A zona de varadouro é a única onde o passadiço se interrompe para permitir que por aqui cruzem barcos, redes, armadilhas e toda a parafernália de pesca, desde o areal às cabanas dos pescadores, erguidas em filas siamesas entre os restaurantes da Associação de Pescadores e O Jaime. No segundo domingo de Setembro, volta a terminar aqui a procissão em honra de Nossa Senhora das Dores — a beira-mar repleta de devotos e barcos engalanados sobre as ondas. Desde que se mantenham intactas as rotinas herdadas por gerações de pescadores, o novo passadiço “não vem fazer diferença”, defende João Jerónimo, 71 anos, rugas tisnadas sobre o corpo enxuto. A madrugada de faina terá corrido bem. Nas redes, vieram robalos, raias, linguados, salmonetes, anchovas, bicas, chocos. De tarde, a maioria dos 40 barcos que aqui operam descansa sobre o areal, entre caixas de plástico, redes, lonas e dezenas de bóias de bandeiras coloridas ao vento. João está reformado, mas volta e meia vem ajudar o irmão, que pacientemente repara a malha de uma rede na sombra do chapéu-de-sol.
O passadiço é um primeiro passo
Quando o Verão terminar e os últimos banhistas abandonarem o areal à solitude de pescadores e gaivotas, será a vez dos 18 apoios de praia se realinharem para o novo postal de Monte Gordo. Os velhos edifícios de tijolo, construídos sobre as dunas durante o boom turístico dos anos 1970/80, vão começar a ser demolidos no final da época balnear para renascerem no próximo ano em modernas construções de madeira ao longo do novo passadiço. Eleutério Agostinho já mandou fazer a nova estrutura d’O Agostinho. O que começou há 30 anos como um pequeno quiosque foi-se expandindo para restaurante de grelhados com um avançado em lona para arrumar a “sala de refeições” e uma esplanada na areia. O novo edifício erguer-se-á a poucos metros daqui, colado ao restaurante vizinho. Vai ficar “muito bonito”, com “uma boa vista” para a praia. Mas Eleutério mantém-se apreensivo. Cada concessionário tem de pagar a demolição do velho e a construção do novo — um investimento inicial a rondar “os 400 mil euros”, estima o empresário. “Depois a manutenção é que vamos ver como será.”
Não muito longe do restaurante O Agostinho continuam os trabalhos no passadiço, com a conclusão das vias de acesso ao parque de merendas, na extremidade nascente da praia de Monte Gordo. A partir daqui, as construções desaparecem e a natureza impõe-se até ao Guadiana. A areia cobre-se de vegetação seca e sobe acima do passadiço. Atrás surgem os pinheiros da Mata Nacional das Dunas Litorais, um dos últimos redutos do camaleão no Algarve. Quando a estrutura de madeira continuar por aqui o percurso até ao rio, já a marginal de Monte Gordo deverá estar também ela em processo de transformação, com “a consolidação das áreas de lazer”. “É uma zona de passeio em quase todas as cidades, mas aqui é muito escura e hostil”, analisa Luís Gomes, que em Outubro conclui o terceiro mandato à frente da câmara municipal. Nos planos aprovados pela autarquia estão “alguns restaurantes e bares, um hotel, novo pavimento e a reestruturação total dos jardins públicos”, enumera o autarca cessante. “Monte Gordo era uma das manchas negras do turismo desqualificado e densificado do Algarve e do país”, admite Luís Gomes. Mas “está a dar a volta”. O passadiço é apenas o primeiro passo.