A colheita de 1996 foi uma das mais produtivas das últimas décadas no Douro e isso prejudicou a qualidade geral dos vinhos. Mas há pelo menos um grande vinho que nasceu e criou o seu prestígio nessa vindima. Na verdade são dois: o Fojo e o Vinha do Fojo. Ambos têm origem na Quinta do Fojo, situada na margem esquerda do rio Pinhão, no concelho de Alijó.
Já não há muitas quintas destas no Douro. Dos cerca de 13 hectares que possui a quinta, sete são de vinha muito velha, disposta em anfiteatro e tratada de forma biológica. É uma vinha com bastantes falhas, que lhe dão um certo ar de abandono — mas é apenas velhice. Muitas videiras vão morrendo e é muito difícil fazer vingar novas plantas em vinhas antigas. A primeira imagem não é muito exaltante. Porém, quando percebemos os limites da vinha, a sua raridade e disposição no terreno e o enquadramento da adega e da casa principal da quinta, erguidas em pequenos plateaux estratégicos, sem vida por perto, é que nos damos conta da imensa beleza e riqueza da Quinta do Fojo.
Foi esse encantamento que em 1996 tomou conta do australiano David Baverstock, na altura enólogo da Quinta do Crasto (hoje é o enólogo principal da Herdade do Esporão), quando visitou pela primeira vez a quinta e decidiu logo ali aceitar o repto da proprietária, Margarida Serôdio Borges, de fazer um grande vinho do Douro. O padrão de Margarida (irmã de Jorge Serôdio Borges, o produtor do tinto Pintas, do Douro) eram os grandes clássicos de Bordéus, vinhos com vida própria que estão sempre acima do enólogo e até do próprio proprietário.
Os deuses estavam com Margarida e David. O excesso de produção nunca se coloca numa vinha velha e a vindima de 1996 foi extraordinária na Quinta do Fojo. David Baverstock pensou como um bordalês e decidiu imitar a política de alguns grandes châteaux fazendo dois vinhos: um principal e caro, com o nome Fojo, e outro também muito bom mas com um preço generoso, o Vinha do Fojo. O primeiro era vendido a cerca de 70 euros e o segundo a 40 euros.
Apesar do preço elevado, os vinhos, sobretudo o Fojo, o mais caro, tiveram um grande impacto junto da crítica. As colheitas seguintes —1998 (em 1997 o vinho não foi feito), 1999, 2000 e 2001 — seguiram o mesmo padrão e colocaram os vinhos da Quinta do Fojo no patamar mais alto do Douro. A partir de 2011, o vinho deixou de ser feito. Margarida casou-se, teve filhos e quis dar prioridade à sua educação. A Quinta do Fojo podia esperar.
Quando um grande vinho deixa de ser feito vira lenda. Foi um pouco o que aconteceu com o Fojo. Nestes anos, o vinho nunca passou ao esquecimento e foi sempre visto como uma referência por parte de enófilos e críticos.
Há cerca de um ano, Rita Ferreira, a enóloga que faz os vinhos Conceito e Contraste, do Douro, tomou contacto com algumas colheitas do Fojo e o vinho impressionou-a tanto que quis conhecer as vinhas e Margarida Serôdio Borges. As duas encontraram-se e de uma mera curiosidade nasceu um projecto comum. Na altura, Margarida estava a preparar a criação de uma empresa com o primo António Taveira para relançar os vinhos da Quinta do Fojo. Depois de conhecer Rita Ferreira e ter provado os seus vinhos percebeu que partilhavam a mesma filosofia e desafiou-a a entrar na sociedade. E foi assim que nasceu a Fpartners.
Em 2013, Margarida, já com o apoio enológico de Rita Ferreira, voltou a fazer vinho. As expectativas são elevadas, mas ainda não está decidido se vai ser Fojo ou Vinha do Fojo. Se for Vinha do Fojo, será lançado em 2015. Se for Fojo, só sairá para o mercado em 2016. Até lá, a Fpartners irá colocar à venda algumas garrafas de todas as colheitas existentes.
Fojo ou Vinha do Fojo, o vinho será bom, de certeza. As vinhas velhas desta propriedade são uma jóia e uma bênção, porque fogem do mosaico de castas mais usado actualmente no Douro. A variedade que domina é a Roriz, logo seguida da Barroca e do Tinto Cão. A Touriga Franca e a Touriga Nacional são marginais. Os vinhos têm uma identidade muito própria, inimitável. São muito ricos em taninos e possuem uma frescura admirável, o que explica a sua enorme capacidade de envelhecimento.
Provados recentemente, mostraram ter ainda muitos anos pela frente. O extraordinário Fojo 1996, por exemplo, está ainda vivíssimo, surpreendendo pela sua elegância, complexidade, garra tânica e acidez. E mesmo o Vinha do Fojo do mesmo ano, apesar de menos polido e um pouco mais seco, está fantástico. Em 1998 e 1999 só foi feito Vinha do Fojo, mas o segundo (muito balsâmico e especiado, taninos ainda vivos, acidez magnífica), podia ter sido Fojo. A chancela principal da quinta só voltou a ser usada na colheita de 2000. Ligeiramente mais maduro e concentrado, é um Fojo monumental. Em 2001 foi engarrafado apenas Vinha do Fojo e desde então a Quinta do Fojo só voltou a fazer vinho no ano passado. Foram 12 anos de ausência, mas o nome Fojo nunca chegou a sair de cena, tal foi a notoriedade conquistada. Bastaram cinco colheitas para se tornar num ícone do Douro.