Fugas - Vinhos

Pedro Granadeiro/ NFactos

Os extremistas do vinho são um perigo. Fuja deles

Por Pedro Garcias (crónica)

Num colóquio que decorreu no passado fim-de-semana em Vila Nova de Foz Côa, João Nicolau de Almeida contou a sua história no mundos dos vinhos.

No início, quando chegou de Bordéus e começou a trabalhar com o seu tio José António Rosas no Douro Superior, descobriu uma região arcaica, fossilizada na tradição, a léguas da modernidade francesa. Juntos, começaram uma verdadeira revolução vitivinícola. Seleccionaram os melhores porta-enxertos e as melhores castas, plantaram vinhas totalmente mecanizáveis e “industrializaram” a produção de grandes vinhos tranquilos com a marca Duas Quintas.

Agora, reformado da Ramos Pinto, já avô, João Nicolau de Almeida está a fazer o caminho inverso no seu projecto pessoal, o Monte Xisto, em Vila Nova de Foz Côa. Prefere o cavalo ao tractor, não usa herbicidas, encanta-se com as ervas e plantas que povoam as vinhas, aposta na diversidade de castas e pratica uma enologia o menos interventiva possível, para respeitar o mais possível a expressão do lugar e das uvas. Tradição e respeito pelas virtudes da “renaturalização” da viticultura são hoje os seus mantras.

A sua “reconversão” é exemplar e não corresponde apenas ao natural chamamento da terra e dos seus valores que começamos a sentir à medida que vamos envelhecendo. João Nicolau de Almeida, doutrinado pelos filhos, percebeu que, numa escala mais pequena do que a da Ramos Pinto, é possível fazer grandes vinhos e ser, ao mesmo tempo, mais amigo do meio ambiente; que no vinho menos intervenção pode significar mais autenticidade e mais qualidade; e que o essencial já foi inventado há muito tempo.

Se o vinho é a expressão do terroir, então que seja o mais puro possível. Livrar as vinhas de contaminantes e intervir o menos possível na fase de vinificação faz, por isso, todo o sentido. Os problemas começam quando se quer radicalizar essa ideia de “pureza” e se passa a diabolizar tudo, desde o sulfuroso (um poderoso antioxidante do vinho que, se for usado em doses aceitáveis, não tem qualquer implicação na saúde) às leveduras ditas industriais (são tão naturais como as indígenas, podem é dar ao vinho um perfil aromático distinto); quando se aposta nessa “radicalização” apenas por uma questão de moda e se passa a olhar para os outros vinhos, os ditos convencionais, com desdém.

Não faz qualquer sentido encarar os produtores de vinhos naturais como uns freaks que fumam uns charros e se divertem a fazer brancos e tintos originais mas cheios de efeitos. Esta visão tem mais de ignorância do que de preconceito. Há vinhos naturais, feitos com pouco ou nenhum sulfuroso, fermentados de forma espontânea, provenientes de vinhas tratadas de forma biodinâmica ou orgânica, que são verdadeiramente extraordinários. Mas é igualmente deprimente observar o desprezo e a arrogância com que alguns produtores de vinhos naturais olham para os vinhos convencionais, feitos com inoculação de leveduras e sulfuroso e sujeitos a colagens e filtrações, no respeito escrupuloso da lei, até no tratamento químico das vinhas.

Em teoria, a única discusão devia centrar-se entre vinhos bons e vinhos maus. Em teoria, porque a ética ambiental pesa cada vez mais na avaliação de um vinho. Mas os conceitos de pureza e sustentabilidade ambiental não podem servir de álibi para tudo. Da mesma forma que devemos denunciar e desistir de vinhos altamente tecnológicos, sem qualquer ponta de “humanidade”, também não podemos ser complacentes com vinhos feitos de forma orgânica, sem qualquer produto químico ou tecnologia invasiva, mas que são verdadeiramente maus, com defeitos óbvios.

Como em tudo, os extremistas são sempre perigosos. O melhor é mesmo fugir deles. Não é o caso de João Nicolau de Almeida, claro.

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