Durante muito tempo, não foi possível aos produtores e à adega cooperativa de Favaios fortificarem Moscatel, uma vez que apenas as vinhas situadas abaixo dos 550 metros podiam aguardentar vinho — e o planalto de Favaios situa-se entre os 600 e os 650 metros de altitude. A proibição só caiu na segunda metade do século XX, o que talvez ajude a explicar o apagamento mediático do Moscatel de Favaios em relação ao Moscatel de Setúbal.
Uma correcção: não há Moscatel de Favaios, mas sim Moscatel do Douro. É o que diz a lei. Porém, já não há legislação capaz de inverter uma conquista de Favaios: o nome da terra sobrepôs-se ao da casta. Muita gente, quando pede um Moscatel, pede “um Favaios”. Em França, onde há casos em que uma única vinha é uma denominação de origem, Favaios já há muito tempo que teria a sua própria denominação. Alargar a classificação a todo o Douro, nem que seja apenas na nomenclatura, significa abdicar de um nome forte e com tradições e desvalorizar a ideia de terroir.
É em torno daquela vila do concelho de Alijó e em localidades vizinhas que se situa a principal mancha de Moscatel Galego do Douro (cerca de 1400 hectares de vinha). Oitenta por cento do Moscatel produzido no Douro tem origem em Favaios. Não há outro lugar na região onde esta casta se dê tão bem. E isso prende-se, sobretudo, com a frescura que advém da altitude e a orografia plana do lugar (o planalto de Favaios é o maior do Douro).
A ligação de Favaios ao Moscatel é tão forte que não há família que não tenha uma vinha com esta casta. Muita gente, apesar das restrições legais, continua a fazer a sua pipa de Moscatel e a vender o vinho ao garrafão. Em alguns armazéns de famílias mais abastadas ainda existem moscatéis antigos extraordinários, vinhos que a partir dos 70, 80 anos de idade são facilmente confundidos com Porto Tawny.
Mas nem tudo são rosas. Por ser uma casta muito produtiva, há hoje um enorme excesso de oferta, o que tem conduzido a uma crescente degradação do preço das uvas e também dos vinhos mais baratos. Apesar do sucesso do seu aperitivo Favaíto, a adega cooperativa viu-se obrigada a diversificar a sua gama de vinhos à base de Moscatel, passando a usar a casta também em espumantes e em brancos secos. Actualmente, as vendas de brancos secos de Moscatel já rondam o milhão de garrafas e o segmento dos espumantes também tem vindo a crescer de forma significativa, de acordo com o balanço feito pelo presidente da cooperativa, Mário Monteiro, durante o primeiro Festival do Moscatel, que decorreu no segundo fim-de-semana deste mês. Um exemplo de como uma crise pode ter consequências virtuosas.
Diversificar não significa, no entanto, desistir do Moscatel fortificado. A adega cooperativa acaba, aliás, de lançar mais um Moscatel Colheita 1999 (ver prova na página anterior), o quinto de uma série de moscatéis especiais que foi iniciada com o Colheita 1964 e continuada com os Colheitas 1975,1980 e 1989. Este ano, e pela primeira vez, a adega cooperativa fez também vinificações em separado de Moscatel Galego e de Moscatel Roxo. Apesar de toda a gente associar o Moscatel Roxo a Setúbal, esta casta resultou de uma mutação genética do Moscatel Galego do Douro (o Moscatel branco de Setúbal é o Moscatel Graúdo, ou da Alexandria).