Fugas - motores

O MX-5 sabe esquiar, os portugueses nem por isso

Por David Andrade

"Quando for grande quero ser piloto de automóveis" - terá sido mais ou menos assim o pensamento de infância de David Andrade, que se concretizou em Fevereiro passado. Pelo menos durante dois dias. Foi na Suécia, no Kall Auto Lodge, e com um bónus extra: pilotar um Mazda em cima de uma placa de gelo com 50 centímetros de espessura não é tarefa fácil

Ao início da manhã, o termómetro descia até aos 32 graus negativos. Mas isso foi ao nascer do dia. Agora estão 20 carros alinhados na pista, pouco passa das 10 horas e ouvese o roncar dos motores. E agora o mercúrio já deve ter subido uns sete ou oito pontos. Quem está lá fora e tenta proteger os poucos centímetros de pele desprotegidos parece pouco impressionado com a ligeira escalada da temperatura. Para mim, dentro do Mazda MX-5, esse não é um problema, apesar de estar sentado num descapotável.

Talvez seja da adrenalina, talvez seja da chauffage, que está no máximo. Com o fascínio por corridas automóveis a ocupar lugar de destaque no meu ADN, estou prestes a cumprir um "quandofor-grande-quero-ser", mas nunca imaginei que isso aconteceria em cima de uma placa de gelo com 50 centímetros de espessura.

Terça-feira, 24 horas antes. O fato azul está vestido, as luvas e botins de competição calçados. Na mão está o capacete cinzento devidamente personalizado: "7" e "D. Andrade". Não falta nada quando o autocarro chega a Kall, na Suécia. Para além de mim, há mais 119 pilotos. Quase todos jornalistas e quase todos de revistas especializadas em automóveis, para quem "brincar" com carros em circuitos e drifts está longe de ser novidade.

Mas ali não há só jornalistas: poucos segundos depois de pisar o chão gelado, surge à minha frente o senhor René Arnoux. Para os mais distraídos nestas coisas das quatro rodas, este francês foi piloto de Fórmula 1 durante mais de uma década. Fez parte da equipa da Ferrari e dividiu as pistas com nomes como Villeneuve, Prost e um dos meus ídolos: Ayrton Senna. Agora, com 62 anos, preparava-se para partilhar a pista comigo. Mais uma proeza no currículo do francês.

Ter um ex-piloto de Fórmula 1 como rival não baixou o meu moral. É que isto de fazer corridas num MX-5 não era novidade para nós, os portugueses. Todos os carros tinham seis pilotos e ao volante do número 7 estava um trio de luxo que fez parte da equipa nacional que terminou, em 2010, a Mazda MX-5 Open Race num honroso segundo lugar - a vitória belga foi conseguida à custa de "manobras suspeitas", garantiram-me. Mas um ano depois Alfredo Lavrador (Turbo), Bernardo Gonzalez (Autosport) e Luís Guilherme (Automotor) não faziam a mínima ideia do que os esperava. Nem eu, descobri mais tarde. Desta vez, a pista não era o circuito italiano de Adria, onde o asfalto permitiu aos portugueses mostrar todos os seus atributos.

Agora, a Mazda deu um passo em frente e elevou a fasquia. A MX-5 Ice Race teve como palco uma pista de 4,9 km com 43 curvas e o circuito não era bem um circuito, mas sim o gelado lago Kallsjon, o maior da Suécia, que chega a ter 134 metros de profundidade. Nesta altura do ano, a camada de gelo à superfície varia entre os 40 e 60cm. Números que não me deixaram totalmente tranquilo, confesso. Completavam a equipa portuguesa Sandro Meda (Auto Hoje) e Sérgio Veiga (AutoFoco). Resumindo: Quatro "Auto", um "Turbo" e eu. "Onde é que eu me fui meter?" A resposta surgiu quando chegou a minha vez de conduzir na sessão de treinos livres.

Nas mãos tinha um dos roadster's mais vendidos do mundo. O MX-5 2.0 de 160cv dava todas as garantias, mas os problemas apareceram quando a máquina começou a mexer-se. Antes de entrar na pista, havia uma centena de metros para percorrer com limite máximo de 30 km/h. Mesmo aí percebi que estava metido num grande "31". Terminada a zona com "limite de velocidade", com uma pequena recta pela frente, foi tempo de carregar no acelerador.

O que se seguiu? Três voltas à pista, cerca de 20 minutos de condução e algo indescritível. Com a adrenalina no máximo e sempre em "segunda" ou "terceira", segurar o carro numa recta era tarefa árdua, pior ainda era sobreviver às 43 curvas. Mesmo sem fazer nada por isso, a condução em drift era constante e o tempo para respirar nulo. Quando regressei às boxes, a primeira vitória estava conseguida: nenhuma saída de pista.

Da parte da tarde, a história já era a "doer". Mal recomposto da aventura matinal, regressei ao MX-5 e agora os tempos contavam para a qualificação. A minha táctica, no entanto, manteve-se. Quando alguém entra de patins pela primeira vez numa pista de gelo o que tenta fazer? Manter-se de pé, obviamente. Eu ia tentar fazer o mesmo, o que nesta caso significava aguentar o MX-5 dentro da pista.

É que cada incursão na parte de fora resultava, inevitavelmente, em carro preso e necessidade de ajuda das pick up para nos desenterrar da neve. E isso podia significar mais de cinco minutos de espera. Como apenas o melhor tempo da equipa contava, o objectivo era não perder tempo desnecessário e deixar os "especialistas" colocarem-nos no melhor lugar possível. E o que conseguimos? Deixar dois carros atrás de nós. A nossa corrida ia começar numa pouca animadora 18.ª posição.

A táctica para a corrida foi cozinhada ao jantar. Contra australianos especialistas em dirt racing's (corridas nas ovais enlameadas em que os carros andam sempre de lado), russos que fizeram provas de selecção para escolher os pilotos, nórdicos habituados a ambientes gelados e ex-pilotos consagrados, o que podíamos fazer? Deixar os outros espalharem-se, provar que os portugueses sabem fazer condução segura e subir na classificação à custa de erros alheios. A estratégia foi aprovada por unanimidade.

É quarta-feira, pouco passa das 10 horas e ouve-se o roncar dos motores. A primeira das duas corridas vai começar e pouco falta para nós provarmos que "condução" e "defensiva" são duas palavras que não combinam no léxico português. Pouco antes de terminarem as duas horas da corrida matinal, já tínhamos transformado o MX-5 na atracção do dia, ao converter o roadster da Mazda em algo parecido com um buggy e obrigamos os mecânicos a horas extras para mudar o radiador, que não aguentou o nosso ritmo. À tarde, apesar do grande atraso que resultou da visita matinal ao mecânico, as coisas saíram francamente melhor e nos últimos minutos, após uma recuperação impulsionada pelo orgulho, conseguimos provar que os últimos nunca são os primeiros. Um carro ficou atrás de nós.

Na viagem de regresso a Portugal, ao ler o PÚBLICO, uma notícia chamou-me à atenção: Nelson Évora, que tinha partilhado connosco o voo de Lisboa para Estocolmo, terminou em penúltimo lugar a prova de triplo salto que disputou no meeting realizado na capital da Suécia. Acontece aos melhores, Nelson.

A Fugas viajou a convite da Mazda Portugal

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