A pergunta anda no ar entre os críticos nacionais e internacionais, os apreciadores mais qualificados, os negociantes, os enólogos e até, em surdina, entre muitos donos de empresas de vinho do Porto: por que razão o ano de 2015 não mereceu uma declaração vintage? A pergunta faz sentido porque a última grande declaração foi em 2011, porque o ano no Douro correu, no geral, bem e, principalmente, porque basta provar os quatro vintage lançados pela família Symington para se suspeitar que em causa está um mistério. O Stone Terraces com a marca Graham’s, o Nossa Senhora da Ribeira da Dow’s, o Quinta do Vesúvio e o Cockburn’s são vinhos extraordinários e cabem por inteiro num ano clássico. Mas, ao não lançar Dow’s, Warre e Graham’s, a estratégia da empresa não foi por aí. Não é por isso que se vai pagar menos pelos vinhos – de há uns anos a esta parte, a diferença de preço entre os clássicos e os “single quinta” tem vindo a reduzir-se. Porque as quantidades produzidas são escassas.
Para os apreciadores dos grandes Porto a principal notícia é que em 2015 nasceram vintage grandiosos, intensos, com músculo e sofisticação, embora a secular tradição desta categoria os impeça de serem incluídos na galeria dos notáveis – não é um ano de declaração vintage. Estamos, portanto, num confronto entre a qualidade intrínseca, que é indiscutível, e a categorização que lhes é conferida. Uma vez que nomes de referência como a Quinta do Noval ou a Ramos Pinto lançaram vintages com as suas marcas principais (o Noval, por ser uma quinta, é um caso à parte), há quem defenda que a Confraria do Vinho do Porto faça a tal declaração Vintage que serve para reforçar a excelência de um ano. Mas, mesmo que se vá por aí, em 2015 não haverá Dow’s, nem Graham’s, nem Taylor’s nem Fonseca. A haver declaração, seria sempre “manca”.
Não está em causa a justeza dos enólogos destas casas em pensar que falta qualquer coisa aos vinhos de 2015 para que atinjam o máximo da reputação, até porque na memória está ainda bem viva a marca de um ano histórico, 2011. Nem a suspeita de que esteja em curso uma estratégia comercial para valorizar os grandes vintage, elevando o seu preço para valores mais próximos do que os que se pagam pelos grandes vinhos do mundo. Associar os “single quinta” a vinhos de qualidade superior, produzi-los em quantidades relativamente reduzidas e cobrar por eles 60 ou 70 euros pode representar uma forma de forçar a valorização do mais nobre estilo de vinho do Porto. Ficaria assim criada a ideia de que quando houver uma nova declaração clássica, a qualidade será estratosférica e os preços poderão subir ainda mais.
No caso da família Symington houve a preocupação, apesar de tudo, de jogar em diferentes tabuleiros. A aposta no Stone Terraces, que se tinha estreado em 2011 numa edição absolutamente extraordinária, indica que a empresa reconhece a existência de um grande ano – produziram-se 4800 garrafas, das quais apenas 720 ficarão em Portugal. E o lançamento do Cockburn’s em detrimento de um, por exemplo, Quinta dos Canais Cockburn’s, procura não apenas celebrar o bicentenário da empresa (fundada em 1815) mas também reconhecer que os lotes de Sousão, Alicante Bouschet, Touriga Franca e Touriga Nacional que estiveram na origem deste vinho eram magníficos – 42 mil garrafas produzidas, das quais 2600 ficam para o mercado nacional. De resto, nos registos da vindima que os Symington zelosamente redigem não faltam elogios ao ano: Outono chuvoso, Inverno frio e seco, chuva em Maio após uma Primavera seca, Agosto com temperaturas moderadas e uma chuva providencial em meados de Setembro.
Entre os quatro vintage de 2015 com a chancela da família Symington, é difícil apontar eleitos, mas é possível detectar diferentes caracteres identitários que denunciam as suas origens e o respeito pelo estilo de cada uma das marcas. O Stone Terraces (98 pontos/170€), feito a partir de vinhas velhas de três parcelas da Quinta dos Malvedos, volta a ser um prodígio no aroma intenso e complexo e uma maravilha de elegância na boca. É um vintage feminino, delicado, polido, com uma estrutura harmoniosa e uma vivacidade que proporcionam um final de boca inesquecível. Tal como aconteceu em 2011, o Cockburn’s (97 pontos/65€) volta a impressionar. O seu estilo tem por base um equilíbrio delicioso entre a finesse e a garra. Aromas intensos de fruta madura, flores, notas de iodo, é um vintage impactante e guloso, com um final longo e vivo.
Conhecida por ser berço de magníficos “single quinta” (e base para os grandes Dow’s), a Quinta da Nossa Senhora da Ribeira (97 pontos/60 euros) sai muito bem na fotografia de 2015. Mais contido, mas não menos sofisticado, no aroma, com nuances vegetais e notas de frutas silvestres, este vintage é absolutamente imponente. A sua estrutura, o volume, a sua dimensão tânica garantem um impacte na boca intenso mas simultaneamente solene e complexo. A sua frescura final é deliciosa e longa. Produziram-se apenas 8400 garrafas, das quais 1200 estão destinadas ao mercado nacional. Finalmente, o Quinta do Vesúvio (96 pontos/65 euros), é outra boa surpresa principalmente por sublinhar a tendência desta marca para reforçar a dimensão de acidez e frescura dos seus vintages. Aromas florais, notas de chá, menta discreta, fruta madura, é uma delícia no nariz. Na boca é um primor de afinação e de classe (11400 garrafas produzidas, 1620 ficam em Portugal).
Com vinhos assim, o difícil é escolher. Poderosos para crescer no futuro, mas com uma macieza tânica que hoje os torna apreciáveis por dar expressão ao fulgor da sua fruta jovem, as propostas dos Symington para 2015 são boas de mais para se diluírem no conceito tradicional do ano menos bom. São grandes vinhos e se não foram considerados clássicos, a falha seguramente não está na sua qualidade.