Fugas - Motores

Cortesia ACP

Carros com história: No princípio era um locomóvel

Por Carla B. Ribeiro

Panhard & Levassor. Uma marca que parecerá estranha a muitos mas que fez furor há mais de um século: é a marca do primeiro automóvel que circulou em Portugal. Melhor, o primeiro "locomóvel"...

Corria o ano de 1895. Portugal estava sob o reinado de D. Carlos I e o país, em bancarrota, vivia dias conturbados. As ideias republicanas conquistavam cada vez mais terreno e o monarca via a sua popularidade decrescer dia após dia. Mas em Santiago do Cacém, outras ideias ganhavam forma. Ideias motorizadas.

Jorge, quarto conde de Avilez e filho de Jorge Salema de Avilez Juzarte de Sousa Tavares, era um jovem que se destacava pela sua paixão por viajar. E foi numa das suas viagens, a Paris, que deu de caras com o futuro das deslocações: o automóvel. E fez a si próprio a vontade: arranjar uma maneira de ser o primeiro a conduzir um automóvel pelas então muitíssimo impróprias estradas portuguesas.

Maria da Conceição Vilhena, professora catedrática pela Faculdade de Letras dos Açores, conta o episódio num texto de homenagem ao ACP por altura do centenário deste organismo que hoje detém o primeiro automóvel em Portugal entre o seu espólio: “Jorge de Avilez em Paris conhecera aquele novo meio de transporte. Entusiasmara-se, comprara-o; e viera para Lisboa esperar a sua chegada, sabendo muito bem o sucesso que ambos iriam ter ou provocar.”

Assim foi. Mas mal Jorge sabia o espanto com que seria recebido o seu Panhard & Levassor. Logo na alfândega, onde ninguém sabia o que lhe chamar. Acabaria por entrar nos registos como locomóvel, sendo de seguida levado para uma oficina em Lisboa onde Jorge e dois amigos — Jules Philippe, um engenheiro francês, e Hidalgo de Vilhena, pioneiro da fotografia em Portugal — se dedicaram a pôr o carro a funcionar.

É desta maneira, sem Carta de Condução ou Código da Estrada a respeitar, que o conde de Avilez se faz à estrada rumo a Santiago do Cacém pronto a protagonizar o primeiro acidente de viação. À passagem por Palmela atropelou um burro. O jovem ofereceu-se de imediato para pagar o prejuízo, mas o bizarro não deixou de fazer correr tinta e os jornais da época deram conta do acontecimento assim como da presença de tal carruagem que — pasme-se! — andava sem a ajuda de animais. Só não sabiam o que lhe chamar…

O Panhard & Levassor de Jorge era equipado com um motor dianteiro longitudinal de dois cilindros em V com 1290cc e tracção traseira. Já a direcção era comandada por cana de leme e as rodas, de maior dimensão atrás, feitas em aros de ferro. Com lotação para quatro pessoas, a capota era em couro e podia ser rebaixada em fole, qual descapotável. Já a velocidade era espantosa: 15 km/h, o que permitiu ao trio percorrer os cerca de 150 quilómetros que distam entre Lisboa e Santiago do Cacém em apenas três dias em vez da semana a que estava habituado.

O carro seria o herói de mais aventuras de Jorge, até este o ter vendido com a ideia de comprar um veículo mais moderno (a acção acabaria por não se concretizar por causa da morte precoce do conde por tuberculose). Dois proprietários e uma viagem para o Porto depois, o Panhard & Levassor acabaria por ser cedido ao Automóvel Clube de Portugal em 1953. Actualmente está em exibição no Museu da Alfândega, no Porto, integrando a exposição permanente O Automóvel no Espaço e no Tempo.

Quanto à marca Panhard (já sem o & Levassor no nome), esteve na vanguarda da indústria automóvel no início do século XX. Até ter sido adquirida pela Citroën, pertencendo posteriormente à PSA Peugeot Citroën. Actualmente é uma submarca da Auverland, operando no mercado das viaturas militares.

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