Fugas - Viagens

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A pé pela reserva natural mais antiga do país

O que vemos, sim, é o mar, bem lá ao fundo, a espreitar entre o vale das dunas e a seduzir-nos para o nosso caminho inicial. Acatamos o concelho, ajustamos as sapatilhas e voltamos a descer em direcção aos 8,5 quilómetros de passadiço ao longo de toda a área da Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo. Para trás ficaram os quilómetros que ligam Azurara a Árvore, para a frente falta percorrer a orla costeira das freguesias de Mindelo, Vila Chã e Labruge, a fronteira com Matosinhos.

Pés ao caminho de volta ao passadiço, de dificuldade baixa, quase sempre plano, passamos por um breve troço do quilómetro e meio entre Árvore e Mindelo onde somos sugados pela natureza (afinal, estamos a caminhar na “única área costeira minimamente preservada entre a barrinha de Esmoriz e o litoral de Esposende”). Lembramo-nos do que o biólogo Rui Brito nos disse mais cedo, “o objectivo raramente deverá ser tirar o homem da paisagem, temos é que tentar encontrar o equilíbrio”. Durou um escasso minuto até recuperarmos essa harmonia, com dois ciclistas a aproximarem-se e a lembrarem-nos que não estamos sozinhos.

Na próxima curva começam a insurgir-se as pequenas “casas de mar” e os restaurantes de peixe e marisco, quase em cima das barracas de praia que se estendem pelo areal. Ficávamos por lá e arriscávamos um mergulho, não estivesse o mar com ondas capazes de nos engolir inteiros de uma só vez. “Ficou bravo muito rápido, passa-se alguma coisa”, atira profeticamente um pescador em conversa com outro, sem nunca desviar os olhos da massa de água, como se desconfiasse de cada onda.

Viramos costas e deparamo-nos com uma Biblioteca de Praia (uma das três da cidade), montada numa casinha em pedra de onde sai uma rapariga, jovem, com a concha de vieira na mochila e a Bagagem do Viajante, de José Saramago, na mão.

É uma dos muitos peregrinos que percorrem o passadiço enquanto fazem o caminho até Santiago de Compostela, em sentido contrário ao nosso, deixando para trás Laderça, facilmente identificável olhando apenas para o mar, onde se impõe o penedo de Guilhade.

Passamos por ele enquanto vamos encaminhados pelo passadiço até ao lugar do Facho, já em Vila Chã, onde antes se acenderiam fogueiras para ajudar à orientação à navegação dos homens do mar. Como não vamos para o mar não precisamos delas e em terra confiamos no passadiço para nos guiar até ao Largo da Lota, que há pouco tempo a Câmara recuperou, reabilitando os “tradicionais armazéns de aprestos dos pescadores”, no bairro onde agora se contam os pequenos barcos piscatórios usando apenas os dedos das mãos.

Mais para a frente ainda fica por ver o Castro de São Paio, um sítio arqueológico que é descrito como “o único exemplar nacional em que o mar toca as defesas”. Depois de subirmos as escadas deixamo-nos ficar por aí, no alto da falésia, a ver cair o sol. Poeticamente começamos, poeticamente acabamos, 28 quilómetros a norte do Porto, distraídos entre a praia e os campos agrícolas, na fronteira sul da terra que é do mar.

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