Fugas - dicas dos leitores

Açores, as ilhas floridas

Por Maria João Roque - Lisboa

A poética destas ilhas existe muito para além do que se escreva sobre elas. É como se as palavras fossem redutoras, como se, ao colocarem-se no papel as impressões, elas se esfumassem de essência e talvez da sua própria existência.

O arquipélago dos Açores apresenta-se como um jardim natural onde o ritmo de vida permite parar e apreciar a sua excelência. Muitas vezes perdido e encoberto pelas brumas, nasceu de uma intensa actividade vulcânica que alimenta a lenda da Atlântida que, verdade ou não, lhe cola um carácter de mistério, pontuado por cinzas e lavas dos vulcões.

Os navegadores portugueses acostaram aqui em 1427 e desde então os Açores nunca mais deixaram de receber continentais. Durante os séculos XVI e XVII, o arquipélago tornou-se, pela sua posição geográfica, um dos eixos da navegação entre a Europa, o Oriente e a América. Nesta época travaram-se nos mares açorianos importantes batalhas navais, enquanto as ilhas eram sujeitas ao ataque de corsários e piratas.

Diz-se que as violências telúricas contrastam com a doçura das paisagens, ou não fosse o famoso anticiclone dos Açores a espalhar pelas ilhas a sua influência de sol e chuva que alternam com muita frequência, variadíssimas vezes ao dia: aliás, os açorianos costumam dizer que por estas bandas "há quatro estações por dia".

Terceira, a ilha lilás, com os coloridos impérios devotados ao culto do Espírito Santo, testemunha a devoção popular, quebrando a brancura das freguesias terceirenses. Praia da Vitória, terra de Vitorino Nemésio e da sua Casa das Tias. A sua capital - Angra do Heroísmo - é considerada Património da Humanidade pela UNESCO e merece uma visita detalhada, com o seu porto onde ancoraram galeões carregados das especiarias do Oriente, do ouro e da prata da América.

Tempo de descobrir São Miguel, com vento agreste e mar revolto. Vacas pintam a preto e branco o verde forte dos cerrados. Manhãs radiantes, com brisas marinhas que chegam por entre os mastros dos barcos que se perfi lam entre a terra e o mar. Dias que escorregam devagarinho, pontilhados de percalços inofensivos.

Reconstroem-se os estilhaços dispersos, qual espelho quebrado da memória. Ponta Delgada, a capital, cidade a preto e branco, com o casario emoldurado pelo basalto escuro das cantarias. Lagoa das Sete Cidades vista do Miradouro do Rei; o nome de D. Carlos ter daqui admirado a vista a quando da sua visita à ilha, em 1901. As duas lagoas, uma verde e outra azul, assentam numa lenda que lhe atribui a diferente coloração das águas devido às lágrimas vertidas por uma princesa de olhos azuis e um pastor de olhos verdes que viram os seus amores contrariados e que, chorando, criaram estas lagoas no fundo da cratera.

Voo até ao Faial, sob um sol tímido. Do aeroporto tomamos o sentido oeste da ilha e a primeira paragem é nos Capelinhos. Aqui a paisagem desértica encanta numa área classificada como Reserva Natural. A erupção vulcânica de 1957/58 fez surgir uma ilhota que veio juntar-se a terra firme. Quarenta anos depois, sente-se ainda a aridez e desolação da paisagem: paisagem inóspita, fria, negra e bela. Tudo neste lugar é depurado e fácil, como se tudo fosse seu desde que nascera. Um ócio reparador parece reconciliar-se com a realidade, fazendo ressurgir das cinzas uma vitalidade revigorada. Será?

Novo rumo. Horta com a sua marina polvilhada de centenas de iates que balançam ao vento. No cais da Horta releio Álvaro de Campos: impresso e gasto pelo tempo, restam fragmentos num muro anódino.

"Ah, todo o cais é uma saudade de pedra! (...)
Ah, a frescura das manhãs em que se chega,
E a palidez das manhãs em que se parte,
Ah, seja como for, seja por onde for, partir!" 

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