Fugas - Motores

«Descontraia, aqui nada de mal pode acontecer»

Por Carla B. Ribeiro

Conduzir num autódromo pela primeira vez é coisa para assustar, mas o receio passa.

Algumas centenas de milhares de quilómetros de auto-estrada, estrada e confusão urbana e até umas aventuras todo-o-terreno depois, conduzir em pista poderia ser como dar umas voltas num carrossel. Mas, quando já não há fuga possível, um frio na espinha indica que o que me espera estará mais para uma alucinada viagem na montanha-russa, com direito a vários loops

Há qualquer coisa de grandioso a envolver-nos na entrada em pista que, mesmo sem audiência, com a recta da meta cortada e depois de uma volta de reconhecimento, nos parece esmagar contra o volante. E de repente o peso do mundo parece cair sobre os ombros. 

Ao lado, um experiente instrutor ensina os truques do exigente traçado do Autódromo Internacional do Algarve, em Portimão. Pela frente, uma pista mais larga que o somatório dos dois sentidos de muitas estradas nacionais. Ao dispor, um Boxer 2.0 com 200cv dum GT86, o coupé compacto que une a fiabilidade Toyota à agressividade Subaru, de baixo centro gravitacional, tracção traseira e caixa manual de seis velocidades e relações curtinhas. 

Seria de esperar que nada corresse mal. Mas, à primeira aceleradela, um coice acusa o insensível jogo de pés. Os primeiros 500m servem, aliás, para concluir que a condução deixa muito a desejar: "bracinho p"ra dentro", "as duas mãos no volante", "a um quarto para as três". Só faltava o mais importante: "descontraia; aqui nada de mal pode acontecer". Não é que duvide da convicção, mas prefiro apalpar terreno num traçado de curvas e contracurvas, subidas e mais curvas. Muitas "cegas". Depois, descidas a terminar noutras curvas. E, assim, vejo-me ultrapassada, uma e outra vez, por quem notoriamente já se estreou em pista noutras andanças. 

Depois da primeira volta a medo, a segunda tentativa revela que carro e asfalto já se reconhecem. O desenho acidentado, que reúne até a admiração de pilotos de várias modalidades motorizadas, obriga a um exercício que vai para lá da condução. Guia-nos a um bailado ao qual o GT86 corresponde de forma dinâmica mas segura. E, sobretudo, divertida, além de acusticamente estimulante. Depois de um arranque desengonçado, é ver-nos ganhar graciosidade à medida que a confiança na resposta da máquina refreia os níveis de adrenalina. 

Como pares nesta dança, vários pinos, ao longo da pista, indicam onde apontar o focinho para desenhar um arco perfeito; do banco ao lado chegam as ordens de quando reduzir, em que ponto soltar rédeas, o momento exacto de travar. 

Aprendida a coreografia, seria numa terceira vez, e já com uma reactiva caixa automática (que obriga quem a considerava uma aposta no mínimo estranha para este desportivo a rever a conclusão), que os movimentos se tornariam mais fluídos. Obedece-se, por fim, à incitação do instrutor: "acelere!".  

O acesso à recta da meta continua cortado. Mas o medo foi vencido e o bicho quase domado. Por isso, é com prazer (e muita pena) que se enfrenta a última curva com o ponteiro do velocímetro a rodar sem hesitações para a direita.

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