Fugas - Vinhos

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Os vinhos brancos do Dão estão na moda e a culpa é do Encruzado

Os grandes intérpretes do Encruzado

"Não sei o que está a acontecer. Agora anda toda a gente a falar do Encruzado". Manuel Vieira, responsável enológico da Quinta dos Carvalhais, da Sogrape, até sabe a razão de tanto interesse por aquela casta branca. Interesse que ultrapassa as fronteiras nacionais, pois há cada vez mais críticos estrangeiros a renderem-se às suas virtudes.

Na verdade, o interesse é pelos brancos frescos e elegantes do Dão, mas quando falámos dos brancos do Dão estamos a falar necessariamente da variedade Encruzado, a melhor casta branca daquela região e uma das melhores do país, juntamente com o Alvarinho do Minho e o Rabigato do Douro. Origina vinhos de aroma contido enquanto jovens mas com uma mineralidade e uma acidez que os fazem envelhecer admiravelmente, estagiando ou não em madeira.

São vinhos que duram décadas, como as experiências feitas pelo Centro de Estudos de Nelas nas décadas de 60 e 70 do século passado comprovaram. Quem olhar para os seus mostos aguados achará isso improvável. Mas, em Portugal, não há vinhos tão longevos como os brancos feitos à base de Encruzado do Dão.

Não é, no entanto, necessário esperar anos para tirarmos prazer desta casta. Nos seus alvores, os vinhos são medianamente aromáticos e revelam um notável equilíbrio entre o volume alcoólico (generoso) e a acidez (como deviam ser todos os vinhos, caso contrário cansam depressa). A sua delicadeza e as sensações frescas e minerais que proporcionam são um bálsamo para o fastio provocado pela tendência actual para produzir vinhos muito frutados, a fugir para o tropical, e de estrutura simples e suave. Com o tempo, os vinhos de Encruzado vão ganhando aromas deliciosos de mel, frutos secos e querosene, mas sem perderem a sua formidável acidez natural.

Para o enólogo Carlos Lucas, da Dão Sul, o vinho de Encruzado representa "o verdadeiro branco da Velha Europa: mineral, com notas cítricas e verdes e sem ser vulgar quando novo, que envelhece bem, ganhando notas apetroladas e amendoadas e mantém sempre uma boa acidez". Tem ainda a vantagem de resultar bem em madeira e em inox. "Ao fim de seis meses em barrica, ainda sobressai a fruta e a acidez. Com outras castas brancas, estávamos a beber madeira", sublinha João Santiago, da Quinta dos Roques.

João Paulo Gouveia, produtor do vinho Pedra Cancela, considera o Encruzado a mais elegante das castas brancas portuguesas". E Manuel Vieira destaca a sua capacidade para ser "trabalhada à boa maneira da Borgonha", em madeira. "É uma casta fantástica, muito mineral e vegetal. Mas é preciso conhecê-la, pois ao contrário de algumas das grandes castas internacionais, como a Sauvignon Blanc, por exemplo, não têm aromas definidos, é pouco exuberante", diz.

Soa a mistério que uma casta assim continue quase só confinada ao Dão, de onde se julga ser natural e onde, em alguns lugares, é também conhecida por Salgueirinho. Que tenha andado tão esquecida na própria região já é compreensível, por mais paradoxal que pareça. O Dão sempre foi uma região muito retalhada com pequenas parcelas de vinha rodeadas de pinhal. Com a vaga de emigração dos anos 60, a região entrou numa fase de definhamento. Os mais velhos continuaram a dedicar-se à viticultura numa base de subsistência e por mero apego à terra, insistindo no granjeio de vinhas com castas misturadas. Quase toda a produção era vendida para meia dúzia de cooperativas e empresas.

Só há pouco mais de 20 anos, com o surgimento de uma nova geração de enólogos e o crescente interesse pelo negócio e a cultura do vinho, é que a região começou a espevitar. Não se pode falar bem de uma revolução, porque o número de bons produtores ainda é reduzido e os agricultores mais velhos continuam a querer desfazer-se das vinhas. Mas o panorama actual é incomparável melhor.

O grande trunfo da região acaba por estar no seu arcaísmo. Como não mudou muito, também não se fizeram muitas asneiras. Os novos encepamentos privilegiaram as castas locais e alguma delas conseguem fazer vinhos capazes de corresponder ao crescente interesse pela diferença e originalidade. Nos tintos, a grande casta é a Touriga Nacional. Não brilha apenas no Dão como se sabe (a fama que tem hoje ganhou-a, sobretudo, no Douro). Mas, se no Douro, é acima de tudo uma casta de lote, no Dão é a única região onde consegue viver sozinha, graças à natureza dos terrenos, em boa parte de granito, e à altitude, o que torna os vinhos mais frescos, mais ácidos e menos alcoólicos.

Nos brancos, como se disse, o protagonismo é assumido pelo Encruzado, que tanto brilha em lote, normalmente acompanhada da Malvasia Fina, do Cerceal, da Bical e, agora menos, da Terrantez, como a solo. Os seus méritos são conhecidos há muito tempo, mas só a partir de meados dos anos 90 é que começou a haver uma aposta consistente nos vinhos brancos e no Encruzado, liderada, acima de tudo, pelas quintas dos Roques, Carvalhais e Cabriz. Produtores como Álvaro de Castro (Quinta da Pellada e Quinta de Saes), João Paulo Gouveia (Pedra Cancela e Casa de Mouraz, neste caso como enólogo)), Peter Eckert (Quinta das Marias) e Júlia Kemper, entre outros, foram engrossando o lote e aumentando a visibilidade dos brancos do Dão e da sua melhor casta, que, curiosamente, tem algumas similitudes com a Touriga Nacional: são ambas completas e, em lote, marcam positivamente o conjunto; e são também muito difíceis na vinha, com uma vegetação retumbante e caótica. Mas na produtividade quem leva vantagem é o Encruzado. "É capaz de produzir 10 toneladas por hectare sempre com grande categoria", assegura João Paulo Gouveia.

Cinco brancos de eleição

Escolher cinco vinhos brancos de excelência do Dão já não é uma tarefa fácil e essa é uma grande notícia. O leque de escolhas possíveis tem vindo a alargar-se nos últimos anos, com a entrada em cena de novos produtores, que estão a dar um novo fôlego à região. Os brancos do Dão ganham com o estágio em garrafa, mas também podem ser bebidos jovens, porque conseguem equilibrar de forma harmoniosa e delicada os dois componentes essenciais de um vinho: a acidez e o álcool. Daí a opção de escolhermos cinco vinhos novos, a maioria da colheita de 2010. Não são o "top five", mas representam o que de melhor se faz no Dão a preços sensatos.

Quinta dos Roques Encruzado 2010
Falar de Encruzado obriga-nos a evocar o nome da Quinta dos Roques. Há quase uma década e meia que o principal branco deste produtor é feito exclusivamente de Encruzado. O estilo serviu um pouco de farol para toda a região. É um dos grandes brancos do Dão. Este de 2010 honra o prestígio da casta e da casa. O aroma está ainda um pouco marcado pela madeira, mas na boca revela um excelente volume e uma grande estrutura. Não é tão mineral como o Quinta de Cabriz, por exemplo, mas é muito equilibrado e igualmente fresco e longo. Deverá estar no mercado dentro de duas a três semanas. 9€

Quinta de Cabriz Encruzado 2010
Um valor sempre seguro. O ano de 2010 foi generoso para a casta Encruzado e este Quinta de Cabriz é disso um bom exemplo. A maior parte do lote passou seis meses em madeira, mas ninguém diria. As barricas de carvalho francês utilizadas não têm a tosta normal, para não marcarem em demasia o vinho. A ideia é fornecer apenas alguma untuosidade ao vinho e, acima de tudo, permitir a sua microoxigenação. O aroma, cítrico e floral, é o típico da casta. Na boca, o vinho mostra fruta mais doce (mas nada em excesso) e uma excelente mineralidade, terminando muito fresco. Para patamares de preço mais elevados, sugerem-se da mesma empresa o Quinta de Cabriz Four C, o Paço dos Cunhas de Santar Vinha do Contador e o Condessa de Santar. 8€

Casa de Mouraz Encruzado 2010
É uma estreia no Encruzado estreme deste produtor do concelho de Tondela, o primeiro a optar pela agricultura biológica no Dão. O projecto arrancou em 2000 e desde 2006 que os proprietários começaram também a utilizar preparados biodinâmicos. A quinta é composta por 10 parcelas de vinha, rodeadas de pinheiros, carvalhos, castanheiros e sobreiros. As uvas são vinificadas por vinha e não por casta, "com o objectivo de procurar a essência de cada terroir". Vinificado apenas em inox, este Casa de Mouraz Encruzado é um vinho com um aroma muito expressivo (mais do que é normal para esta casta) mas que é bem compensado por uma mineralidade assombrosa. É muito fresco, revelando uma grande pureza e subtileza na boca. Um belíssimo vinho. 10€

Quinta de Saes Reserva Branco 2010
Se quiséssemos escolher os melhores brancos do cabaz de vinhos de Álvaro de Castro, teríamos forçosamente que eleger em primeiro lugar o Quinta da Pellada Primus e, logo a seguir, o mais recente Quinta de Pinhanços Altitude, ambos com preços acima dos 20 euros. Ora, por menos de metade desse dinheiro é possível comprar este Quinta de Saes (Encruzado e Cercial), que é igualmente um vinho magnífico. Não passa pela madeira e as borras finas são batidas durante três meses (a chamada "batonnage"). É bastante cítrico e tem uma acidez incrível. Um vinho vibrante e muito gastronómico. 9€

Quinta dos Carvalhais Encruzado 2009
É, a par do Quinta dos Roques e do Quinta de Cabriz, um dos clássicos de Encruzado do Dão. A maior parte do vinho fermentou e estagiou em barricas novas de carvalho francês durante cerca de seis meses e, ao longo deste tempo, foi sujeito a diversas operações de batimento das borras finas (a outra parte fermentou e estagiou em inox). Do lote obtido resultou um vinho muito elegante e sofisticado, com uma boa integração da madeira, que aparece de forma discreta num aroma delicadamente floral e frutado. Tem um excelente volume e uma acidez muito precisa, proporcionado um final de boca bastante agradável e fresco. Ainda vai melhorar durante mais alguns anos, mas já está prontíssimo a beber. Outros brancos do Dão a ter em conta; Julia Kemper, Quintas das Marias, Lagar de Darei Munda, Quinta da Garrida, Pedra Cancela, Quinta do Cerrado e Adega Cooperativa de Penalva do Castelo. 12€

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