Fugas - Vinhos

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  • Reto Jörg, à direita, com o presidente da Câmara da Vidigueira. A sub-região quer vincar a sua identidade
    Reto Jörg, à direita, com o presidente da Câmara da Vidigueira. A sub-região quer vincar a sua identidade DR

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A Vidigueira quer renascer à sombra da cultura e da Antão Vaz

Por João Barbosa

As denominações de origem não existem por acaso. Por mais que se diga que trazem complicação ao consumidor, têm uma razão ser. Seis produtores de vinho da sub-região da Vidigueira foram atrás dessa ideia e uniram-se para criar uma dinâmica de projecção conjunta. A designação diz tudo, indicando o alvo internacional: Vidigueira Wine Lands.

Nasceu a Vidigueira Wine Lands. À frente da associação está Reto Jörg, representando a Quinta do Quetzal. A esta empresa juntam-se a Adega Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito, Herdade Grande, Herdade do Monte da Ribeira, Paço dos Infantes, Ribafreixo e Vitifrades. E, como sócio honorário, inscreveu-se a Câmara Municipal da Vidigueira. A ideia de que a união faz a força está na base do projecto. Pequenos produtores, acreditam que juntos poderão ter mais trunfos no lugar onde mais se joga o futuro do sector. Nos mercados.

O quadro de sócios está feito, mas não está fechado. Reto Jörg espera que, em 2014, se juntem mais dois sócios. Não quer revelar quem poderá juntar-se, mas adianta que são entidades que, de alguma forma, estão a esperar para ver, aguardando o desenrolar dos primeiros passos para decidirem àcerca da sua integração na associação.

De fora das intenções dos promotores está um qualquer diferendo com a Comissão Vitivinícola Alentejana (CVRA). O presidente da jovem associação garante que haverá sempre sinergias e trabalho conjunto, não se pretendendo substituir a ninguém. O que conta é dar maior visibilidade à região. Clarificando qualquer hipótese de conflito, Reto Jörg, dá como exemplo o reconhecimento de que a CVRA não poderia só ajudar os produtores da sub-região da Vidigueira. Se assim o fizesse iria criar atritos com os produtores doutras sub-denominações, que certamente se sentiria prejudicados com tratamento discriminatório.

«É muito difícil promover uma região inteira. Por isso, é muito útil trabalhar com eles [CVRA]. Eles não podem fazer tudo» – reconhece Reto Jörg. Em termos práticos, o primeiro objectivo da Vidigueira Wine Lands é racionalizar custos inerentes à actividade dos produtores, como a indispensável presença em eventos internacionais ou a promoção conjunta.

Os trabalhos estão a começar, mas já há ideias. De momento, estão duas equipas a trabalhar na elaboração de um business plan. Uma tem a cargo a criação duma rota de vinhos. A outra a definição de eventos. Uma vez que nem todas as empresas têm os mesmos interesses, enquanto alvos de negócios, o estabelecimento de estratégias tem de ser muito ponderado, avança Reto Jörg. «Não podemos trabalhar todo o mundo. Temos de ver onde vamos trabalhar em primeiro lugar». Ou seja, a Vidigueira Wine Lands vai ter de conciliar interesses.

Para já, todo o trabalho é exercido por voluntarismo dos associados. Porém, pretende-se que tenha recursos próprios para poder, por si, desempenhar as suas funções. No modelo da associação aprovado, cada empresa tem um voto independentemente da sua dimensão.


Projecto de início demorado

O projecto da Vidigueira Wine Lands teve início em 2011, enquanto ideia. As conversações arrastaram-se: «Andámos um ano e tal a tentar fazer a associação» – diz o presidente da entidade. Reto Jörg salienta a dificuldade do associativismo em Portugal. Tendo tido início da idealização em 2011, só conheceu escritura pública em meados de Outubro de 2013. «Dissemos: ou é agora ou é nunca. Uma associação não faz sentido se só forem dois ou três» – refere Reto Jörg.

Um dos argumentos para a união de esforços está na identidade própria do local, que, na gíria do mundo dos vinhos, se designa por terroir – uma conjugação de solo, subsolo, clima, enquadramento físico e natural, castas e intervenção do homem. Este facto justifica, por si só, que existam vinhos na região desde há muitos anos e uma grande concentração de produtores, 12 no total.

Embora a Vidigueira Wine Lands só abarque metade dos produtores, a verdade é que a produção somada roda os 90% da sub-região. «São 12 produtores grandes, mas são muitos produtores pequeninos que vendem à Adega Cooperativa da Vidigueira», sublima Reto Jörg.


Muito mais do que vinho

«Queremos fazer marketing em Portugal e no estrangeiro. Sentimos, muitas vezes, lá fora que as pessoas não sabem nada sobre Portugal e da cultura portuguesa; só o Figo e o Ronaldo» – afirma o presidente da associação. Reto Jörg afirma que há mais coisas, para além do potencial qualitativo do vinho, que podem valorizar o vinho da sub-região. Segundo ele, podem acrescentar-se argumentos culturais: Vasco da Gama foi conde da Vidigueira e é figura reconhecida em todo o mundo, existe o sítio arqueológico da vila romana de São Cucufate, que este responsável diz ter a mais antiga adega da Península Ibérica. E existe a casta Antão Vaz.

«O nosso grande objectivo é criar uma rota de vinhos, e a rota não vai ser só vinho. Podemos convidar as padarias para fazerem o pão a lenha, há as queijarias, as salsicharias, os restaurantes, os museus... É importante vender cultura e história». Porque «hoje, vender só o vinho não é fácil. A comida sempre levou o vinho atrás... veja-se o casos do italianos ou dos espanhóis, que para onde foram levaram a sua gastronomia. Temos de estar associados» – garante.

Quando se fala em Alentejo e em tradição, ocorre perguntar acerca do vinho de talha. O sistema, tipicamente alentejano e herdado dos Romanos, consiste em fazer vinho e armazená-lo em grandes ânforas de barro. O processo milenar permite a micro-oxigenação, técnica muito em voga na enologia moderna, e que consiste em deixar passar algum ar para dentro de recipiente onde está o vinho. Reto Jörg responde pronto: «Por isso está lá a Vitifrades», uma associação de desenvolvimento local destinada à preservação e divulgação do vinho de talha.

No entanto, tudo está no estado das ideias. «Tudo está a dar os primeiros passos», reconhece Reto Jörg, que afirma querer recuperar uma «tradição» que conheceu nos primeiros momentos da sua vida em Portugal: «Quando cheguei, em 1986, quando se pedia um vinho branco, num restaurante, era ‘um branco da Vidigueira’. Isso era muito interessante e foi uma coisa que se perdeu. Queremos recuperar isso. Queremos provocar um renascimento».

No horizonte está a realização duma festa do vinho da Vidigueira, que não seja apenas a dum produtor. Perguntou-se-lhe acerca doutros, que ficaram de fora do projecto, cavalgarem a onda e dela tirarem partido. O empresário respondeu: «Paciência... a concorrência é uma coisa boa».

A casta Antão Vaz, típica da sub-região da Vidigueira e onde atinge o seu maior esplendor, de acordo com diversos especialistas, garante argumentos comercial e enológico. No entanto, diversos produtores, nomeadamente a Quinta do Quetzal, de Reto Jörg, cultivam variedades de videiras internacionais. O presidente da associação justifica-se: «No vinho temos de comunicar o que é bom. Se um produtor pensa que deve produzir Syrah, que o deixem produzir Syrah».

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