Fugas - dicas dos leitores

Depois da Tailândia, nada mais será como antes

Por Vânia Magalhães

Quando ponderava viajar para a Tailândia, tinha em mente algumas experiências que queria mesmo viver ali, uma delas era conhecer gente num lugar remoto, a viver de modo simples, comunitário e de harmonia com a natureza.

A maioria dos programas oferece pacotes que incluem visita às mulheres girafa, porém aquilo parecia-me um zoo humano, com enquadramento para turista ver, barraquinhas de souvenirs incluídas, quase um parque de diversões humano…Não, não era essa a ideia! Confirmei depois isso mesmo com um amigo irlandês que vive naquela região há uns anos e é um apaixonado pela Tailândia, e me recomendou, em alternativa, que pesquisasse um trekking na selva, dado que alguns incluíam passagens por aldeias das tribos das diferentes etnias.

Encontrei o Pooh Eco trekking e alguns minutos depois estava tomada a decisão, não fosse o lema deles: “Leave nothing but footprints, take nothing but pictures, kill nothing but time”, assegurando o site que uma boa parte do dinheiro reverte para as populações das tribos que nos recebem.

Algumas semanas depois, a experiência foi realmente mágica. Saída de Chiang Mai bem cedinho, paragem estratégica no mercado para abastecer, afinal tínhamos que levar farnel para nós e para a família que nos iria receber nessa noite. Interessante como saindo um pouco dos meios mais urbanos, e especialmente se acompanhados por locais, tudo muda, preços sobretudo! No mercado ainda nos prepararam o almoço que seguiu connosco envolto em folhas de bambu, que vimos mais tarde funcionam como verdadeira embalagem térmica, pois a nossa massa thai estava ainda bem apetecível e morna.

Algumas horas de caminho até às montanhas de Mae Hong Son, pausa para degustação do já referenciado almoço, com vista a perder de vista e prontos para iniciar a caminhada. Foram uns quantos quilómetros pela selva num percurso agradável e de plena fusão com a natureza, quilómetros sem qualquer vestígio de civilização humana. Já na recta final do primeiro dia, uma subida íngreme esgota as últimas forças, que logo se retemperam com a calorosa recepção na aldeia de uma tribo da etnia karen.

É certo que sabem que quem chega leva bens de que carecem e de que nem sempre dispõem, mas não creio que fosse só isso que motivasse os seus sorrisos, era mesmo curiosidade pelas vidas destes hóspedes por uma noite, da pele branca de dois portugueses e uma francesa e a pele bem escura de um francês com ascendência de Guadalupe, curiosidade pela nossa motivação em querer conhecê-los.

Pouco tempo depois, fomos encaminhados para o banho — não sei se sou capaz de descrever a experiência, mas que foi divertida, foi! Uma espécie de poço, com água meio turva, mas que asseguraram estar limpa, uma improvisada concha e um balde, que depois usávamos para derramar a água sobre o corpo. No meio do verde, e dado o cansaço acumulado, pareceu-me perfeito o duche improvisado, que teve direito a prévia demonstração por um dos filhos do casal que nos recebeu.

Logo depois, o jantar foi cozinhado pelo guia de serviço, o “Tee”, que tinha um nome muito complicado e por isso sugeriu este tratamento, na fogueira instalada na cozinha da cabana com três divisões que nos deu abrigo nessa noite. Acho que a delícia dos pratos preparados não estava só na fome acumulada, mas na energia maravilhosa que todos pusemos na sua preparação. Que bonita a vida comunitária ali, onde todos ajudam, todos partilham — mesmo sem nos entendermos na língua, tão bem comunicávamos.

Eram tantos os chefs de serviço que me pemiti ir espreitar a aldeia, e foi maravilhoso ver a Mama e o Papa, dois anciãos da aldeia, avós das crianças que nos cederam o seu quarto, ela com o sorriso avermelhado de tanto mascar tabaco, ele com um sorriso cândido cheio de vontade de tirar fotos comigo, mesmo sabendo que nunca as iria ver. Descobri ainda uma mulher grávida a rachar lenha vigorosamente e crianças vibrantes e ávidas de mostrar habilidades.

Seguiu-se o jantar. Barriga cheia e noite cerrada, ainda que não fossem sequer sete da tarde, fomos convidados para outra casinha da aldeia, onde estavam reunidos muitos dos seus escassos habitantes, muitos sorrisos porque mesmo o guia não entende completamente o dialeto dos nativos, e um constante “Baby! Baby!”, com dedos a apontar para a minha barriga. Não creio que tenha a ver com o volume, era mesmo curiosidade por saber se eu já tinha gerado algum ser, pois elas, com a minha idade, já contribuíram bastante para a natalidade da Tailândia. Creio que estranharam que dos meus 35 anos não tenham ainda saído frutos dessa natureza…

Às 20h30 estamos já recolhidos, depois de ter partido a lanterna no caminho para o quarto de banho e me ter rendido à luz do luar. Felizmente a lua colaborou e deixou-se estar por perto, pois seguiram-se outras idas nocturnas ao dito WC rústico e de escassa privacidade. Mais uma experiência para concluir que se pode viver bem e feliz com condições distintas daquelas a que nos habituámos.

O quarto tinha sido cuidadosamente preparado e colocadas esteiras, com os nosso sacos-cama amorosamente esticados sobre elas, e uns saquinhos de arroz serviam de almofada, o leito ficava completo com coloridos mosquiteiros, e se não fôssemos quatro a dormir no mesmo quarto e a sinfonia do ronco que se seguiu e o ambiente teria sido bastante romântico.

Pequeno-almoço novamente preparado pelo nosso Tee com compota de abacaxi feita na hora e o pão trazido da véspera do mercado, ainda uns deliciosos ovos mexidos preparados no ponto. O sôfrego olhar de uma das crianças sobre o menu permitiu concluir que talvez fosse boa ideia o pequeno-almoço ser frugal e poderem eles desfrutar das iguarias trazidas da cidade. Não passam fome, não apresentam necessidades, mas o novo, o raro, é sempre mais apreciado. Por mim ficava ali umas quantas noites mais, parece que ficou tanto por dizer e agradecer. No regresso, por um ponto distinto para ver novas paisagens, passámos pela Mama, que nas costas levava tabaco acabado de apanhar.

Novo percurso pelo interior das montanhas, hoje com cascata, vegetação distinta e ainda campos de arroz, completado por uma aventura pela caverna dos morcegos. Uma caverna que é um túnel por baixo da montanha, com água corrente, apenas iluminada pelas tochas de bambu preparadas pelo rapaz do banho do dia anterior que nos guiou. Mais uma despedida, o rapaz da tocha regressaria agora à aldeia…já sem tocha que se havia apagado. Não há medos por ali!

Mais umas subidas e muitos quilómetros e chegamos à casa do guarda da floresta, onde estes habilidosamente faziam os cestos como os que a Mama carregava às costas. Ainda se seguiu um percurso na caixa aberta de uma pick up, num rally à tailandesa, para nos levar ao nosso transporte de regresso, mas a verdadeira aventura tinha já terminado. Alma cheia para uns tempos. Isto é a Tailândia!

Regresso ao meu conforto ocidental, mas creio que nada mais será como antes. Há experiências de viagem que mudam vidas, e sentir que realmente se pode ser feliz com menos, que a natureza nos serve e por isso é nosso dever amá-la e protegê-la sempre, é realmente transformador.

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