Fugas - Vinhos

Vintages de 2009 da Taylor`s, Fonseca e Croft postos à prova

Por Pedro Garcias

Normalmente, só há duas ou três declarações de vinho do Porto vintage clássico por década. Mas a primeiro do milénio foi especial e alguns produtores já vão na quarta: 2000, 2003, 2007 e agora 2009. Pedro Garcias foi provar alguns exemplares desta última.

A Fladgate Partnership sujeitou a exame público os Porto Vintage de 2009 das suas marcas Taylor`s, Fonseca e Croft e ainda o Taylor`s Vargellas Vinha Velha, dando-os a provar a meia dúzia de jornalistas portugueses. E o resultado...

Não era um exame qualquer. Em avaliação, estava uma das mais surpreendentes decisões do sector do vinho do Porto dos últimos anos: a de fazer uma quarta declaração de vintage clássico na primeira década deste milénio. Depois de o ter feito para as colheitas de 2000, 2003 e 2007, a empresa voltou a declarar vintage em 2009, contrariando uma tradição secular. 

Em toda a história de produção de vinho do Porto, só muito raramente houve na mesma década quatro vintages clássicos (vinhos de uma só colheita produzidos em anos de excepcional qualidade e que são engarrafados com as marcas principais de cada casa). A regra é haver duas a três declarações por década. Em 2009, apenas vão declarar Porto Vintage clássico a Fladgate e a Niepoort. O grupo Symington, o líder do sector, vai declarar vintage clássico unicamente para a sua marca Warre´s e por razões históricas, que se prendem com a celebração dos 200 anos das Guerras Peninsulares. 

"Um Porto vintage é uma cápsula do tempo e só o tempo vai dizer se fizemos ou não uma boa aposta. Mas nós acreditamos muito nestes vinhos", sublinhava David Guimaraens, o responsável enológico da Fladgate, negando a existência de qualquer motivação financeira por trás da decisão. "Com um vintage, não se brinca. A decisão foi tomada na sala de provas", assegurou. 

A Fladgate sabe que está a arriscar o seu prestígio com esta declaração, mas David Guimaraens parece muito seguro da opção, ao ponto de afirmar nunca ter feito "vinhos assim, tão aveludados, com tanta gordura de taninos". "São fabulosos. Não têm nada a ver com todos os outros vintages que fizemos desde 1992 [uma colheita lendária para a Taylor`s]", garante. 

A colheita de 2009 ficou marcada por baixos rendimentos na vinha e pela ocorrência de condições meteorológicas favoráveis a uma boa maturação das uvas e à acumulação de elevados níveis de açúcar nos bagos. A forma como a fermentação decorreu, com paragens antes da fortificação (adição de aguardente no mosto), levou os responsáveis da Fladgate a vislumbrarem semelhanças entre o ano de 2009 e a descrição do ano de 1820 feita por Álvaro Moreira da Fonseca, o criador do método de pontuação das vinhas destinadas a vinho do Porto: "Em 1820, as uvas extremamente saudáveis superaram os níveis habituais de maturação, os mostos, extraordinariamente densos, não foram capazes de fermentar uma quantidade considerável de açúcar, resultando em vinhos macios e mais doces que até então, vinhos encorpados e de excelente qualidade. Estes vinhos foram muito bem recebidos pelo mercado inglês." 

Para a prova dos seus vintages de 2009, a Fladgate colocou também em apreciação e confronto os vintages clássicos de 2000, 2003 e 2007 da Taylor´s, Croft e Fonseca e os vintages de 2000, 2004 e 2007 da Taylor´s Vargellas Vinha Velha, permitindo decifrar uma notável consistência de perfil em todas as marcas. Nos Croft, os mais singulares de todos, o que sobressai é o seu carácter floral e químico e a delicadeza de taninos; os Taylor´s distinguem-se pela exuberância da fruta, pela concentração e espessura, pelos taninos impetuosos; os Fonseca impressionam pela complexidade e intensidade de aroma, pela sofisticação, finesse e comprimento de boca; e os Vargellas Vinha Velha (ao contrário dos outros, este vintage é feito exclusivamente com uvas de uma vinha velha daquela quinta, situada no Douro Superior, pelo que não é considerado clássico) são intensamente perfumados e vigorosos. 

Os Vintages requerem tempo para se mostrar em toda a sua plenitude, mas os de 2000 e de 2003 estão já esplêndidos. Os de 2003, sobretudo o Taylor`s, impressionam pela "brutalidade" e intensidade que ainda revelam. Os de 2007 são mais sofisticados, confirmando a excelência do ano. Se tivéssemos que apostar nos vintages que vão durar mais e proporcionar, dentro de 40 a 50 anos, mais alegrias, escolheríamos, com toda a subjectividade da escolha, os Fonseca e os Taylor`s de 2003 e 2007. Mas, se fosse para beber agora, a opção recairia no fantástico Fonseca 2000.

E como se portaram os vintages de 2009? O Fonseca é um vinho de aroma licorado, cheio de sugestões de fruta vermelha muito madura e chocolate amargo, muito vegetal e fresco, com um grande volume de boca e taninos sedosos, mas poderosos, que lhe dão uma estrutura capaz de aguentar o efeito do tempo e o peso do prestígio do rótulo. O Taylor`s é mais delicado e fino do que é normal. Os taninos estão mais polidos e suaves e isso induz uma sensação de falta de poder que pode ser enganadora. Embora não provoque o mesmo "punch" tânico dos seus sucedâneos, tem o volume, a densidade e intensidade que se espera de um vintage novo de grande qualidade. O Croft é o mais "feminino" de todos. Tem uma textura acetinada, fruta muito expressiva e taninos elegantes. Mas parece algo curto e delgado de boca. Finalmente, o Taylor`s Vargellas Vinha Velha é um vinho muito maduro e perfumado, com belos taninos e uma acidez excelente, tendo em conta a origem das uvas. 

Há muitas tarefas fascinantes no mundo do vinho do Porto, mas a maior de todas é a de fazer um lote de vinho (juntar vinhos de várias proveniências) e antecipar a sua evolução futura. Adivinhar num vinho acabado de fazer potencialidades para evoluir dezenas de anos em garrafa e poder vir a alcançar uma qualidade extraordinária é uma competência e um dom só ao alcance de poucos. Bruce Guimarens era um desses prodígios e o seu filho, David Guimaraens, já mostrou estar à altura desse dom familiar. Se ele acredita que os vintages de 2009 da Fladgate são fabulosos, quem somos nós para duvidar? O tempo ditará a sua sentença.


O fabuloso Taylor`s de 1948

A prova dos vintages de 2009 da Fladgate terminou com um jantar na casa particular da empresa e, entre outros vinhos, bebeu-se o admirável Scion, um Porto Tawny com 155 anos que a Taylor`s adquiriu a uma família de Prezegueda, na Régua. Perante este vinho, é difícil haver outro que possa brilhar mais. Mas a empresa guardou uma surpresa e serviu, a fechar, o Vintage de 1948 da Taylor`s. Um Porto do pós-guerra que parece viver uma juventude eterna. Simplesmente extraordinário. David Lopes Ramos iria adorar: o vinho é do seu ano de nascimento e a Taylor`s escolheu-o por isso mesmo. Um belo tributo. 

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