E no entanto o vinho hoje também teve de se submeter à volatilidade distintiva da sociedade contemporânea adaptando-se às muitas mudanças e caprichos dos consumidores modernos, adaptando-se à perda de mercados tradicionais e à conquista de mercados que até muito recentemente pouco ou nada tinham a ver com o vinho.
Goste-se ou não desta nova orgânica universal o que é certo é que o mercado do vinho internacional se encontra num estado de ebulição e euforia colectiva que, presos ao sentimento de crise permanente que assola Portugal, frequentemente nos passa ao lado dificultando o reconhecimento desta nova realidade. Podemos, ainda que de uma forma muito genérica, afirmar que o mundo global do vinho não conhece o significado da palavra crise e que o crescimento de consumo internacional tem sido imparável e desnorteante.
Segundo os dados estatísticos do International Wine and Spirit Research (ISWR) entre 2007 e 2011 o consumo global de vinho cresceu 2,8%. Segundo as perspectivas da mesma instituição especialista em estatística vínica o crescimento de consumo esperado para os anos 2012 - 2016 é de 5,3%, número impressionante que prorroga o longo período de crescimento de consumo de vinho.
Há no entanto que atender a algumas alterações geoestratégicas do consumo de vinho no mundo, mudanças que corroboram e reforçam aquilo que são as grandes tendências económicas e sociais do mundo, pelo menos tal como o conhecemos.
Os protagonistas principais deste aumento de consumo encontram-se fora da Europa, fora dos mercados tradicionais de vinho, deslocando o mercado para países que até muito recentemente eram pouco considerados e com os quais temos poucas relações comerciais, falta de protagonismo e um enorme défice de imagem. Por estranho que tal possa parecer para muitos o mercado do consumo de vinho, tal como em parte o mercado de produção, deslocou-se definitivamente para países como os Estados Unidos da América, a China, a Rússia… e a Austrália.
A Europa por sua vez, enredada em infindáveis crises de valores, crises de identidade, crises financeiras e crises de um mercado anteriormente empolado por consumos excessivos, mostra hoje um mercado que consoante os países e regiões se revela estagnado ou em franco declínio. Sim, os valores de consumo de vinho per capita continuam a ser os mais elevados do mundo, com Portugal em lugar de destaque natural, mas a tendência é de queda apressada. O trambolhão pode ser tão brusco que em países como Espanha a queda do consumo de vinho durante os últimos cinco anos atingiu o espantoso número de 19,67%.
O consumo de vinho internacional deslocalizou-se da Europa para países do novo mundo reflectindo a crescente influência económica dos países que compõem o anel do Pacífico. Os Estados Unidos da América transformaram-se no maior mercado de vinhos do mundo enquanto na China o consumo de vinho não pára de crescer a ritmo alucinante com aumentos de 142,1% ao longo dos últimos cinco anos, sem contar com Hong Kong e Macau, período durante o qual o consumo de vinho mais que duplicou… apesar de continuar a ser quase insignificante quando comparado com o consumo de cerveja, vinho de arroz e bebidas espirituosas, continuando a representar pouco mais de 2% do consumo total de bebidas alcoólicas do país. Ao mesmo tempo, e apesar de uma população muito reduzida para a dimensão geográfica do país, a Austrália ascendeu ao grupo dos dez principais mercados de vinho do mundo realçando o papel fundamental dos países do Pacífico no desenvolvimento futuro do vinho.
Se o consumo de vinho no mundo se redistribui no tabuleiro mundial, a repartição de países produtores no planeta está igualmente em desenvolvimento, obrigando a redesenhar o mapa da produção internacional. À dezena e meia de países produtores tradicionais, incluindo já países do novo mundo como a Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Argentina.
Chile ou Califórnia, juntaram-se agora um grupo de países que dificilmente associamos ao vinho mas com os quais teremos de passar a contar num futuro próximo, países como a China, Brasil, Índia, Canadá ou mesmo Inglaterra, que com a suavização de temperaturas na região começa a ter uma importância crescente na elaboração de vinhos espumantes.
Para além da reviravolta inevitável na geografia mundial, tanto na produção como no consumo, a viragem do modelo clássico de países tradicionais para países emergentes encerra algumas consequências inevitáveis, sobretudo na perda gradual de noções tão classicamente europeias como terroir, identidade, diversidade, autenticidade ou variabilidade entre colheitas. Concepções como consistência, previsibilidade, segurança ou homogeneidade passarão a ser conceitos fundamentais no vinho dando relevo ao pragmatismo em detrimento de uma expressão mais romântica e autêntica de um local, um ano agrícola, uma região.
Uma simplificação e facilitismo que muitos consumidores emergentes agradecem mas que incomoda muitos dos puristas e amantes do vinho europeus que preferem a autenticidade a um produto industrial que em alguns casos se diferencia pouco de outras bebidas alcoólicas padronizadas. Uma mudança que convém reconhecer e antecipar para os produtores que se querem manter no activo durante as próximas décadas.