Fugas - Vinhos

Brancos obrigatórios

Por Rui Falcão

Nunca os vinhos portugueses foram tão acertados no preço, nunca a oferta foi tão variada, nunca a qualidade geral foi tão virtuosa e consistente. Como o tempo ainda parece estar de feição, eis algumas sugestões de vinhos brancos acessíveis.

Para muitos as férias já terão terminado ou estarão prestes a terminar. Com o início de Setembro regressam também as preocupações mais prosaicas da vida, o retomar da rotina do trabalho, o regresso ao período de aulas, o resgate da ditadura dos horários, o regresso ao trânsito e às preocupações diárias, mais a mais este ano ensombradas pelas perspectivas pouco animadoras de novos aumentos de impostos, novos cortes nas regalias sociais, novos apertos e novos anúncios pouco animadores para a generalidade da nação.

O regresso à dura realidade do dia-a-dia não significa, porém, a obrigação de ter de renunciar aos prazeres da vida, resumindo a existência a um comportamento de mera sobrevivência. Tal como a sabedoria popular tão bem o define, tristezas não pagam dívidas, e há que assumir uma postura positiva na vida, encarando o regresso à rotina com alguma bonomia... aceitando a crise não como uma fatalidade, mas sim como uma oportunidade para reformar o que estava menos bem.

Sim, o regresso de férias, a par da crise vigente, da perda de rendimento das famílias, com as reformas fiscais anunciadas e com a inevitável apreensão que se instalou na sociedade, implica que a disponibilidade e a vontade para gastar dinheiro em vinho irá certamente diminuir. O que, evidentemente, não significa para a maioria que se abandone de vez o prazer do vinho. Designa simplesmente que o consumo terá de ser mais espaçado no tempo, que o orçamento disponível por garrafa será menor e que a escolha do vinho terá de ser ainda mais criteriosa.

Felizmente, nunca como hoje se fizeram tão bons vinhos em Portugal... vendidos, para cúmulo, a preços tão acertados. Se há pouco menos de uma década muitos dos vinhos portugueses eram propostos a preços inconsequentes, sem qualquer correlação com a qualidade intrínseca dos vinhos, alimentando-se do novo-riquismo que então grassava na sociedade portuguesa, sentimento típico do deslumbre de uma sociedade que pela primeira vez se julgava rica, hoje são poucos os produtores e distribuidores que não adaptaram os preços à racionalidade da realidade actual.

Por outras palavras, nunca os vinhos portugueses foram tão acertados no preço, nunca a oferta foi tão variada, e nunca a qualidade geral foi tão virtuosa e consistente. Por isso, nestas semanas que ainda sobejam do Verão, experimente vinhos novos ou reviva os clássicos, sem se privar da companhia dos vinhos portugueses. As propostas tentadoras abundam, de todos os estilos e feitios, de todas as regiões, dos mais caros aos mais baratos, dos mais sofisticados aos mais despretensiosos.

Como o tempo ainda parece estar de feição, dedico o rol de sugestões aos vinhos brancos acessíveis, o capítulo onde os vinhos nacionais mais e melhor evoluíram, passando de uma postura de pura desconsideração a estrela maior do firmamento. Se estiver na ilha da Madeira, poderá encontrar com maior facilidade que em Portugal continental o Primeira Paixão Verdelho 2010, nascido de uma parceria entre os enólogos Rui Reguinga e Francisco Albuquerque - que talvez seja um dos enólogos de renome menos mediáticos de Portugal, embora seja, certamente, um dos melhores enólogos de vinhos generosos em Portugal.

Não por acaso, é o único que já arrecadou, em três anos consecutivos, o título internacional de "Enólogo do ano de vinhos generosos", outorgado pelo prestigiado concurso Wine Chalenge, bem como o troféu "Len Evans" que premeia a consistência de qualidade na produção por mais de cinco anos consecutivos, um dos troféus mais ambicionados do mundo do vinho. Em 2010, o Primeira Paixão Verdelho veste-se de cor amarela palha muito clara, quase incolor. Mostra-se fresco e directo, expressivo mas contido na exuberância, relativamente mineral, preciso e fino na boca, com um final incisivo e alegre.

Lisboa também tem vinho e o Quinta da Murta Clássico, aqui na colheita de 2009, nasceu mesmo às portas da cidade, em Bucelas, enfarpelado numa tonalidade amarela limão. Destaca logo de início as notas da barrica que aparecem bem compostas, acrescentando gordura, peso e complexidade, sem nunca se sobrepor ao vinho, engrossando simplesmente a voz deste Quinta da Murta, sem nunca o descaracterizar. Mineral e bem constituído, sólido mas fresco, é um exemplo perfeito do potencial da casta e da região.

Também da denominação de Lisboa, embora mais longe da cidade, ali bem perto da Aldeia Galega, na Merceana, recomenda-se o Chocapalha Reserva branco de 2010, um branco curioso que se expressa melhor na boca do que no nariz, anunciando uma boca enxuta e revigorante, ampla e firme, tensa e mineral, com um final de boca empolgante pela força e frescura da acidez. Um branco diferente que beneficia do arejamento e que melhora quando bebido em copo de tinto.

Ainda mais surpreendente está o Casal da Coelheira de 2010, um branco ribatejano arrebatado mas sensível, supinamente fresco e mineral, floral e silvestre, muito discretamente vegetal, aflorando um tipo de frescura pouco frequente nos vinhos brancos nacionais. Seco e quase mastigável, termina tenso e severo... embora harmonioso. Uma belíssima e grata surpresa que chega do Tejo... apesar de a denominação nos brindar com outros vinhos brancos de relevo. Um deles, o Quinta da Lagoalva Talhão 1, também da colheita 2010, apresenta-se fresco, directo, aromático e fervoroso na demonstração floral e frutada. Simples mas francamente cativante, fresquíssimo e reconfortante no Verão, qualifica-se como um branco perfeito para as conversas nos dias quentes à beira da piscina ou à roda de uma mesa, com ou sem comida por perto.

Mas o mais imprevisto e alegre de todos os vinhos brancos deste ano será, muito provavelmente, o JP branco 2010, da Bacalhôa, um branco despretensioso e discreto, com um preço de venda ao público que raramente ultrapassa os 2€, e que se anuncia inebriante no perfume do lote feliz entre a casta Moscatel e Fernão Pires, variedades que lhe transmitem uma formosura inesperada... que a boca logo confirma com o viço da acidez, sem permitir que os aromas terpénicos do Moscatel o tornem enjoativo. Melhor relação qualidade/preço é impossível!

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