Fugas - dicas dos leitores

De regresso a Cabo Verde

Por Helder Taveira

Há muito tempo que andava com vontade de conhecer as ilhas de Santo Antão e a de São Vicente, em Cabo Verde. Assim, no dia seguinte ao Natal, seguimos rumo a São Vicente.

A meio da viagem, um contratempo, devido à bruma seca (areias provenientes da costa africana, que em muito prejudicam a visibilidade): teríamos de aterrar na ilha de Santiago. O que à partida parecia um problema, acabou por ser uma bênção.

A Cidade Velha, antes denominada Ribeira Grande, fica a cerca de 15km a oeste da Praia. Foi a primeira cidade construída pelos europeus (no caso, portugueses) nos trópicos e na primeira capital do arquipélago de Cabo Verde. Devido à sua história e ao seu valioso património, foi classificada pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade.

Seguiu-se uma passagem pelo Tarrafal. Obra de má memória, este presídio. A Colónia Penal do Tarrafal, situada no lugar de Chão Bom do concelho do Tarrafal. O Campo do Tarrafal começou a funcionar em 29 de Outubro de 1936, com a chegada dos primeiros prisioneiros. Por aqui passaram também presos políticos das ex-colónias portugueses.

O Tarrafal é muito mais que a colónia penal, tem um pequeno povoado de gente simpática, uma praia de águas cristalinas e em qualquer época do ano de temperatura agradável: um consolo para os veraneantes.

A caminho da cidade da Praia, parámos na Assomada para uma curta visita ao mercado. Ficou-nos na memória o bulício dos vendedores, as cores dos produtos, o cheiro do peixe acabado de pescar.

Reencontrei um colega de curso que já não via há quase 30 anos e com ele demos uma volta pela ilha, passando por lugares que só os locais conhecem. Na Praia Baixo, comemos uma bela moreia frita, acompanhada de cerveja crioula.

Em termos históricos, a localização do arquipélago de Cabo Verde teve grande valor estratégico como ponto de apoio nas rotas marítimas para a América e para o Sul de África, permitindo o reabastecimento de água e de alimentos frescos e as reparações navais.

Finalmente, bruma seca permitiu a saída de Santiago e rumámos a São Vicente. Logo no dia seguinte partimos para Santo Antão. São Vicente teria de esperar.

Pela manhã, apanhámos o ferry no Porto do Mindelo e em cerca de uma hora chegámos a Santo Antão, uma das nove ilhas habitadas de Cabo Verde, a segunda maior do arquipélago em superfície e a terceira em população. De origem vulcânica, Santo Antão é a ilha mais afastada do continente africano, pelo que o seu extremo oeste é considerado o ponto mais ocidental de África. O canal de São Vicente separa-a da ilha mais próxima, São Vicente.

Quem apenas conhece as ilhas do Sal e Boavista, pensa que não está em Cabo Verde. Vegetação luxuriante, montanhas que parecem querer rasgar o céu e trilhos que são uma verdadeira experiência para a vida. O Vale do Paúl, Coculi, Xoxo, são disso um exemplo. Santo Antão tem paisagens de cortar a respiração.

A pitoresca aldeia das Fontainhas parece saída de um conto de fadas. Na Ribeira Grande, também conhecida em Santo Antão como Povoação, íamos com vontade de comer uma cachupa e acabámos por comer uma feijoada cabo-verdiana à moda de Santo Antão, feita com um feijão arredondado muito cultivado naquela ilha.

Depois de visitar um alambique de fabrico de grogue, estávamos já de volta a São Vicente. Um dia em Santo Antão foi pouco! A viagem de barco até São Vicente foi agradável. A chegada ao porto do Mindelo coincidiu com o pôr do sol num final de dia inesquecível. 

São Vicente, devido à sua aridez, durante anos ficou completamente esquecida, utilizada apenas como pastagem para o gado por alguns proprietários das vizinhas Santo Antão e São Nicolau. Tudo mudou em 1838, quando os ingleses estabeleceram na ilha um depósito de carvão para reabastecimento dos navios que atravessavam o Atlântico. Nessa altura, a ilha, principalmente o Mindelo, registou um grande desenvolvimento.

O Mindelo é, actualmente, um importante centro cultural e cosmopolita onde a música, literatura e desporto são cultivados. O seu património arquitectónico mantém ainda um inconfundível toque colonial, e quando caminhamos pelas ruas, temos, por vezes, a sensação de que estamos numa qualquer vila ou cidade portuguesa. Nos bares junto à marginal, a figura de Cesária Évora está sempre presente com as suas mornas e coladeras.

Seguiu-se a ida à baía das Gatas. Bonita baía natural, onde anualmente se realiza um festival de música internacionalmente famoso. Fica a menos de 10km do Mindelo. Dizem os livros que o nome desta baía deriva da abundância nas suas águas de uma espécie denominada tubarão-gato.

Interessante a passagem por São Pedro, uma aldeia piscatória. A aldeia é pequena e pitoresca, com casas coloridas e onde praticamente apenas vivem os pescadores. Nesta viagem, conhecemos um casal de suíços, Matheo e Mary, que muito nos impressionaram, ambos na casa dos 70 anos. Ela de aspecto franzino e ele mais encorpado e “preso” a uma cadeira de rodas. Tal facto não os impediu de correr todos os lugares. Havia sempre quem ajudasse Matheo a sair do táxi, do autocarro. Diziam que adoram viajar e que desde há muitos anos apenas viajavam por África.

Não queriam viajar pela Europa — diziam-me que na Europa, quando precisavam de ajuda, ninguém o fazia, de tão atarefados que todos pareciam andar. “Sabe, na Europa ninguém nos vê, somos invisíveis.”

A viagem chegava ao fim e o pensamento a fervilhar com ideias para visitar o resto do arquipélago das ilhas de Morabeza. Em Cabo Verde, sentimo-nos em casa.

 

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