pouco racional que poderemos vir a pagar muito caro…

Mas também é estranho notar que a segunda casta estrangeira mais plantada em Portugal, se assumirmos o Alicante Bouschet como nacional, é o Caladoc, uma casta híper produtiva que muito raramente surge nos contra rótulos dos vinhos pátrios. Outra curiosidade é o sucesso do Loureiro, décima primeira variedade em área total plantada e que ocupa um pouco mais do dobro da área global do Antão Vaz! Quem tiver curiosidade em conhecer o nome das dez variedades mais plantadas em Portugal fica a saber que a hierarquia é representada por ordem decrescente pelo Aragonez/Tinta Roriz, Touriga Franca, Castelão, Fernão Pires, Touriga Nacional, Trincadeira, Baga, Roupeiro/Síria, Arinto e Syrah.

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