Fugas - Motores

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Um purista americano à conquista da Europa

Por Carla B. Ribeiro

Depois de 50 anos a povoar o imaginário europeu, o Mustang chegou ao Velho Continente. E com o 5.0 de 421cv não se inibe de mostrar de que fibra é feito.

Estávamos em 1965 e o agente 007 era assumido por Sean Connery. Numa sequência emocionante, Bond, no seu mui britânico Aston Martin, brinca ao jogo do gato e do rato com Tilly Masterson, interpretada pela actriz Tania Mallet, aos comandos de um 1964.5 Ford Mustang Convertible. Foi a estreia do musculado modelo em grandes produções cinematográficas. Mas não se ficou por aí, tendo entrado em quase quatro mil filmes. 

É pelo cinema e pelo pequeno ecrã que o carro vai, ao longo de cinco décadas, conquistando o estatuto de ícone, ao mesmo tempo que fora dos Estados Unidos a sua posse ou mesmo a possibilidade de conduzir um não passava de um sonho de difícil concretização. Até que a Ford tomou uma decisão arrojada: democratizar o tão americano Mustang e levá-lo aos quatro cantos do mundo, Europa incluída, com a mesma premissa base. Ou seja, colocar a potência (neste caso específico são 421cv e um torque de 530 Nm) a um preço acessível. É que, não podendo entrar na lista dos carros baratos, por 88 mil euros, é difícil encontrar um veículo com potência e dimensões equivalentes. Já o 2.3 litros de 317cv será comercializado a partir de 47 mil euros.

É depois de se perceber todas estas nuances que se consegue entender melhor as reacções que a sua presença desperta: não há rosto que se mantenha inalterado à sua passagem. E poucos são os que resistem em enfiar o nariz pelo habitáculo adentro. Se dúvidas houvesse, este não é um carro para se passar despercebido.

Tal também não seria possível, mesmo que quiséssemos, tendo em conta o ronco que se solta deste V8 assim que carregamos no botão de ignição e que se vai tornando mais audível à medida que se sobe de regime. Diz a Ford que trabalhou o barulho do motor para que este se assemelhe ao original da década de 60 do século passado. Não tivemos um destes à mão para que pudéssemos comparar, mas não há dúvidas de que a forma como se expressa não pertence ao século XXI, conferindo-lhe uma certa aura vintage.

Outros pormenores remetem para o século XX sem que se possa considerar este um carro antiquado: o desenho do tablier, suficientemente cuidado, o friso sobre o porta-luvas com a designação Mustang 1964, o perfil dos bancos — à frente, tipo baquet; atrás, dois assentos que se afundam para proporcionarem apoio lombar. Claro que mesmo com os bancos fundos será difícil para um adulto encontrar conforto nos dois bancos traseiros — as entradas têm de ser feitas por ambos os lados, estando o carro dividido a meio pelo túnel de transmissão. Já à frente, exceptuando a ginástica requerida para ir buscar o cinto de segurança (os apoios dos baquets estão lá, mas facilmente deixam fugir a alça do cinto), há espaço suficiente para que, mesmo num carro tão fechado — houve quem nos dissesse até que se sentia dentro de um tanque de guerra —, se consiga alguma liberdade de movimentos. A posição de condução, ao contrário da maioria dos desportivos que pede por uma baixa, exige levantar um pouco o banco para que possamos ultrapassar uma frente não só extensa como alta.

Tem diferentes modos de condução (Wet/Snow, Normal, Sport and Track), possíveis de seleccionar nas patilhas prateadas que saem da consola central. Também a direcção pode ser ajustada para que se torne mais leve. Mas por mais que se faça, este Mustang é sempre um bruto. E um bruto com vontade própria. É que, ao contrário do que acontece com a maioria dos modelos europeus, em que as ajudas à condução quase que nos substituem, corrigindo os erros do condutor a cada instante, o Mustang é aquilo a que se pode designar de um purista. E como purista que é deixa que sejam as mãos e os pés a comandá-lo. Mesmo que este não saiba o que está a fazer. Claro que, com 421cv ansiosos por se libertarem, num carro de motor à frente e tracção atrás, é bom que se saiba bem o que se está a fazer. É que basta um movimento errado para que ele mostre de que fibra é feito. Claro que esta sua característica tão depressa entra nos prós como nos contras, dependendo do gosto de cada um.

Aliada a esta brusquidão está uma suspensão que de confortável tem pouco. O que faz de si aquilo que ele é: um divertido e bonito brinquedo. Em viagens mais longas, tirando partido de um bom apoio lombar, é possível conseguir algum conforto, embora nenhum buraquinho na estrada passe despercebido. Mas se a ideia é levá-lo a percorrer quilómetros e mais quilómetros é conveniente saber bem onde se encontram postos de abastecimento ao longo do caminho: a média oficial está nos 13,5 l/100km, mas não conseguimos baixar a fasquia dos 16,5 litros — embora, sejamos honestos, nem sequer tenhamos tentado.

Aura vintage

Tudo no Mustang leva a imaginação para a década de 1960. Ou quase, porque as funcionalidades são próprias deste século. Basta pressionar uma das alavancas que saem da consola central para que o comportamento do carro se altere ao ajustarem o Controlo Electrónico de Estabilidade (AdvanceTrac), a resposta do acelerador, as passagens da caixa automa´tica e a direcção. Estão contemplados os modos Snow/Wet, que potencia a aderência ao piso; Sport+, que desperta o espírito mais aguerrido; e Track, que promete sensações incríveis em pista. O modo Normal é o mais adequado para o dia-a-dia. Mas desengane-se quem julgue que ao optar por este modo se terá um gato mansinho: mesmo assim o Mustang permanece de garras de fora.

Potência anti-premium

Chega de série com o sistema de conectividade SYNC 2, com o sistema operativo da Microsoft, que nesta segunda geração se apresenta melhorado. O que mais se destaca no dia-a-dia é o sistema de comandos por voz: é eficiente, conseguindo interpretar bem o que é pedido. Mas também é nestes pequenos detalhes que se evidencia que nem os acabamentos são premium nem os materiais usados de topo: batemos no metal e percebemos pelo som que acabará por originar barulhos parasitas. Mas é isso que ajuda um carro de 5.0 litros e 421cv a manter-se abaixo da fasquia dos cem mil euros, ao contrário da maioria da concorrência.

Equipado para conquistar

Há coisas a que o comum norte-americano não dá valor mas que o europeu não dispensa. Por isso, para conquistar a Europa, a Ford dotou o seu Mustang de um pacote específico para o Velho Continente que chega de série. O Pacote Performance integra travões reforc¸ados e uma melhor refrigeração. Além disso, os carros chegam equipados de série com jantes de 19” de série, faróis HID automáticos, ar condicionado de dupla zona, faróis traseiros com LED e um spoileraerodinâmico traseiro.

Potência audível

Se o papel viesse acompanhado por som, das duas uma: ou ter-se-ia assustado e fechado estas páginas de rompante, ou guardaria este número numa qualquer colecção. Porque é sem dúvida o que mais impressiona em tanta coisa impressionante. E não é à toa: a Ford trabalhou o ruído deste V8 de maneira a que se assemelhasse ao modelo original de 1964. E, mesmo não se tratando de uma imitação perfeita, só o som serve de apresentação ao carro. Curiosamente, o som vai-se alterando à medida que se sobe de regime, dando a sensação de ser mais que mero ruído. É música, sobretudo para os apaixonados do género.

FICHA TÉCNICA

Mecânica

Cilindrada: 4951cc
Potência: 421cv @ 6500rpm
Binário: 530 Nm @ 4250rpm
Cilindros: 8 em V
Válvulas: 32
Tracção: Traseira
Alimentação: Gasolina, injecção indirecta com admissão variável Caixa: Manual de 6 vel.
Suspensão: Tipo McPherson com molas helicoidais
Direcção: Pinhão e cremalheira, com assistência eléctrica
Diâmetro de viragem: 12,92m
Travões: Discos ventilados à frente (380mm) e atrás (360mm)

Dimensões

Comprimento: 4784mm
Largura: 1916mm
Altura: 1381mm
Distância entre eixos: 2720mm
Peso: 1720kg
Pneus: 255/40 R19, à frente; 275/40 R20, atrás
Capac. depósito: 60 litros
Capac. mala: 408 litros

Prestações

Veloc. máx.: 250 km/h
Aceleração 0-100 km/h: 4,8s
Cons. misto: 13,5 litros/100 km
Emissões CO2: 299 g/km
Nível de emissões: Euro 6

EQUIPAMENTO

Segurança

ABS: Sim
Sistema Electrónico Estabilidade, AdvanceTrac: Sim
Assistente de arranque em subida: Sim
Distribuição electrónica da travagem: Sim
Assistente de travagem de emergência: Sim
Travões Brembo: Sim, com discos de 15” e pinças com 6 pistões
Airbags frontais: Sim
Airbags de cabeça: Sim, à frente e atrás
Airbags laterais: Sim, à frente
Aibags de joelhos: Sim, dianteiros
Detecção de Fadiga: Não
Controlo da pressão dos pneus: Sim
Alerta desgaste pastilhas: Sim
ISOFIX: Sim

Vida a bordo

Fecho Central: Sim
Sistema de arranque inteligente: Sim
Travão mão eléctrico: Não
Vidros Eléctricos: Sim
Start/Stop: Não
Sensores de luz e chuva: Sim
Faróis de Xenon HID: Sim
Abertura/fecho bagageira eléctrico: Sim
Ar condicionado: Sim, automático
Bancos em couro Recaro: Opção (1931€)
Volante e manete de mudanças em pele: Sim
Leitor de CD: Sim
Alarme de perímetro: Opção (407€)
Câmara de visão traseira: Sim
Sistema auxiliar de estacionamento: Opção (407€)
Infoentretenimento: Ford SYNC 2, com ecrã táctil de 8”, comandos de voz, leitor de mensagens, controlo da climatização, duas fichas USB e nove colunas
Sistema de som premium com 12 colunas de som: Opção (1321€)

Preço: 88.189€ (versão ensaiada: 92.255€)

* Dados do construtor

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