A rotina diária de milhares de portugueses inclui, a certo ponto, fazer uma pausa na azáfama para tomar um café e comer um pastel de nata. Nem que seja de pé ao balcão de uma pastelaria, e com uma pressa inimiga da degustação, esta combinação não deixa de ser um momento de prazer, pela atracção de dois opostos que se complementam.
O café conquistou, por direito próprio, o lugar de eleição para acompanhar o pastel de nata, mas será que há outras bebidas que "casem" bem com este ícone da pastelaria nacional? Foi precisamente esta a pergunta que passou pela cabeça dos responsáveis da Pastelaria Aloma, em Lisboa, que estavam desejosos de saber qual dos vinhos generosos portugueses poderia ser o melhor acompanhante do seu pastel de nata.
Esta "conversa de café" passou da palavra à prática e foi organizada nesta semana uma prova na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa. O desafio foi lançado a 24 jurados, entre eles jornalistas, gastrónomos, escanções, chefs e restauradores, com o objectivo de votar na melhor harmonização entre um vinho e o pastel de nata da Aloma.
A prova incluiu 20 vinhos generosos portugueses: nove Porto (Andresen Branco 10 anos, Cruz Tawny 10 anos, Dalva Branco Seco Reserva, Dalva Colheira 1995, Dalva Tawny Reserva, Graham's The Tawny, Ramos Pinto Lágrima, Ramos Pinto LBV 2005 e Taylor's Tawny 20 anos), três Moscatel de Setúbal (Bacalhôa 2005, Bacalhôa Moscatel Roxo 2000 e Domingos Soares Franco Colecção Privada 1998), três Madeira (Blandy's Malvasia Colheita 2004, Justino's Colheita 1999 e Justino's Reserva 5 anos), dois Moscatel do Douro (Adega de Favaios 10 anos e Quinta do Portal Reserva 1996), dois licorosos (Mouchão 2006 e Angelica dos Açores) e um Abafado (Quinta da Alorna 5 anos).
E se é preciso fôlego para ler o parágrafo anterior, imagine então o necessário para passar um final de tarde a avaliar estes 20 vinhos. Ou melhor, a apreciar a sua ligação ao pastel de nata da Aloma (massa folhada estaladiça, creme suave, sem canela e açúcar). Mas afinal os vinhos generosos são ou não um bom acompanhamento?
A resposta à pergunta dependerá, obviamente, do gosto pessoal, mas dir-se-ia que vale a pena explorar esta harmonização entre os pastéis de nata e os vinhos generosos, até porque é uma boa forma de dar uso às garrafas que quase todos acumulam em casa, mas a que poucos dão "vida".
Há vinhos generosos que claramente não se dão bem com os pastéis. Os próprios produtores recusaram-se a apresentar qualquer Vintage a concurso, argumentando que este tipo de Porto não acompanha bem doces com ovos. Dos que estiveram em prova, alguns também pareceram desadequados, como o Mouchão (demasiado doce) ou o LBV.
Já os Madeira, Moscatel e Porto Tawny surgiram como combinações bem interessantes, oferecendo um bom contraste com o doce e cremoso do pastel de nata.
Somando as votações de todos os elementos do júri, venceram ex aequo o Abafado Quinta de Alorna 2005 e o Moscatel de Setúbal Bacalhôa Moscatel Roxo 2000. Em segundo lugar, e também empatados, ficaram o Madeira Justino's Colheita 99 e o Porto Dalva Colheita 95. O pódio ficou completo com Porto Andresen Branco 10 anos.
O abafado (vinho cuja fermentação foi interrompida através da adição de aguardente vínica) acabou por ser uma surpresa, mas deverá agradar a quem não gostar de contrastes tão fortes.
É certo que aqueles que vêem como perfeita a ligação entre o doce/cremoso do pastel e o torrado/ amargo do café provavelmente não a trocarão por nada. Mas também é garantido que não custa nada experimentar novas sensações. Por isso, o melhor mesmo é ir desafiando o seu palato. O conselho de amigo é que não prove os vinhos todos no mesmo dia, sob pena de o prazer dar lugar ao enjoo.