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Histórica Quinta dos Frades estreia-se com um grande tinto do Douro

Por Pedro Garcias

A Quinta dos Frades, uma das mais belas e antigas propriedades do Douro, produz vinho desde que, em 1256, foi doada ao Mosteiro de Salzedas. Mas só agora se lançou na comercialização da sua própria marca. A primeira colheita, de 2008, diz-nos que pode estar a nascer mais um grande nome no universo dos vinhos de mesa durienses

Há uma propriedade no Douro, a Quinta dos Frades, que é uma espécie de colosso adormecido. Até há bem pouco tempo, impressionava apenas pela sua dimensão e beleza. Agora também já começa a ser falada pelos seus vinhos de mesa tintos. O primeiro, da colheita de 2008, foi lançado no final do ano passado e é um enorme sucesso. Leva o nome da quinta, é feito de vinhas velhas e representa a consagração da casta Touriga Franca.

Quem passa na estrada ribeirinha que liga a Régua ao Pinhão não pode deixar de reparar na casa acastelada situada junto à Folgosa, com os seus dois altivos ciprestes, e na reentrância de rio que se forma no interior da quinta, onde um rendilhado geométrico de laranjeiras, oliveiras, amendoeiras e vinhas antigas se desdobra encosta acima com o Douro em fundo. Com uma área de 200 hectares, a Quinta dos Frades é uma das mais belas propriedades do Douro. Tão bela que soa a mistério continuar quase tão fechada como durante o longo período em que pertenceu ao Mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Quando, em 1256, foi doada ao cenóbio dos monges brancos, era conhecida como Quinta da Folgosa. Só mais tarde adquiriu o nome actual. Foi uma das mais importantes "granjas" (unidades agrícolas de grande dimensão) que a Ordem de Cister possuiu no Douro, a par de outras quintas conhecidas, como a de Ventozelo, São Pedro das Águias ou Paço de Monsul.

A propriedade manteve-se na posse do Mosteiro de Salzedas até à extinção das ordens religiosas em Portugal. Em 6 de Novembro de 1841, foi arrematada em hasta pública por Jerónimo de Almeida Brandão e Sousa, primeiro e único Barão da Folgosa. Cerca de um século depois, viria a ser adquirida pelo industrial Delfim Ferreira, que, quando morreu, em 1960, era talvez o homem mais rico de Portugal (era dono, entre muitos outros bens, de várias empresas, do Hotel Infante Sagres e da casa de Serralves).

A propriedade mantém-se na posse da família Ferreira, dividida por oito herdeiros, e continua fechada ao público. No passado dia 29 de Março, e pela primeira vez em séculos, Aquiles Brito, um dos herdeiros e responsável pela sua administração, abriu a quinta e a casa principal a um grupo de jornalistas nacionais, para a apresentação dos vinhos (Aquiles é também dono, juntamente com a sua irmã, Sónia Brito, da empresa de sabonetes e perfumes Ach. Brito, firma que herdaram do avô, que foi casado com uma filha de Delfim Ferreira).

Há séculos que a Quinta dos Frades produz vinhos, mas só agora se lançou no seu engarrafamento. Antes, a quinta estava destinada apenas ao lazer dos seus proprietários, e as centenas de pipas de vinho do Porto que produzia eram (e continuam a ser) vendidas ao grupo Symington. Mas os tempos mudaram. "Já não fazia sentido termos uma quinta com esta magnitude e não produzirmos os nossos próprios vinhos", sublinhava à Fugas Aquiles Brito.

O grande potencial da quinta resulta, digamos, do seu arcaísmo agrícola. A área vitícola ronda os 100 hectares de vinha e quase metade corresponde a vinhas com mais de 90 anos. Vinhas com esta idade são o sonho de qualquer enólogo, embora haja um certo mito associado às vinhas velhas. É que nem todas são boas.

Nos Frades, os enólogos responsáveis pelo projecto, Anselmo Mendes e João Silva e Sousa, têm andado a estudar parcela por parcela e já se deixaram encantar por três talhões de vinha velha onde a casta Touriga Franca predomina. São de lá que vêm as uvas do Quinta dos Frades Grande Reserva 2008, o vinho principal da quinta (foram produzidas 18.500 garrafas). É feito com 80 por cento de Touriga Franca, sendo o restante preenchido com uvas de quase duas dezenas de castas. Vinifi cado em lagar, com pisa a pé, estagia 12 meses em barricas de carvalho francês da famosa tanoaria Seguin Moreau.

Para um vinho de estreia, é um caso muito sério. Tem o que se espera de um grande vinho do Douro, ou seja, volume, garra, estrutura, taninos poderosos, aroma e sabor complexos, mas tudo num registo elegante e muito mais fresco do que é normal. Vai valer a pena seguir a sua evolução. Pelo que mostra nesta fase, é vinho para durar muitos anos e atingir um nível sensorial ainda mais empolgante. Para já, pode dizer-se que o Douro tem mais um vinho de topo e a um bom preço: 24 euros.

A Quinta dos Frades comercializa um segundo vinho tinto, o Vinha dos Deuses, cuja colheita de 2008 (6700 garrafas) foi apresentada pela primeira vez também no passado dia 29 de Março. As uvas são provenientes dos melhores talhões de vinhas velhas da quinta, mas o vinho não tem a mesma complexidade e riqueza do vinho principal. Está mais óbvio e fácil na prova, sobretudo nas notas de café e de especiarias que se insinuam no aroma e na polidez dos taninos. É, em todo o caso, um belíssimo vinho, muito saboroso e guloso, e custa quase metade do preço do Grande Reserva.

As vinhas velhas da Quinta dos Frades dão origem ainda a um terceiro vinho, o tinto Lua Nova em Vinhas Velhas, mas este é um projecto do grupo Wines & Winemakers, a que estão ligados Anselmo Mendes e João Silva e Sousa. A produção ronda as 100 mil garrafas. Foram provadas as colheitas de 2010, 2009 e 2008 e, das três, como seria de esperar, a mais excitante é, nesta fase, a de 2008. Para um vinho de cinco euros, está estupendo.

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