Fugas - Vinhos

O vinho chinês também pode ser ter o selo Portugal sou eu?

Por Pedro Garcias

Começando pela resposta à pergunta que faz o título deste comentário: pode. Parece mentira, mas é verdade.

Portugal sou eu é o novo programa do Ministério da Economia de valorização da oferta nacional, alimentar e não alimentar. Ao contrário do programa Wines Of Portugal, lançado pelo Ministério da Agricultura e dirigido ao mercado externo, o programa Portugal sou eu destina-se ao mercado interno.

A iniciativa tem um mérito enorme, sobretudo numa altura em que as contas públicas exigem uma redução das importações. Mas, em alguns produtos alimentares, pode ser perniciosa. Uma das condições para obter o selo do programa é a obrigatoriedade de o produto em causa incorporar pelo menos 50% de participação nacional na sua cadeia de valor. Com frutas e legumes, por exemplo, é possível garantir a sua origem nacional. Mas com o vinho, sobretudo com o vinho de mesa, pode acontecer uma subversão total do espírito do programa.

O vinho de mesa, controlado pelo Instituto da Vinha e do Vinho, não está sujeito às mesmas regras do vinho com origem controlada, podendo ser proveniente de qualquer lugar do mundo. Um produtor português pode, assim, comprar vinho na China e vendê-lo em Portugal com a sua marca, bastando indicar no contra-rótulo que se trata de um produto de fora da União Europeia.

Nem precisa de identificar o país em concreto. Salvo raras excepções, o vinho de mesa é de baixa qualidade, razão pela qual também é mais barato. Em grandes quantidades, é possível comprar vinho de mesa a menos de 50 cêntimos o litro. Nestes casos, o agente que vai vender o vinho consegue facilmente justificar 50% de incorporação nacional no custo final do vinho com a compra da garrafa, da rolha, da cápsula, do rótulo e da caixa em Portugal. Desse modo, mesmo colocando o vinho no mercado a apenas um euro a garrafa de 0,75 cl, consegue o selo Portugal sou eu, apesar de o vinho ser produzido a milhares de quilómetros de distância.

Aos olhos do Ministério da Economia, o resultado final compensa, mas o Ministério da Agricultura teme que as vendas de vinho português e a sua imagem venham a ser seriamente afectadas. No Douro, cooperativas fortemente endividadas, como a de Santa Marta de Penaguião, por exemplo, já têm vindo nos últimos anos a comprar vinho de mesa no estrangeiro e a vendê-lo com a sua marca, que o consumidor associa imediatamente ao Douro. O modelo é lucrativo, mas subverte a natureza do cooperativismo.

Aqui, por força das regras comunitárias, o IVV nada pode fazer, a não ser lamentar. Mas em relação ao Portugal sou eu é diferente, uma vez que o promotor é o Governo português. E, mais extraordinário ainda, tanto o titular do Ministério da Economia como o da Agricultura são do mesmo partido, o CDS-PP. Entendam-se.

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