Fugas - Vinhos

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Os Puro Talha de uma adega com mais de 100 ânforas

Por Alexandra Prado Coelho

A adega alentejana José de Sousa tem a maior colecção de ânforas de barro do país e está a lançar os vinhos que fez segundo os métodos ancestrais.

Quando há trinta anos o enólogo Domingos Soares Franco falava em vinho de talha, ninguém o entendia. “Fui considerado um louco. Para quê talhas?, diziam. Este tipo vai estragar tudo. Mas eu sempre acreditei nas talhas. O que é engraçado é que agora se tornou moda a nível mundial”, diz à Fugas no final de um almoço na vinha que tem no Alentejo, pertencente à Adega José de Sousa.

Horas antes, Domingos e o irmão António Soares Franco (ambos da empresa José Maria da Fonseca, de Azeitão, mas também proprietários da José de Sousa), tinham apresentado aos jornalistas e convidados o novo Puro Talha, um vinho 100% fermentado em ânfora de barro, segundo os processos antigos, usados já pelos romanos há dois mil anos.

Foram precisos muitos anos e muitas experiências falhadas para chegar a este vinho (um tinto e um branco) que se aproxima daquilo que Domingos Soares Franco procurava. “Não posso saber o que era o perfil antigo do vinho de talha”, diz, “mas o que procuro é algo que faça repercutir a talha dentro do vinho, que revele o barro, as especiarias [parte das quais vêm do pez louro usado para impermeabilizar os potes]. É uma terceira dimensão que se acrescenta ao vinho e, se for feito de acordo com o que está escrito, consegue-se lá chegar.”

O que “está escrito” foi registado em 1876 pelo agrónomo António Augusto de Aguiar e são essas técnicas que Domingos segue hoje na Adega José de Sousa, em Reguengos de Monsaraz. Quando a José Maria da Fonseca comprou a José de Sousa, em 1986, esta histórica adega alentejana (que data de 1878) tinha cerca de vinte talhas. Actualmente, depois de Domingos Soares Franco ter corrido a região à procura de ânforas antigas para comprar, tem 114, que enchem uma impressionante sala.

Em cima de uma escada, junto a uma dessas ânforas e quase encostado ao tecto, está um dos funcionários da adega que, com a ajuda de um pau, vai remexendo a massa vínica, fazendo baixar a manta. Desde que o vinho entra nas talhas até que sai – o que só pode acontecer a partir de 11 de Novembro, dia de São Martinho – este é um trabalho que acontece todos os dias pelo menos duas vezes, mas mais frequentemente umas quatro ou cinco.

O vinho de talha – que aqui é feito com uvas de vinhas com mais de 50 anos, Grand Noir, Trincadeira e Aragonês e Moreto no tinto, Antão Vaz, Manteúdo e Diagalves no branco – exige uma atenção muito especial. Um dos riscos é que a fermentação provoque o rebentamento da ânfora – algo que, conta Domingos, já aconteceu na José de Sousa e “é impressionante”. É também preciso cuidado para não deixar o vinho azedar.

“É mais fácil trabalhar o tinto”, afirma. “Com o branco, tem que se ter cuidado para não oxidar. Tem que atingir uma evolução mas não é oxidação. O tinto está mais protegido disso.” A fermentação dura geralmente oito dias e depois disso o vinho é deixado em maceração até Novembro. Depois da prensagem das massas, uma parte estagia nas talhas e a outra em cascos de castanho, madeira que não o vai marcar. No lote final, junta-se ainda um pouco do vinho de ripanço, que foi feito numa talha pequena com o engaço não usado nas grandes (onde se usa 30%, só no tinto) e um pouco de mosto.

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