Vinhos do Porto antigos e raros estão a ser promovidos por algumas empresas como verdadeiras peças de arte, tesouros escondidos que, num caso ou noutro, o acaso trouxe ao conhecimento e podem agora ser degustados a troco de alguns milhares de euros. A primeira casa a entrar neste negócio de "joalharia vínica" foi a Andresen, que, para comemorar o centenário da República, lançou no passado mês de Outubro o seu Porto Colheita de 1910 ao preço de dois mil euros a garrafa de 750ml. É um vinho extraordinário, de uma só colheita, que passou 100 anos em casco.
Com registo no Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), é, diz a empresa, o Colheita mais antigo que existe.
Já mais perto do Natal, foi a vez da Taylor's lançar o Scion, um vinho do Porto com 155 anos, contemporâneo dos lendários Barão de Forrester e D. Antónia Ferreira, "A Ferreirinha". O vinho foi descoberto em 2008 pelo enólogo da empresa, David Guimaraens, no armazém de uma velha casa de uma família outrora abastada na aldeia de Presegueda, perto da Régua. A Taylor's comprou os dois cascos existentes e lançou uma edição de luxo do vinho, ao preço de 2500 euros a garrafa, anunciando-o como "um pedaço de história", um vinho único e inimitável. E, de facto, é.
Mais recentemente, a empresa Agri-Roncão juntou-se a este exclusivo clube com o lançamento do seu Roncão "Vinho do Porto Muito Velho". Cada garrafa custa 1250 euros. O vinho está em casco e a empresa vai engarrafando pequenos e numerados lotes de garrafas.
O Douro é tão vasto e diverso e a sua história é tão antiga que ninguém faz ideia das relíquias que repousam em garrafeiras e armazéns da região. Desde há séculos que perdura o costume de ir acumulando colheitas para os filhos e netos e, na maioria dos casos, só perante a desagregação da família e a emergência de dificuldades económicas é que os herdeiros se desfazem das velhas pipas e garrafas que foram acumulando pó e teias de aranha na penumbra das caves.
Muitos destes vinhos são ainda anteriores à filoxera, praga que chegou ao Douro em meados de 1860 e quase dizimou os vinhedos da região. Se não foram refrescados ao longo do tempo (com a adição de aguardente ou a incorporação de vinhos mais novos), concentraram-se ao ponto de ficarem tipo melaço. Um pedaço de um vinho destes numa pipa nova de Porto faz milagres.
São vinhos caros mas difíceis de avaliar, até porque o seu principal valor é afectivo. Por serem vinhos únicos e irrepetíveis, valem o que cada um estiver disposto a pagar por eles.
Não falta quem aceite pagar fortunas por uma garrafa, mesmo sabendo que um vinho do Porto muito velho, depois de engarrafado, não vai melhorar mais. É para ser bebido, não para ser guardado como uma obra de arte. Mas quem puder beber um vinho destes viverá uma experiência gustativa memorável.
A idade média do vinho do Porto Roncão é de 125 anos, de acordo com a informação prestada pela empresa. O casco base foi adquirido a um particular, mas o lote final foi refrescado com vinho mais novo da Quinta da Levandeira do Roncão, onde repousa.
A empresa pertence a Domingos Ribeiro, um industrial que esteve ligado ao lançamento das lojas Feira Nova e que, há cerca de uma década, apostou também nos vinhos, possuindo actualmente a Quinta de Linhares, nos Vinhos Verdes, perto de Penafiel, e a Quinta da Levandeira do Ronção, no Douro, próximo do Pinhão.
Na geografia do Douro, a encosta do Roncão, na margem direita do rio, é um dos lugares lendários da região, famoso pela qualidade dos vinhos do Porto que lá se produziam. Fica entre a Romaneira e o cotovelo de rio que vai dar ao Pinhão e que acolhe quintas famosas como a Roeda ou o Bomfim. Domingos Ribeiro comprou a quinta do Douro quando esta estava praticamente em ruínas. O que existe hoje é uma propriedade praticamente nova, com uma adega moderna e funcional e vinhas reestruturadas.
Os vinhos do Porto herdados foram poucos e não muito velhos.
Os primeiros vinhos começaram a ser vendidos em 2005 e a aposta foi dirigida para os vinhos de mesa.
O primeiro tinto a sair, o DR 2002 (15 euros), é hoje um caso sério.
É um vinho com apenas 12,5% de álcool, na boa tradição dos primeiros grandes tintos durienses, e está belíssimo, muito fresco, especiado e com bons taninos. A colheita de 2003 manteve a mesma linha, mas as colheitas posteriores deram origem a vinhos mais alcoólicos e os resultados não são tão excitantes. Os vinhos podem até ser mais comerciais, mas perderam a originalidade e distinção que tinham.
Nos anos mais recentes, a empresa começou a apostar também no vinho do Porto, recuperando a tradição da quinta e do lugar. A custo, conseguiu que o IVDP lhe aprovasse o Roncão Vinho do Porto Muito Velho, um Tawny que nos deixa literalmente a salivar. A cor não esconde a sua antiguidade e os aromas quentes de tabaco e torrefacção, misturados com os de frutos secos e cristalizados, também não. Na boca é denso e melado mas com um vinagrinho delicioso que o aviva e o torna ainda mais comprido. Não provoca a mesma explosão sensorial do Andresen 1910, nem é tão duradouro na boca e na memória como o admirável Taylor's Scion, mas é igualmente um grande e raro vinho do Porto.