Em nenhum outro sector da economia se observa um fenómeno tão nacionalista como no universo do vinho e do sector primário. Mas se o orgulho pátrio pelos vinhos nacionais é mais que evidente e louvável, a disposição troca de figura mal mudamos de registo para os vinhos espumantes, esse pequeno mundo tão especial onde rapidamente substituímos a argumentação patriótica pela afirmação segura que os espumantes estrangeiros são melhores, abusando sem pudor de vinhos tão pouco interessantes, incoerentes e deslavados como a maioria dos Asti, Prosecco ou Cava que conseguimos encontrar à venda nas prateleiras dos supermercados portugueses.
É obviamente indiscutível que países como Itália, Espanha ou Alemanha conseguem produzir vinhos espumantes interessantes, tal como é seguro que existe um país em ascensão rápida no mundo dos vinhos espumantes, a Inglaterra, que, apesar do espanto inicial, poderá rapidamente transformar-se num dos países referência dos vinhos espumantes. Mas é certamente inegável que Champanhe continua a ser o ponto de partida e de inspiração para o mundo dos vinhos espumantes, a grande referência internacional, baliza e tabela pelo qual todos os vinhos espumantes nacionais e internacionais são comparados e avaliados.
Apesar da tradicional falta de auto-estima nacional, é também inegável que Portugal oferece um grupo relativamente reduzido de vinhos espumantes de qualidade, vinhos que pouco ou nada ficam a dever aos demais países referência. Em alguns casos, os espumantes nacionais podem mesmo equiparar-se ou superar alguns dos champanhes mais triviais que circulam por Portugal, muitas vezes vinhos francamente banais que são casos de sucesso comercial simplesmente por ostentarem rótulos francamente sonantes. Convém admitir que estes casos não são frequentes, mas hoje podemos contar com dois ou três produtores de vinhos espumantes nacionais que não defraudam as expectativas e que não devem sofrer qualquer tipo de complexo de inferioridade quando comparados directamente com as restantes referências francesas.
Um dos nomes mais sonantes e que melhor retrata esta agradável realidade são os espumantes Vértice, nascidos no coração do Douro, um dos locais mais improváveis para a afirmação dos espumantes nacionais. Vinhos que nascem nas imediações de Alijó, nas terras mais altaneiras do Douro, nos altos onde a frescura é natural e a acidez uma garantia absoluta. Apesar de o Douro ser uma região que nos acostumámos a associar a vinhos cheios, carnudos, poderosos e tensos, tanto nos vinhos do Douro como nos magistrais vinhos do Porto, a altitude das vinhas das cotas mais altas permite o milagre da criação de um dos grandes vinhos espumantes nacionais.
Alijó é uma área de altitude elevada, onde a frescura impera e onde Celso Pereira, o condutor do projecto Vértice, foi descobrir as vinhas perfeitas para o projecto que o ocupa há mais de duas décadas. Vértice e Celso Pereira são dois nomes que hoje quase se confundem, tal a dedicação de Celso Pereira à causa do Vértice e dos vinhos espumantes, sempre bem assessorado por Pedro Guedes, o parceiro natural nesta empreitada pelos vinhos espumantes que saem de Alijó.
Quando a saga começou ninguém conhecia o potencial da região e, sobretudo, acreditava na bondade do projecto, ninguém conhecia das castas locais para a espumantização. Por isso, Celso Pereira começou por realizar um gigantesco trabalho de base de quem desbrava território desconhecido, ensaiando dezenas de castas durienses, desenvolvendo uma selecção em busca da identificação das variedades correctas.
Um trabalho de investigação que obrigou a dezenas de microvinificações, dezenas de ensaios, pesquisas e descobertas tecnológicas que abriu portas às Caves Transmontanas e à região para um mundo novo que hoje já é uma realidade palpável. É fácil esquecer o passado, mas há mais de vinte anos as Caves Transmontanas já utilizavam técnicas que se banalizaram muitos anos mais tarde, como o seu sistema de fitas coloridas para marcar cada variedade na vinha, abrindo porta aos numeroso ensaios por casta.
Quem tiver a sorte de poder experimentar alguns dos vinhos mais velhos irá descobrir espumantes que envelhecem sem rugas, mostrando a fibra da região e a mestria com que são feitos. Um dos vinhos mais interessantes é o Vértice Millésime Bruto, que surpreende logo pela tonalidade levemente salmonada. Um espumante frutado, muito ligeiramente floral, especiado e rico, demonstrando uma suavidade de boca quase comovente e uma alegria e frescura transbordantes e contagiantes. Um espumante seco, tenso na acidez e delicado na bolha, como é desejável no estilo. O Vértice Super Reserva, de estágio prolongado, revela notas sedutoras de alperce seco e maçã assada a que se associam a pêra e um leve toque de jasmim. A boca é portentosa na dimensão e estrutura, firme, incisiva e fresca com um final seco, tenso e consistente.
Espumantes que merecem ser conhecidos, bebidos… e que podem ser desfrutados em qualquer ocasião do ano, sem terem de ser reservados para aniversários ou épocas festivas.