O brilhantismo de ambos, a dinâmica e o percurso singular de uma casa e de um vinho, a história comum entre as duas personagens torna a decisão tormentosa.
Mas como a idade e as casas devem sempre ser respeitadas, tenho de começar por destacar a emérita Adriano Ramos Pinto, nome maior de Portugal e do Douro, símbolo por excelência para muitas gerações de vinho do Porto e vinho do Douro, imagem que as novas gerações continuam a manter.
Tudo começou em 1880 pelas mãos de Adriano Ramos Pinto, um pioneiro em muitos aspectos que mostrou um carácter comercial genial, um vanguardista que compreendeu muito antes da sua época a importância das novas formas de promoção. Mas igualmente um precursor na procura, e descoberta, de novos mercados para o vinho do Porto, um inovador que conseguiu criar uma associação directa entre a arte e o vinho.
São célebres, e ainda hoje absolutamente brilhantes, as imagens promocionais da Ramos Pinto traduzidas em cartazes e rótulos comissionados a artistas em ascensão, mimos com que conquistava novos clientes. Adriano Ramos Pinto descobriu e desenvolveu novos mercados dentro do Brasil, alguns dos quais exóticos, improváveis e onde ninguém tinha arriscado apostar, descobrindo novos espaços junto das forças armadas brasileiras, do clero e do público feminino, num trajecto brilhante de antecipação dos nichos de mercado de que hoje tanto falamos. O sucesso brasileiro foi tão determinante e tão impressionante que a Adriano Ramos Pinto chegou a personificar o nome próprio do vinho do Porto, reclamando para si mais de metade do muito importante mercado de vinho do Porto brasileiro.
Hoje, quem comanda os destinos da casa Ramos Pinto é Jorge Rosas, descendente de uma das famílias mais decisivas para a história do vinho do Porto e para o desenvolvimento do Douro. Mas será da mais elementar justiça referir o nome já quase lendário de João Nicolau de Almeida, filho do mais que emblemático Fernando Nicolau de Almeida e sobrinho do prodigioso José Ramos Pinto Rosas. Não deve ser fácil transportar consigo um legado e um peso de tamanha responsabilidade.
Mas aparentemente João Nicolau de Almeida não sentiu dificuldades para criar o seu espaço de forma natural e não premeditada, transformando-se num dos homens mais respeitados do Douro, e, sobretudo, num dos principais responsáveis pela autêntica revolução duriense que ocorreu a partir dos anos oitenta do século passado. João Nicolau de Almeida estudou em Bordéus, onde se licenciou em enologia. Depois de regressar ao Douro, começou a trabalhar em 1976 na Adriano Ramos Pinto, com a vontade natural e o entusiasmo típico da juventude para tentar aplicar os conhecimentos académicos na prática, ensaiando e experimentando numa tentativa para revelar os muitos segredos do Douro.
A empreitada foi consequente e ainda hoje o Douro deve muito a João Nicolau de Almeida. Em conjunto com o seu tio José Ramos Pinto Rosas, ajudou a desenvolver os primeiros estudos académicos e práticos sobre as dezenas de castas durienses que, apesar de conhecidas empiricamente, eram até à época mal conhecidas, pouco exploradas e pouco ensaiadas. Do estudo resultou a famosa recomendação das cinco castas fundamentais que, apesar do passar do tempo e da mudança de muitos paradigmas, continuam ainda hoje a ser aceites como determinantes. Como é sabido, essas castas dão pelos nomes de Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão. Foram tempos épicos de descoberta e desbravamento de um conhecimento que ajudou a recuperar as vinhas do Douro. João Nicolau de Almeida ajudou a desenvolver e popularizar igualmente o conceito de vinha ao alto, mais uma das grandes conquistas do Douro moderno, diminuindo os custos de plantação e manutenção de muitas vinhas novas ao permitir a mecanização da vinha.