Por ali, nos seus solos argilo-calcários, há um património de castas que foi sendo acarinhada pelos seus dotes para a criação de vinhos base para espumante; há uma tradição de enologia que dura há mais de um século; e há também um saber que empresas familiares cultivam há várias gerações. Com todo este potencial, seria de esperar que os espumantes bairradinos dominassem o estatuto dos melhores de Portugal. Mas como na Bairrada poucas coisas têm lógica, essa realidade está longe de se verificar. O que torna o projecto Baga-Bairrada ainda mais interessante de se seguir.
A ideia é simples e promissora: criar uma imagem de marca para os espumantes capaz de combinar a força da região com o reconhecimento da sua principal casta, a Baga — que, no mínimo, deve representar 85% do lote final. Esta associação vale como trunfo de marketing, mas reduzir o projecto a esta dimensão seria um erro. Porque os espumantes de Baga, uma casta tinta, recorde-se, têm um carácter distinto, uma identidade que os torna identificáveis num mercado onde a produção indiferenciada domina os segmentos abaixo dos dez euros. Numa prova dirigida pelo jornalista João Paulo Martins que decorreu no âmbito do Encontro com o Vinho e Sabores deu para perceber que o seu nervo e a sua sugestão de fruta vermelha os tornam frescos, apetecíveis e versáteis — são, no geral, muito gastronómicos.
Para já, são cinco os vinhos que estão no mercado, todos abaixo dos dez euros, com essa designação no rótulo. Mas há mais parceiros a caminho. Entre eles estão empresas e enólogos com créditos firmados, como Francisco Antunes, José Carvalheira, Osvaldo Amado ou Luís Pato. O objectivo do projecto é comercializar 250 mil garrafas este ano e um milhão em 2018 — o mercado nacional de espumantes ronda actualmente as onze milhões de garrafas anuais.
Mas, tanto como uma expectativa comercial, o projecto que uniu enólogos e empresas é visto na região como a quebra de uma barreira de individualismo que poderá levar a Bairrada a ocupar o lugar que lhe cabe no universo dos vinhos portugueses. “Nos últimos anos, têm sido várias as conquistas alcançadas e hoje vive-se um renascer de uma região que, há bem pouco tempo, muitos consideravam como perdida e que era injustamente desmerecida. Os prémios conquistados, os destaques nacionais e internacionais dos nossos produtos e a forma como hoje a ‘Efervescência Bairradina’ é acolhida por todos os que acompanham atentamente o sector, demonstram de forma cabal que o caminho só pode ser o da união em torno da região”, sublinhou a propósito Pedro Soares, presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada na abertura do Encontro com o Vinho e Sabores, que decorreu no passado fim-de-semana em Sangalhos.
Em termos comparativos, a Bairrada não dispõe do reconhecimento de produtores como a Murganheira ou a Caves Transmontanas, que faz o Vértice, embora alguns dos seus espumantes estejam entre o que de melhor se faz no país — como exemplo vejam-se os Lopo de Freitas superiores ou os Bageiras ou os Kompassus. Mas a região parece estar a recuperar depressa o tempo perdido e hoje, mais do que nunca, a relação qualidade/ preço que os seus espumantes apresentam (não apenas os Baga-Bairrada, mas no geral), tornam as suas propostas impossíveis de desconsiderar. Caso para dizer que se a “efervescência bairradina” é ainda uma intenção, não faltará muito até que se torne realidade.