Fugas - Vinhos

  • Miguel Manso
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  • Davide Sousa

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Os singulares Czar de Fortunato Garcia

Fortunato Garcia faz tudo à antiga, mantendo-se fiel à teimosia do pai, José Duarte Garcia, que, por sua vez, “herdara” o saber e as vinhas do amigo José Rodrigues, ao tempo professor primário como ele na ilha do Pico. José Rodrigues tinha herdeiros, mas sabia que estes não iriam dar continuidade aos vinhos licorosos que fazia e, no início dos anos 60 do século passado, decidiu vender por um preço simbólico (mil escudos) a Duarte Garcia as vinhas velhas que possuía na Criação Velha (o principal núcleo da mancha de vinha do Pico classificada como Património Mundial), por saber que o amigo seria capaz perpetuar o seu legado.

E foi. Fortunato Garcia ainda guarda uma garrafa de 1966, o ano do seu nascimento. E os irmãos ainda possuem garrafas de anos mais velhos. No início, eram vinhos sem rótulo. A partir de 1970, Duarte Garcia passou a engarrafar com a marca Czar. O nome é um achado e tem origem no facto de, durante a Revolução Russa de Fevereiro de 1917, ter sido encontrada uma garrafa de um vinho licoroso do Pico na cave do Czar Nicolau II, que era um apreciador do vinho. No seu livro Guerra e Paz, Tolstoi também fala do vinho do Pico.

Como o amigo José Rodrigues, Duarte Garcia gostava de fazer vinhos com elevadas graduações de álcool, para que os açúcares remanescentes os deixassem mais agradáveis de beber. Foi assim até à sua morte, em 2007, e assim continua. Fortunato Garcia substituiu o pai antes, em 1999, mas manteve a mesma filosofia. Nos 3,5 hectares de vinha que possui na Criação Velha, vai até ao limite para obter uvas o mais maduras possíveis. Para o conseguir, faz pelo menos duas vindimas. Nem sempre corre bem, por causa da chuva, mas, quando corre, consegue vinhos únicos.

Vinhos com força telúrica

Foi o que aconteceu com a colheita de 2009, a segunda a levar o nome de Fortunato Garcia no rótulo. Nesse ano, Fortunato fez dez barricas de vinho. Em nove delas, o vinho chegou ao fim da fermentação com 18,5% de álcool. Mas uma ficou com 20, 1% de álcool. Ou seja, as leveduras autóctones desdobraram quase completamente o açúcar das uvas. Só restaram 6,8 gramas de açúcar por litro, o que faz deste Czar um vinho mesmo seco. Fortunato não tem conhecimento de um outro vinho feito de forma natural, sem adição de aguardente, com este teor de álcool. Será, pensa, único no mundo.

Por ser tão singular, tem um outro preço. As primeiras garrafas foram vendidas a 150 euros. Mas Fortunato reservou um pequeno lote para ser vendido em garrafas de cristal a 300 euros cada. O Czar 2009 de 18,5% de álcool custa 36 euros, um pouco menos de metade do preço do Czar 2008.

Os preços vão variando em função da quantidade e da qualidade do vinho, mas, com a excepção do Czar 2009 de 20,1% de álcool, não são nada proibitivos, se os compararmos com alguns dos novos brancos tranquilos do Pico que são vendidos logo no ano a seguir à vindima a 25 e a 40 euros a garrafa (é o caso dos vinhos da Wine Azores, de António Maçanita).

Para além de implicarem uma grande perda de produção e de demorarem entre cinco a seis anos a chegar o mercado, são vinhos com grande longevidade, como pudemos comprovar na tal prova que Fortunato Garcia realizou no início do passado mês de Fevereiro, na sua pequena adega, no Pico.

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