Fugas - dicas dos leitores

Alfredo Magalhães

Sob o sol da Toscana

Por Alfredo Magalhães

Com o título acima, foi publicado há uns anos um livro e baseado nele foi feito depois um filme.

Ambos, livro e filme, tiveram muito sucesso. O ambiente decorre no campo e em povoações da Toscana, região central de Itália. É uma região riquíssima em arte e história, com destaque para Florença, sem esquecer outras cidades periféricas, como Pisa, Siena, Arezzo ou Lucca.

A Toscana e Florença seduziram-me há muitos anos. Não deixo de lá ir, sempre que posso, nas minhas diversas visitas a Itália. Os sentimentos de voltar, em Agosto, foram um pouco contraditórios. Estava na cidade e região que mais gostava, mas o calor e as multidões de turistas impediram-me de gozar com a calma que pretendia todas aquelas belezas.

Florença é um destino imprescindível para quem gosta da arte do Renascimento. Lá se concentram enormes conjuntos de monumentos, esculturas ou pinturas dessa época. Fruto do apoio das prósperas classes dirigentes ou nobres florentinas, surgiram soberbos palácios, magníficas igrejas, pinturas e esculturas notáveis.

A Ponte Vecchio, a Piazza della Signoria com o Palazzo Vecchio, os Ufizzi ou a Loggia dei Lanzi são o supra-sumo dos locais procurados pelos turistas. Junta-se-lhes a esplendorosa catedral de Santa Maria del Fiore, com uma fachada riquíssima, uma cúpula (de Bruneleschi) arrojadíssima e ainda uma esguia torre sineira desenhada por Giotto. Em frente fica o baptistério com umas portas em bronze, ricamente decoradas, e que levaram Miguel Ângelo a apelidá-las de Portas do Paraíso.

Procurámos diversificar as nossas visitas. Começámos pela igreja franciscana de Santa Croce, um autêntico delírio de pintura medieval e renascentista. Também aqui fica o principal panteão de ilustres toscanos ou outros que se notabilizaram nesta região. Estão lá sepultados Miguel Ângelo (lindíssimo túmulo), Galileu, Maquiavel, Rossini, Marconi, etc. Dante tem aqui o túmulo, mas os seus restos mortais estão no centro de Ravenna. Além do túmulo de Miguel Ângelo, impressionou-nos muito o políptico da Coroação da Virgem, atribuído a Giotto e a seu discípulo Taddeo Gaddi, o crucifixo em madeira de Cimabue e as pinturas da capela Peruzzi, da autoria de Giotto, representando a vida de São João Baptista e São João Evangelista. Também de Giotto são as soberbas pinturas murais da capela Bardi sobre a vida de São Francisco.

Por causa também da pintura vale a pena visitar Santa Maria Novella, a principal igreja dos dominicanos em Florença. As suas pinturas rivalizam em beleza com as de Santa Croce, como os dominicanos rivalizavam com os franciscanos. Há impressionantes obras de Ghirlandaio e Filippo Lippi. Destaque para o simbólico crucifixo em madeira de Giotto e os belos baixo-relevos do púlpito. Sem menosprezar a fachada magnífica da catedral, a sua arrojada cúpula ou a elegante torre sineira, temos aqui dois exemplos com que a catedral de Santa Maria del Fiore não pode rivalizar, pois tem um interior despido e sem interesse.

Mas há mais em Florença quando se fala em interiores de igrejas. A de Ognissanti é de entrada gratuita e tem no interior um conjunto de pinturas de interesse incontestável. Nesta igreja está sepultado o descobridor da América, Américo Vespucci, que aparece representado em jovem, debaixo do manto da Senhora da Misericórdia, na capela da família Vespucci. Mas o mais impressionante nesta igreja é o refeitório no convento anexo. Na parede frontal está pintada uma extraordinária representação da Última Ceia, obra de Ghirlandaio. Nunca tive ocasião de admirar no local (arredores de Milão) o original de Leonardo da Vinci sobre a Última Ceia.

Mas pelo que conheço das reproduções, esta obra de Ghirlandaio parece-me exceder em muito a obra do mestre Leonardo pela expressividade, pelos simbolismos, pelas pequenas histórias que conta. Ficámos deslumbrados.
Uma visita aos Ufizzi vale sempre a pena, quanto mais não seja para ver alguns dos maiores símbolos da pintura renascentista, como o Nascimento de Vénus e Alegoria da Primavera de Botticelli ou a Vénus de Urbino e a Senhora do Pintassilgo de Ticiano.

Pouco procurado é o museu da antiga cadeia, o Bargello. Tem um conjunto interessantíssimo de esculturas e o próprio edifício medieval e renascentista merece visita.

Ao fim do dia os turistas procuram afincadamente o Piazzale Michelangelo, numa colina sobranceira à cidade. Creio que o panorama junto à igreja de San Miniato al Monte, uns metros mais acima, é bem mais interessante, como interessante é também esta igreja do padroeiro dos vendedores de lã. Mas creio que a vista mais abrangente e mais bonita é no forte Belvedere, contíguo aos deslumbrantes jardins do Palácio Pitti.

Visitámos ainda Arezzo, um dos centros de ourivesaria mais importantes de Itália. A própria cidade reflecte essa prosperidade. A basílica de Santa Maria della Pieve é assombrosamente bela, com inúmeros e expressivos baixo-relevos ou pinturas. E o largo onde se situa o Palazzo Comunale, Piazza Grande, merece uma admiração atenta pelo seu conjunto monumental. As ruas desta cidade foram palco das cenas do filme A Vida É Bela. Perto de Arezzo fica Cortona. É uma cidade de colina, como outras de origem etrusca. A cidade tem muitos palácios e igrejas de interesse e sente-se um charme intenso, longe da multidão de turistas. Cortona é muralhada e tem na Piazza della Repubblica um vistoso Palazzo Comunale. Desse largo parte a Rua Nazionale, conhecida como Rugapiana em dialecto local, famosa por ser a única rua plana no meio de todas as outras que descem ou sobem pelas encostas da colina.

Siena é um dos destinos toscanos mais procurados nos meses de Julho e Agosto. A razão principal é a disputa do Palio, uma corrida tradicional de cavalos em que todos se vestem à moda antiga. A corrida tem lugar na ovalada Piazza del Campo, a principal praça da cidade. Mas as movimentações dos grupos de apoio de cada bairro, os cânticos, os incitamentos, as cores são coisas de difícil descrição. A Piazza del Campo é um espaço harmonioso onde se destaca o elegante edifício municipal em tijolo vermelho. No meio da praça está outro belo monumento em mármore branco — a fonte Gaia, dedicada à deusa da Terra. O palácio municipal é visitável e tem várias salas com interessantes pinturas de diferentes épocas. Outro monumento a não perder em Siena é a catedral, um edifício enorme em mármore branco e preto com a fachada largamente decorada e com um interior igualmente atraente.

Não é só de história e monumentos que vive a Toscana. A sua paisagem é igualmente bela e harmoniosa: pequenas colinas encimadas pelas ruínas de um castelo ou uma aldeia antiga, vinhedos, olivais ou pequenos bosques. Aqui e além, fiadas de esguios ciprestes, a somar aos girassóis em plena floração nos meses de Verão.

Resta falar da gastronomia. Além das massas, dos cogumelos porcini e dos inevitáveis gelados, há boas carnes assadas ou grelhadas, como a famosa costeleta florentina. E como uma boa refeição pede um bom vinho, a Toscana é a base de um dos mais famosos vinhos italianos — o Chianti. Para rematar, nada como beber um cálice de Vin Santo, um vinho doce e licoroso produzido na região e que se deve beber acompanhado de fatias de biscoitos de amêndoa (cantucci) molhados no próprio vinho. Depois de bem comidos e bem bebidos não há nada que não pareça belo e magnífico.
 

 

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