Fugas - Vinhos

Adriano Miranda (arquivo)

O drama do vinho do Porto e do Douro

Por Pedro Garcias

Há uma espécie de tempestade perfeita a formar-se sobre a região do Douro. A decisão de baixar a produção de vinho do Porto de 110 mil pipas para 85 mil pipas nesta vindima vai implicar uma perda de receita de cerca de 25 milhões de euros para os já exauridos viticultores durienses (mais ou menos mil euros por cada pipa a menos), faz recuar o sector a níveis de há duas décadas e lança nuvens cinzentas sobre o seu futuro imediato.

Desde 1992 que não era estipulada uma produção tão baixa de vinho do Porto como a que foi decidida esta semana pelo Conselho Interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP). Nesse ano, o sector culminou um processo de ajustamento desencadeado alguns anos antes para responder a uma escalada de produções excessivas face às reais necessidades do mercado. A medida teve custos pesados, mas foi bem sucedida, porque nos anos seguintes o quantitativo começou a subir de novo, até atingir o pico em 2001, com uma produção autorizada de 154 mil pipas.

O aumento foi exponencial, mas os ganhos foram sendo gradualmente anulados pelo encarecimento dos custos de produção e pela transferência indiscriminada de direitos de plantação das zonas mais altas da região, sem direito a vinho do Porto, para as zonas mais baixas, de classificação superior. Com esta política, a quantidade de vinho do Porto que cada viticultor pode produzir por hectare não tem parado de baixar. Há cerca de 10 anos, um viticultor tinha direito a produzir cerca de cinco pipas de vinho do Porto por hectare, este ano, esse valor vai descer quase para metade.

Em 2010, as vendas de vinho do Porto até correram melhor do que se esperava, com um aumento de 3,1 por cento em relação a 2009. Aparentemente, os resultados caucionaram a decisão tomada pelo presidente do IVDP, Vilhena Pereira, de votar ao lado dos representantes da produção a favor da beneficiação de 110 mil pipas, as mesmas de 2009. O comércio pedia uma diminuição de pelo menos 10 mil pipas, argumentando com a existência de elevados stocks.

Mesmo com 2010 a correr bem, as empresas de vinho do Porto chegaram a Janeiro deste ano com um stock de cerca de 582 mil pipas (ainda assim, o mais baixo das últimas duas décadas), o que corresponde mais ou menos à existência em cave de quatro pipas por cada uma que foi vendida, quando a chamada Lei do Terço obriga a manter em stock três pipas por cada pipa vendida. Para agravar a situação, as vendas nos primeiros meses deste ano apresentam um recuo da ordem dos 3,8 por cento.

Face à evolução do negócio, era de esperar uma diminuição significativa no montante de vinho do Porto a produzir este ano. Mas proceder a uma redução de cerca de 22,5 por cento, mesmo que corresponda às intenções de compra apresentadas pelas empresas e cooperativas, equivale quase a uma sentença de morte para milhares de viticultores. E dá também uma imagem perigosa sobre a solidez do sector, que tem sido incapaz de segurar os preços junto do consumidor final (foi assim que o Xerez se afundou).

O presidente do IVDP, está claro agora, errou o ano passado ao validar, contra a opinião do comércio, a produção de 110 mil pipas, quando todos os indicadores económicos aconselhavam a um ajustamento por baixo, para facilitar o escoamento dos stocks e suster os preços junto da produção. E errou de novo este ano ao votar ao lado do comércio uma redução tão drástica do quantitativo de vinho do Porto, contra a opinião dos representantes da produção.

Se houvesse racionalidade económica no negócio, a redução poderia conduzir a uma subida dos preços das uvas e do vinho. Mas não é de esperar que isso aconteça.

Alguns dos importantes operadores entraram numa política suicida, só para ganhar quota de mercado aos seus concorrentes. Têm vindo a baixar sucessivamente os preços no consumidor final e a pagar menos aos lavradores, arrastando, assim, o sector para o abismo. E as dificuldades de acesso ao crédito dificilmente permitirão aumentos de preços.

Produzir menos 25 mil pipas de vinho do Porto pode, pois, ter consequências devastadoras para o Douro. Castigar uma região já em crise com uma redução de 22,5 por cento no seu principal rendimento, em paralelo com a austeridade imposta pelo pedido de ajuda externa do país, é dramático e quase imoral. Além de uma perda imediata de rendimento, a região passa a ter mais 25 mil pipas para vinho DOC, que já é excedentário no Douro. Ora, se em 2010 já houve empresas a pagar menos de 20 cêntimos por cada quilo de uvas (valor que não paga a vindima), é de esperar uma situação ainda pior este ano.

Como as coisas estão, passar de 110 mil pipas de vinho do Porto para 85 mil pipas pode fazer morrer o doente pela cura e não pela doença. A política certa era fazer um ajustamento faseado, que deveria ter começado já o ano passado. Mas ao Douro têm faltado dirigentes com visão e imunes ao pequeno interesse pessoal e partidário. E, como se não bastasse, o Estado tem vindo a estimular e a financiar novos plantios, quando a procura aconselhava uma redução substancial da área de vinha.

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