Cada ano é mais difícil responder. Todos os anos respondo que é o da Confeitaria Nacional.
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Não se pode dizer qual é o melhor bolo-rei de Lisboa, do Porto ou de Portugal. O que se pode ir fazendo é provando os bolos-rei que nos aparecem à frente (leia-se “que nós perseguimos até aos confins da Terra”).
Discutir qual é o melhor bolo-rei é uma actividade infinita e deliciosa, até porque é sempre interrompida: “Sabes lá o que dizes! Tens é de provar o bolo-rei da Garrett — vou-te trazer um e depois falamos”.
O melhor que já provei até hoje — e que venho provando há duas semanas, não fosse detectar alguma inconsistência — é o da Confeitaria Nacional, em Lisboa. Fundada em 1829, a fachada da Confeitaria Nacional assinala em bonita azulejaria que tem “MAIS DE 100 ANOS DE EXISTÊNCIA”. É característica amável da Confeitaria Nacional esta modéstia, para uma confeitaria que é a mais antiga de Lisboa e que já em 2029 poderá mudar o algarismo para perfazer “MAIS DE 200 ANOS DE EXISTÊNCIA”.
A receita bem pode ser secreta mas cá para mim o verdadeiro segredo é que os mestres pasteleiros melhoram o bolo-rei de ano para ano. Todos os anos está um bocadinho melhor do que o anterior, tendo parecido no ano anterior que tinham atingido a perfeição.
Lembro-me há uma década de achar que o bolo-rei deles, a ter algum defeito, era ter ovos a mais e, sendo fofo e amarelo de mais, não ter a secura que tanto se presta a um chá, um vinho do Porto, um vinho da Madeira ou um Moscatel de Setúbal.
Os defeitos do bolo-rei da Confeitaria Nacional eram sempre por generosidade excessiva. Também me lembro de uma iteração do bolo-rei que tinha passas, fruta cristalizada e nozes a mais na massa do bolo.
Este ano acho que acertaram no que é a mais difícil ambição de um bolo-rei: o equilíbrio. Tem muita fruta e muita noz mas está perfeitamente espalhada pela massa. Não sei como conseguem tal feito de levitação.
O atendimento na loja da Praça da Figueira (no rés-do-chão ou no irresistível salão de chá no primeiro andar, tal como nos tempos de Balthazar Castanheiro) é sempre muito eficiente e simpático. Os empregados recebem-nos como se lá fôssemos todos os dias. Portam-se como se fossem os próprios proprietários de uma pastelaria acabada de abrir e ansiosa para criar uma nova clientela.
A venda de bolos-rei está muitíssimo bem organizada, adaptando-se aos caprichos de cada um. Não nasceu ainda um lisboeta que apenas queira “um bolo rei”. Não. Quer um mais mal cozido, mais pesado, com menos frutos secos.
A Confeitaria Nacional satisfaz todas essas personalizações mas, no fundo, toda a gente sai dali com um bolo-rei perfeito nas mãos.
É difícil estacionar ali, pelo que se passam anos sem lá irmos mas, quando vamos, trazemos sempre dois bolos. É que o bolo-rei da Confeitaria (os fãs usam apenas o substantivo, sem adjectivo, como se não houvesse em Lisboa outra confeitaria) é muito bom acabado de sair do forno mas também é muito bom no dia seguinte e no terceiro e por aí afora...
É assim que se vê a grandeza de um bolo-rei: pela longevidade. A massa do bolo-rei não é, ao contrário da maioria de bolos-rei, doce. É abaunilhada e generosa. O açúcar não abafa os sabores diferenciados das frutas e das passas, todas exímias.
Todos os ingredientes são excelsos. As frutas cristalizadas do exterior — que costuma ser o calcanhar de Aquiles dos bolos-rei — são perfeitas. Se quiser fazer uma ideia do tempo que leva e da paciência e perícia que são necessárias para cristalizar fruta à velha moda francesa, consulte um bom manual de pastelaria: é de fugir!
Bolo-rei torrado é muito bom. Melhor ainda, quando já tiver mais de uma semana, é remover o exterior e fazer fatias da massa para torrar. Carameliza lindamente — cuidado que torra num instante — e ganha vida nova, ideal para acompanhar um café, um chá ou um bom whisky de malte.
Há quem ponha manteiga mas acho que é um erro. O bom bolo-rei, como é o da Confeitaria Nacional (“por Balthazar Castanheiro”), já tem toda a bondade e majestade dentro dele.