Fugas - Viagens

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Leva-me até ao topo da colina

Não conseguimos sequer começar a imaginar como seria a vista daqui em 1882, quando Manuel Joaquim Gomes inaugurou o Elevador do Bom Jesus, na altura Plano Funicular Gomes. Não como um capricho solitário, mas como parte integrante do sistema de transportes de Braga. Um visão ousada, porque neste canto de Portugal construiu o segundo ascensor do mundo — o primeiro, na Suíça, serviu-lhe de inspiração e dele veio o engenheiro que haveria de fazer escola em Portugal: se houve elevador da Glória e da Bica, por exemplo, foi porque de Braga Manuel Joaquim Gomes seguiu para Lisboa, também aí assumindo um papel-chave no sistema de transportes públicos da cidade.

Mas estamos no Bom Jesus, a elevação charneira sobre Braga que Manuel Joaquim Gomes começou a subir e a descer duas vezes ao dia aos nove anos, a caminho (e no regresso) do seu trabalho numa loja de tecidos da cidade. Subiu a pulso, este homem que teve também a sorte das circunstâncias, nota José Carlos Gonçalves Peixoto, co-autor do livro Ascensor do Bom Jesus de Braga, e nosso cicerone. A família da sua mulher (tia da pintora Vieira da Silva) há muito que estava envolvida no mundo dos transportes, “o futuro”, e quando a ideia do ascensor começou a germinar a verdade é que Manuel Joaquim Gomes já era o sócio maioritário da empresa que geria os transportes em Braga. Com a herança da mulher, ou seja, com financiamento próprio (e com um contrato com a confraria: esta cedia o terreno e passados 80 anos a exploração passaria para as suas mãos — entretanto receberia parte dos lucros; Manuel Joaquim também passaria a gerir parte dos hotéis) abalançou-se no seu projecto mais ambicioso, unir o sopé ao topo do Bom Jesus, na altura, século XIX, o mais importante centro de peregrinações em Portugal.

Perdeu esse estatuto no século XX, mas continua a ser um dos mais importantes (para alguns, o mais importante) monte sacro do mundo – na impossibilidade de se deslocarem a Jerusalém, os cristãos têm nestes locais uma “iniciação”, uma “Jerusalém Restaurada”, lê-se na zona do pórtico. À parte religiosa, alia a monumentalidade, a natureza (luxuriante), o recreio e a hotelaria — “nenhum dos que em Itália conseguiram a classificação da UNESCO reúne todos estes aspectos”, sublinha José Carlos Peixoto. E um dos melhores locais para apreender toda a majestade do Bom Jesus é o seu escadório, em três níveis (quase uma escada para o céu, com patamares, pátios, esculturas, fontes e as capelas da Paixão de Cristo), e, uma vez lá no topo, o Terreiro de Moisés (ou “do pelicano”, figura que ornamenta uma cascata), o penúltimo troço antes do adro da igreja. É nesta zona que o movimento se concentra e neste dia soalheiro não são poucos os que por aqui caminham e tiram fotos. No sopé, quando descermos pelo ascensor, veremos autocarros de turismo, mas há muitos bracarenses também: este é um dos seus refúgios preferidos, “se não chove ou faz vento”, ressalva José Carlos Peixoto.

Há 133 anos, então, o Bom Jesus já era um centro religioso e de lazer (estas duas componentes há muito que se abraçaram) e o potencial turístico era imenso, terá pensado Manuel Joaquim Gomes. Daí que havia que conseguir uma maneira mais fácil de vencer a inclinação do terreno — naquelas alturas, as subidas faziam-se em carroças ou carros de bois, que levavam gente e bagagens para os hotéis. Para aumentar o número de turistas, burgueses (“os que não podiam pagar vieram sempre” — cumprindo a “via sacra”), o exemplo suíço veio a calhar. E, mais, tornou-se peça numa engrenagem que funcionava perfeitamente: os visitantes chegavam de comboio, aí tinham o chamado “americano” (o antecessor do eléctrico no transporte colectivo de passageiros: também se movia sobre carris, mas com tracção animal) que os levava ao elevador — um sistema de transportes combinado perfeito que encontrou bastantes resistências na conservadora Braga, onde houve boicotes à “linha americana”, com os carris pejados de pedregulhos, por exemplo, e ao próprio promotor (fala-se em cartazes com a sua foto e facas espetadas).

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