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Os incríveis vinhos do Domaine Jamet

Por Pedro Garcias

Jean Paul Jamet não tem o mesmo peso lendário de Marcel Guigal na apellation de Côte-Rôtie, no alto Ródano, mas os seus vinhos intransigentes são venerados em todo o mundo pelos enófilos mais exigentes. Numa prova recente, no Porto, o produtor francês deu a conhecer algumas das suas melhores colheitas e conquistou mais alguns admiradores.

Jean Paul Jamet e a mulher, Corinne, não exibem a imagem glamorosa que associamos aos produtores dos melhores vinhos franceses. Quando pensamos nas pessoas que estão por trás dos grandes champanhes, dos admiráveis tintos e brancos da Borgonha ou dos históricos e monumentais tintos de Bordéus, imaginamos logo gente rica e aristocrática, que vive refugiada dos olhares do mundo em grandes casas e castelos rodeados de imponentes jardins. O casal Jamet é precisamente o oposto: tem a mesma aparência de um qualquer pequeno agricultor português, as mesmas feições rudes que o trabalho do campo vai urdindo, as mesmas mãos encardidas de vinho, a mesma ética dos simples; e, no entanto, produz alguns dos melhores tintos de França, com origem nas encostas íngremes de Côte-Rôtie, no alto Ródano. “Jean Paul é o melhor vigneron do mundo, ao nível do Romanée-Conti”, assegura Dirk Niepoort, o seu importador para Portugal.

No site da Niepoort Projectos, Dirk completa o retrato dos Jamet: “Jamet é o nome de um ‘dinossauro’ que insiste em perdurar. O casal Jamet parece que vive noutro planeta. A adega, que ainda parece estar por acabar (e está mesmo por acabar), é uma grande casa onde se podem procurar diferentes estilos mas todos inacabados. Fora a sala de recepção e os escritórios, tudo parece ter congelado num certo dia aquando da construção, há mais de 10 anos. Tudo o que não tem a ver com o vinho denota uma enorme falta de carinho espantoso. O senhor Jamet é uma força da natureza. Um sujeito duro, músculos fortes e secos. Um personagem austero que quando nos recebe pela primeira vez evita ser simpático e nos olha sempre com um ar desconfiado. Mas, a provar os vinhos com ele, torna-se cada vez mais simpático e instrutivo. Na terceira visita até ficou a agradável sensação de ser bem-vindo”, escreveu o mesmo Dirk no site da Niepoort-Projectos.

Os vinhos são, antes de mais, um trabalho da natureza, mas no caso do Domaine Jamet eles reflectem a austeridade, a “dureza” e a paixão do seu criador. Em novos, mostram logo uma riqueza (de fruta e de taninos), uma pureza (muito mineral) e uma frescura (vegetal e ácida) espantosas, embora não sejam fáceis de beber. Com o tempo, vão refinando a sua estrutura tânica, integrando melhor a madeira (maioritariamente usada) e complexando aromas e sabores, revelando então a sua verdadeira natureza, cheia de carácter, raça e frescura. Com apenas 12,5 a 13% de álcool, são tintos poderosos, que crescem na boca e se prolongam até aos espaços mais recônditos das nossas emoções, deixando uma marca e uma memória inabaláveis. Provados uma vez, são vinhos para toda a vida.

Ao todo, o Domaine Jamet possui cerca de 13 hectares, divididos por inúmeras parcelas situadas nas apellations Côtes-du-Rhône e Côte-Rôtie. Nesta última, tornada famosa por Marcel Guigal — que já foi considerado o melhor enólogo do mundo — os Jamet possuem sete hectares. Côte-Rôtie não é apenas uma encosta, como o nome sugere. A apellation, situada mesmo por cima da cidade de Ampuis, desdobra-se em várias encostas. As mais viradas a sul levam o nome comum de Côte Blonde; as encostas um pouco mais a norte são chamadas de Côte Brune. Apesar de um hectare de vinha custar cerca de um milhão de euros, a maioria dos vinhedos ainda permanece nas mãos de empresas familiares, como é o caso do Domaine Jamet, criado em 1966.

A casta dominante é a Syrah, a que melhor resiste ao vento e à erosão do solo. Dá origem a vinhos bastante intensos, estruturados, frescos e com uma grande capacidade de envelhecimento. Os melhores podem durar uma vida. O mais antigo dos Jamet que se provou na vertical do Porto foi um Côte-Rôtie 1988 e estava divinal: interminável, parecia que explodia na boca, numa espécie de fogo especiado e químico avivado por uma soberba acidez. Pela juventude que ostentava, ainda tem mais uns anos pela frente.

Chegou-se ao 1988 ao fim de 10 vinhos, que nos permitiram perceber o perfil de evolução dos tintos Domaine Jamet. Um vinho com dois ou três anos pode parecer um pouco duro e difícil de beber para muita gente, mas uma década depois é capaz de deixar qualquer um de queixo caído. Constatámos isso após provarmos o novo Côte-Rôtie Frutus Volupctus 2012, um tinto cheio de fruta e viço (35 euros), e os Côte-Rôtie 2011 e 2010, mais fino e elegante o primeiro, com os taninos mais bem envolvidos (60 euros), e darmos de seguida um salto até aos anos de 2004 e 2000 (90 euros). Em muitos vinhos uma década é a sua janela de vida. Nestes Côte-Rôtie, é o tempo necessário para começarem a revelar a sua real valia. O 2004, por exemplo, mostrou-se novíssimo, com os taninos ainda bem presentes e um nervo e uma frescura tremendas. Intenso e complexo, é um vinho admirável, muito afinado e com um final apoteótico. O 2000 mostra já um lado mais animal, mas a sua frescura é uma delícia.

Provaram-se depois os tintos de 98, 97, 96 e 89, todos eles muito bons. O primeiro, mais terroso, não nos cativa logo à primeira, precisa de “abrir” no copo. Os restantes são mais “Jamet”, no que isso tem de compromisso entre riqueza, potência, elegância e frescura. Virtudes também presentes no Côte-Rôtie 1999 que Jean Paul Jamet serviu ao jantar, a acompanhar as carnes. Foi o grand finale de uma prova memorável com direito a alguns extras, entre os quais um fantástico Porto branco muito seco e velho da Niepoort.

Os Condrieu de André Perret

Jean Paul Jamet veio acompanhado do amigo André Perret, um produtor da demarcação de Condrieu, a pátria da casta Viognier e que fica a sul de Côte-Rôtie. Perret apresentou brancos 100% Viognier que mostraram o melhor e o pior daquela variedade. O melhor: riqueza, mineralidade, corpo, fruta exótica graciosa; o pior: excesso de álcool e algum défice de acidez, o que torna os vinhos um pouco pesados em novos.

Foram provados um Condrieu básico e pouco interessante de 2012 (23 euros) e dois Crondrieu Chêry, de 2011 e 2012, feitos com uvas de vinhas velhas e estágio em barrica e inox (38 euros). O Chêry 2011 está já mais complexo, mas os seus 15% de álcool sobrepõem-se a tudo o que de bom o vinho tem. Com menos um grau e meio, o Chêry 2012 está muito mais interessante, associando um corpo volumoso a um fundo mais granítico e fresco. Entra gordo na boca mas depois afunila e termina de forma picante e duradoura. Um belo branco.

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