Fugas - dicas dos leitores

A ilha do espanto no Índico

Por Marta Pais de Oliveira

Acordámos quando o sol nascia em Maputo. Pouco faltou para a lancha não poder partir com a descida do mar.

Saímos no momento certo e ficámos a ver a cidade afastar-se até estarmos só rodeados por água e depois avistarmos, do outro lado, o primeiro recorte de Inhaca. Tinha ouvido que esta ilha à entrada da baía de Maputo, no Sul de Moçambique, era como uma pérola no Índico.

Quando a lancha já não podia avançar mais, descemos com a água pelos joelhos e a visão de um lugar em silêncio. Demos poucos passos até vermos no fundo da água estrelas-do-mar com cores vibrantes como azul, amarelo, verde ou cor-de-laranja. Sorrimos com as primeiras boas-vindas do clima tropical.

A tradição oral diz que o nome Inhaca vem de um ancião que viveu em Maputo por volta do século XVI, Tsonga Nhaca, que recebeu o comerciante português Lourenço Marques e os navegadores em dificuldades que chegavam à ilha.

Quando pisámos o areal, fomos também recebidos pelos primeiros sorrisos de alguns locais. As nuvens recortavam-se no céu azul e multiplicavam-se pela praia barcos de pesca. Começou aqui o encantamento por este lugar que é património biológico da humanidade e reserva natural. Em dois dias o tempo pareceu expandir-se magicamente. Talvez porque fizemos tantas coisas que para nós são raras. As experiências misturam-se agora numa onda de encantamento e constroem juntas o espanto que nasce perante a ilha.

Em Inhaca vimos os recifes de coral com enormes cardumes de peixes. Procurámos os mais coloridos e assombrámo-nos com a imensidão de vida no fundo do mar. Vimos uma tartaruga a espreitar várias vezes na ondulação calma e logo a esconder-se. Seguimos o voo de peixes que saltavam da água. Olhámos os búzios que deixam traços na areia como mensagens enigmáticas, caranguejos muito rápidos, alforrecas na onda que se espraia. Encontrámos um pescador com um peixe papagaio gigante, azul e salmão, talvez saído de um conto surrealista. Vimos o sol que se reflecte no azul límpido do mar e o movimento da água que dança no corpo.

Admirámos a grande quantidade de borboletas diferentes a esvoaçar. Passámos por plantações de mandioca e milho e hortas cultivadas, sabendo que aqui existem rituais para uma boa colheita e cerimónias para pedir chuva aos antepassados. Por ali havia várias galinhas e cabritos soltos. Como música constante, os pássaros e o vento. Curvámos o pescoço para trás para ver as palmeiras altíssimas.

Observámos com curiosidade os locais nas suas vidas diárias. A caminhar nos trilhos longos de terra vermelha, questionámo-nos de onde viriam e para onde iriam. Alguns vendiam ou compravam no mercado local e outros iam muito bem vestidos para cerimónias religiosas. No meio do nada, um encontro feliz: um campo de futebol com chão de terra cheio de crianças que logo correram a dizer-nos olá e adeus entre gritos e risos. Não nos podemos nunca esquecer desta miragem de alegria genuína e esperança.

A gente de Inhaca contribui muito para o encanto da ilha. As mulheres transportam alimentos na cabeça e bebés dentro das capulanas coloridas amarradas às costas. Caminham com enorme determinação e elegância. Os homens trabalham nos barcos com vagar. As crianças têm sempre olhos ávidos e riem-se ao ver aquilo que é diferente deles – nós – e ao mesmo tempo tão igual. As conversas com quem nos cruzamos são generosas. Por vezes chamam-nos “meu irmão” e nós repetimos: “meu irmão”.

Ao regressarmos da praia, dois meninos escondidos atrás de uma árvore correram com ar de reguilas e agarraram-se ao jipe. O João e o António traziam num saco os peixinhos que tinham pescado. Perguntámos quem ia cozinhar o jantar. A mãe, sorriram.

Vimos o velho farol. E o pôr do sol estonteante, numa explosão de cores rápida e intensa. Dançámos kizombas e kuduros no boteco onde é possível libertar os corpos num ritmo que vem do fundo do ser. Acima das nossas cabeças, a lua gigante acesa, amarela, e as estrelas muito brilhantes.

Ao regressarmos, olhámos longamente outra imagem de que não nos vamos esquecer: a cidade de Maputo recortada contra o sol, dourada, onde a vida corre frenética a tão poucos quilómetros do silêncio do paraíso.

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