Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

Uma vénia aos vinhos velhos e à Touriga Franca na Herdade de São Miguel

Por Manuel Carvalho

Produtor alentejano anda desde sempre à procura do equilíbrio entre o volume, os vinhos de prestígio e a diversidade. Está a conseguir.

Passo a passo, de forma lenta mas inexorável, a Touriga Franca vai-se expandindo do seu Douro original e conquista cada vez mais a preferência dos enólogos do resto do país. Quem visitar por estes dias a Herdade de São Miguel, no Alentejo, a poucos quilómetros de Évora percebe porquê. Um dos lotes plantados em 2004 na Herdade da Pimenta acaba de chegar à fase final da fermentação e apresenta-se numa forma irresistível. A sua cor e a sua densidade são apenas o prenúncio de um vinho com um aroma extraordinário, pleno de fruta madura e de notas florais. O seu volume de boca é impressivo, com os taninos ainda vegetais a confirmarem uma estrutura poderosa e capaz de antecipar uma harmonia promissora.

Na herdade de São Miguel trabalha-se uma enorme diversidade de castas, e se um Arinto da zona da Vidigueira, com a sua acidez pungente e a sua frescura cítrica elevada, promete muito, o Touriga Franca é um ponto de partida para se projectar um grande tinto. A vindima deste ano foi difícil, a produtividade baixa e em algumas vinhas as dificuldades com a evolução natural da maturação causaram problemas. Mas, reconhece o enólogo Alexandre Relvas, vamos ter grandes vinhos.

Na história do vinho em Portugal a Herdade de São Miguel é um protagonista jovem. Os 175 hectares da herdade iniciais foram adquiridos há apenas 20 anos. Juntaram-se-lhes depois a Herdade da Pimenta e, já este ano, a Herdades dos Pisões, na Vidigueira. No total, a empresa dispõe hoje de uma área de vinha de cerca de 100 hectares. Entre o que produz e adquire a agricultores da região, a Herdade de São Miguel comercializa cinco milhões de garrafas por ano, cabendo à exportação uma quota de 70% (a Bélgica e o Brasil são os principais mercados).

Se o vinho da entrada de gama (Ciconia e Herdade de São Miguel Colheita Seleciconada) é a base natural da actividade da empresa, a diversidade é a sua mais recente obsessão. O trabalho com a talha ou a vinificação de brancos em curtimenta está presente no projecto Art-Terra e há lugar para monocastas. Lá regressamos ao Touriga Franca. A Casa Agrícola Alexandre Relvas não é a única nem a primeira a explorar este filão (vejam-se os soberbos Scala Coeli). Mas a sua proposta vale a pena. E é caso para se esperar com expectativas elevadas o que vai ser do 2017. Na sua primeira infância, insiste-se, é extraordinário.

Até lá, a empresa dispõe de um leque alargado de vinhos muito interessantes e de preço sensato, mesmo na gama Art-Terra (o branco é especialmente delicioso). Quem teve a felicidade de guardar os Reserva ou os Private Sellection de edições anteriores considere-se também bafejado pela sorte. O Reserva de 2006 apresenta-se com uma estrutura e uma acidez que ainda prometem muitos anos de vida. O congénere de 2009 está com uma garra incrível – estes vinhos das vindimas mais recentes custam cerca de 18 euros. E o Private Selection de 2007 apresenta uma riqueza aromática e uma harmonia notáveis (as últimas edições custam em média 43 euros). Descansem, no entanto, os que conservam apenas exemplares do Colheita Seleccionada: provámos um 2008 que estava simplesmente delicioso.

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