A leitora e o leitor vão-nos desculpar, mas no caminho desta semana vamos ter de nos desviar por um momento do passadiço, a estrutura que nos tem guiado confortavelmente ao longo deste Verão. Não é tanto um desvio o que propomos, já que o próprio passadiço de madeira que hoje lhe trazemos, assente em estacas sobre as dunas do litoral sul de Vila do Conde, abre ele mesmo passagem para os caminhos de areia que nos levam ao interior da Reserva Ornitológica do Mindelo (ROM), a mais antiga do país.
É como no poema de Robert Frost: chegados a Árvore, depois da ponte que atravessa a ribeira de Silvares, a estrada bifurcou-se num bosque amarelo (e azul e verde) e sendo nós um só viajante, tivemos de fazer uma escolha. Tomamos, pois, a estrada menos viajada, perpendicular ao trânsito domingueiro do passadiço — e isso fez toda a diferença. É que as cordas que limitam o caminho acabam por desaparecer, deixando-nos abandonados entre as dunas, que deixamos sem remorsos para trás, e o “mosaico de habitats” da reserva natural que se desdobra à nossa frente em três camadas.
Primeiro, os olhos prendem-se no chão, enquanto nos desviamos das espécies rasteiras que cobrem o sistema dunar e que, de tão únicas, só ocorrem nesta zona de Portugal. Avançamos e tentamos manter-nos atentos aos anfíbios, difíceis de apanhar durante o período seco. Aqui foram registadas 14 das 17 espécies presentes em Portugal, mas nem próximos dos riachos, alguns muito poluídos, tivemos a sorte de ver algum exemplar.
Subimos o olhar para os arbustos que abanam à mercê da maresia até se fixarem na última barreira, montada por carvalhos, pinheiros e alguns eucaliptos.
Em 2009, a ROM passou a fazer parte de uma nova área classificada como Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo, que , segundo o Instituto de Conservação da Natureza, se estende por 380 hectares de “cordões dunares, rochedos, zonas húmidas, manchas florestais e áreas agrícolas” entre a foz do rio Ave e a do rio Onda. A classificação ajudou a travar novas ambições urbanísticas mas ainda há muito trabalho a fazer na reserva mais antiga do país, a começar nos caminhos que ligam a cidade à área protegida (por exemplo, a partir da estação de metro Espaço Natureza, mesmo à porta da reserva) e na falta de placas informativas. Não tivéssemos ao nosso lado um biólogo e não saberíamos sequer que estávamos a calcar área protegida.
Rui Brito guiou a “visita emocional” que assinalou o sexagésimo aniversário da ROM, no passado fim-de-semana, e homenageou o seu principal defensor desde os anos 1950, Santos Júnior, ornitólogo e professor catedrático da Universidade do Porto. Ainda hoje esta Universidade organiza sessões quinzenais de anilhagem de aves naquele local.
Pelo caminho tentamos ouvir interrupções no silêncio que se impõe quanto mais para trás deixamos o mar — e sim, o passadiço. O objectivo é ouvir algumas das mais de 100 espécies de aves que por lá já foram registadas.
Mais uma vez falhamos e não avistamos nenhuma garça-real, branca ou cinzenta, e nenhum borrelho, pintarroxo ou andorinha das chaminés, mesmo escalando os dois andares do primeiro observatório de aves da reserva, inaugurado aquando da visita.