Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

O que o futuro trará ao Soalheiro

Por Rui Falcão

Apesar da evidência, apesar dos desmentidos sucessivos e dos inúmeros artigos de opinião a contradizer o fundamento, o estigma que acompanha o Vinho Verde quase desde a nascença da denominação de origem teima em persistir.

Afinal, foram décadas de preconceitos e ideias feitas apoiadas em lugares-comuns que, de tão repetidos, se transformaram em verdades absolutas para a maioria dos portugueses.

Temos sido doutrinados durante tantas décadas para o embuste que o Vinho Verde teria de ser bebido cedo, sempre de colheitas muito jovens, que acabámos por acreditar na falácia, propagando-a sem sequer pensar sobre a veracidade da afirmação. Fomos tão longamente catequizados que os vinhos da região do Vinho Verde não teriam capacidade de guarda que a simples ideia de beber um vinho com mais de dois anos se afigura quase como heresia ou disparate completo. Para o bem e para o mal, não é fácil fugir aos estereótipos que pairam sobre a denominação.

Apesar desta triste realidade, podemos considerar que a região vive realidades diferentes e que a sub-região de Monção e Melgaço, o refúgio seguro da casta Alvarinho, sempre gozou de uma imagem de prestígio e estatuto muito particular. Os vinhos da casta Alvarinho criados nesta sub-região ganharam respeito e notoriedade, uma imagem de qualidade e exclusividade ímpar, uma representação admirável entre os mais prestigiados vinhos brancos de Portugal.

Infelizmente, e apesar de tal elevação, o nome Alvarinho ainda está associado à figura simplista de vinho de Verão, vinho de esplanada, acompanhamento perfeito para peixe, marisco e pouco mais. Apesar do brilho do nome, o nome Alvarinho continua preso a velhas percepções, a preconceitos e incompreensões que teimosamente insistem em perdurar. Apesar do apelo e da evidente sedução do nome, ao Alvarinho continua a ser recusado a pertença à elite do vinho nacional, numa atitude autista de difícil compreensão.

Circunstância ainda mais incompreensível quando nos recordamos dos vinhos Soalheiro, um dos exemplos mais claros de consistência, coerência, solidez e elegância. Os Soalheiro brancos e tinto mostram-se cristalinos e austeros, mas com uma pureza aromática avassaladora. São vinhos vibrantes e tensos, minerais e sólidos como raramente se encontra em Portugal, frescos como a Primavera. São vinhos frutados e sedutores que, apesar dos preconceitos contra, revelam uma capacidade de guarda inacreditável.

Sim, os Soalheiro Alvarinho são brancos que envelhecem notavelmente, brancos de guarda como poucos em Portugal. E sim, também é verdade que os adjectivos saltam em catadupa quando se fala sobre os vinhos Soalheiro. É fácil ficar inebriado perante a grandeza dos muitos e diferenciados vinhos Soalheiro que nascem no coração de Melgaço. É fácil perdermo-nos em superlativos quando estamos perante alguns dos brancos mais excitantes de Portugal, diante de alguns dos poucos brancos de elite internacional produzidos em solo nacional.

A primeira colheita data de 1982, embora o primeiro Soalheiro datado só tenha surgido em 1991. Não é fácil trabalhar com uma casta única, uma ferramenta única, uma tonalidade desamparada, uma nota solitária na partitura. Mas no Soalheiro ninguém sentiu qualquer atrapalhação com este desígnio. Pelo contrário, entendem a aparente debilidade como um desafio singular, como uma oportunidade única de expressão das nuances de cada parcela, como uma ocasião soberana para a expressão mais pura das diferentes vinhas, como um repto irrecusável para a expressão da natureza. Sobretudo desde que, em sinal de profundo respeito pela vinha e pela natura, enveredaram em 2005 pela agricultura biológica, dando espaço, autonomia e liberdade de expressão a cada parcela. Hoje, a casta Alvarinho dá corpo a muitos e diferentes Soalheiro. Desde um espumante ao Soalheiro clássico, desde o Soalheiro Reserva ao Primeiras Vinhas, desde o Terra Matter ao Granito. Vinhos de culto que o passado reconfirma na excelência e consistência.

O Soalheiro Reserva eleva a casta Alvarinho para campos ainda pouco explorados. O Primeiras Vinhas, a expressão suprema do Soalheiro, já conseguiu atingir o estatuto de estrela máxima do firmamento do vinho português. Os vinhos destacam-se face aos seus pares pela expressão mineral e pela expressão firme de um terroir. No Soalheiro Primeiras Vinhas a sábia mistura entre contenção e eloquência, sobriedade e exuberância conquista de imediato. A boca marca momentos de verdadeira tensão, ríspida e autoritária, séria, fresquíssima e mineral, pura e incisiva, objectiva, precisa e rigorosa. A guardar durante mais de uma década. A clareza aromática e limpidez dos Soalheiro impressionam, proporcionando vinhos cristalinos e imaculados com uma transparência e precisão pouco habituais nos vinhos nacionais. Vincadamente tropicais, expressivos e efusivos são vinhos Alvarinho exuberantes e entusiastas, vinhos de sedução pura.

Pressionados por uma sociedade que só se curva perante a novidade, perante o efémero, bebemos os vinhos cada vez mais jovens e imberbes, sem o bom-senso e o discernimento que só o tempo de estágio em garrafa pode oferecer. Sabendo que o tempo está do lado do Soalheiro, guarde algumas garrafas por colheita. Não imagina a grata surpresa que o futuro lhe irá reservar.

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