Fugas - Vinhos

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    Manuela "Barriguda" (Fernandes) prepara o pão na sua padaria Adriano Miranda
  • O pão da Padaria Manuela Barriguda
    O pão da Padaria Manuela Barriguda Adriano Miranda
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Em nome do vinho e do pão

Por Andreia Marques Pereira

Por estes dias, Favaios não foge ao ritual do Alto Douro e ostenta a sua tradição vinhateira como cartaz turístico. Fomos ver as vindimas, as a sério e as para turistas, visitámos a adega e a enoteca e, para um final feliz, juntámos o pão ao vinho.

É uma pequena vila irredutível que, cercada de vinho do Porto por quase todos os lados, resiste e põe no mapa o moscatel. Mas não era para ser assim. Há muito que a casta, moscatel galego, era ali cultivada; há muito que o moscatel ali produzido era famoso, mas nos anos 30 do século XX, sofreu um duro revés.

A Casa do Douro restringiu a produção de generosos a partir dos 500 metros de altitude ou seja, a adição de aguardente vínica, que resulta no vinho do Porto e no moscatel, deixou de ser possível ali naquele planalto inesperado, localizado a 630 metros, depois de paisagens de profundos vales vencidos pelos socalcos que são a imagem de marca do Alto Douro vinhateiro.

Parecia um beco sem outra saída que não a crise social e económica, que se instalou até que, em 1952, se formou a Adega Cooperativa de Favaios. E se o moscatel de Favaios, é dele que falamos, era conhecido, agora o "Favaios" é o moscatel duriense mais conhecido.

Tanto que Favaios mais depressa remete para o moscatel do que para a localidade onde é produzido; tanto que Favaios, mais do que marca, passou a representar o produto mais do que um moscatel do Douro, é "o" moscatel do Douro, bebida de limpidez dourada, sabor "glicerinado" de doce de mel e compotas, com alguns toques de laranja, dizem os entendidos.

A adega

Por estes dias, o Douro veste-se com os seus trajes de festa (verdes, amarelos, vermelhos, cobrem as videiras) e está em ebulição, como qualquer região vinícola portuguesa. Uma ebulição nem sempre óbvia, mas que está lá.

É verdade que já (quase) não se ouvem os cantares, as concertinas, as braguesas quando se ouvem, é para turista ver, porém, percorrem-se as estradas entre os vinhedos e vêem-se camionetas na borda das vinhas ou a cruzar as estradas carregadas de uvas.

As vindimas estão na rua e em Favaios, onde estamos, desembocam na Adega Cooperativa, o pólo centralizador de toda a azáfama laboral. E um dos núcleos por onde se desenvolve o enoturismo, numa lógica de cooperação, explica Rui Marques, director comercial da adega, que com 550 associados é um caso de sucesso, numa região onde outras adegas cooperativas fecharam ou sobrevivem a muito custo.

É meio-dia e meia e há um miniengarrafamento no exterior da adega, onde nos cruzamos com um grupo de 50 americanos, alguns já com cachos na mão, saboreando uvas. Tractores e carrinhas de caixa aberta esperam a sua vez de entregar as uvas, que entram como que numa linha de montagem altamente moderna.

Tudo começa com um primeiro controlo de qualidade, para medir o teor alcoólico. Já catalogadas, as uvas seguem para a pesagem e depois entram nos pegões e seguem em tapetes rolantes para o "desengaçamento" (bagos para um lado e tudo o resto para o outro) e a prensagem.

Dentro da adega, a temperatura desce no meio das cubas de metal de tamanho XL, com plataformas altas ligando-as como tentáculos futuristas. São refrigeradas e monitorizadas por computador.

Depois de prensadas, as uvas viram mosto e começa a fermentação num canto, há mosto para "turista" ver: parece uma sopa gigante, "de grão", diz alguém, e ilude (pode saber a "sumo", mas é forte) que dura "dois a quatro dias", transformando o açúcar em álcool.

Depois deste processo, começa o envelhecimento, em depósitos de inox ou de madeira, dependendo do perfil vinho. No final, há moscatel duriense (Favaios e Favaítos, Colheitas e Reserva) mas este não está só na adega: há também vinhos de mesa (DOC e regional duriense), espumante, vinho do Porto e Late Harvest (na verdade, produzem-se vinhos necessários para acompanhar uma refeição, antes, durante e depois).

As vindimas

Começamos pela adega, mas isso é começar a meio do ciclo de vida do vinho. Depois há o engarrafamento, a distribuição e, claro, o consumo. E antes, o trabalho no campo, que por estes dias está no auge e é também o fim do ciclo. Porque depois tudo recomeça e Olga Carvalho conhece bem essa rotina, trabalha durante o ano inteiro nas vinhas. O mesmo não diz Maria Nazaré Coutinho, que está com o marido e os dois filhos, que vêm "ganhar dinheiro para os livros" (o mais velho está a caminho da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o mais novo está a dois dias de mais um início de ano lectivo, no 9.º ano): faz apenas as vindimas (o resto do ano trabalha em casa) e começou com sete anos. Os cestos, com "60, 70 quilos" não são fáceis de carregar, mas aqui as vindimas nem são "difíceis" a planura é mais benevolente do que os socalcos.

Encontramo-los de manhã, um grupo de vizinhos vindos de Sedielos. Todos os dias vão e vêm: começam nas vinhas às sete da manhã e terminam às quatro da tarde. É o horário normal de vindimas por aqui e até meados de Outubro, pelo menos, sabem que este será o seu dia-a-dia, sem a "alegria de outros tempos", quando as cantorias animavam o trabalho e as viagens.

Na tarde anterior, aproximavam-se as quatro horas e um tractor, que já tinha espaço para passar entre as videiras, avançava a recolher os baldes maiores, que depois são transferidos para contentores numa carrinha e seguem para a adega e esse é o trabalho dos homens. Para as mulheres, de roupas escuras, aventais e chapéus de palha ou pano, idade avançada e vida com as mãos na terra ou tesoura na mão, o dia de vindimas termina a esta hora. Voltam a Sanfins do Douro, onde o fim da cooperativa trocou as voltas a muita gente "a nossa adega foi embora e os compradores dizem que não querem [as uvas]" e fá-las falar na volta dos "tempos antigos".

Com algumas diferenças: por exemplo, "agora os compradores vendem bem o vinho mas aos lavradores dão o que querem, uma bagatela". Aqui, trabalhando para outros, não sabem quanto vão ganhar, mas "confiam nos patrões". Se tudo correr como nos outros anos, revelam, esperam "30, 35 euros por dia".

Quando o dia de vindimas já vai a mais de meio, na Enoteca do Douro (na Quinta da Avessada, Favaios), o dia está a começar para os participantes no programa de vindimas aqui promovido. Quando a visitámos, aguardavamse os convidados do Douro Film Harvest (este ano com um pólo em Favaios e com a adega como um dos patrocinadores) quando saímos chega Júlio Pomar e já há movimento no relvado das traseiras, vista para os vinhedos circundantes e guarda-sóis brancos a aguardar o "aperitivo": um Moscatel de Honra, a primeira etapa do programa que entre Setembro e Outubro anima o espaço da primeira enoteca interactiva da Península Ibérica.

Nos campos em redor os "rogas" (trabalhadores) não sabem quanto vão receber pelo seu trabalho, na enoteca os participantes pagam 55 euros para viverem uma experiência de vindimas tradicionais. Depois da recepção, balde e tesoura na mão e uma visita aos vinhedos para o corte das uvas ao som de concertinas.

Uma hora no campo e depois a visita à Adega de Favaios que antecede um almoço regional, novamente na Quinta da Avessada pataniscas com arroz de feijão, alheira e grelhados mistos, enumera Luís Barros, responsável pelo projecto.

À tarde, a prova documentada de vinhos licorosos dá o alento para a pisa das uvas acompanhada por um grupo de cantares e o dia termina com um lanche típico ("à base de fumeiros"), regado a vinhos do Douro.

Quando não há vindimas, a Enoteca do Douro, que tem 30 produtores e engarrafadores do Douro associados e uma "biblioteca" de vinhos que representa toda a região, não pára, recorrendo à tecnologia para recriar o modo de vida da região, os seus costumes e tradições. As paredes de xisto de um armazém onde "há cem anos já se produzia moscatel de forma industrial", conta Luís Barros, guardam uma "montra" para os vinhos aqui representados e para o passado com manequins robotizados a, por exemplo, simular a pisa da uva tradicional.

O pão

Conhecíamos o moscatel, já descobrimos outros vinhos e preparamo-nos para provar outra das especialidades da terra, o pão de Favaios, o trigo de quatro cantos.

Há oito padarias a laborar aqui, a mais conhecida é a de Manuela "Barriguda" (Fernandes) quando é fotografada, pá em riste, à beira do forno, tira-nos as palavras da boca: "Pareço a padeira de Aljubarrota", brinca. Anafada e rubicunda recebenos com a primeira fornada de pão quase a sair serão 500 hoje (0,40 euros cada).

No dia seguinte, sexta-feira, serão mais de mil e o trabalho vai entrar pela noite fora dela e da filha, ali na padaria tradicional (azulejo branco, balcão de madeira e mármore e nada mais na parte da "loja", mais azulejos brancos, balcões despidos e amassadeira eléctrica nas traseiras, onde os dois fornos a lenha, aquecem o ar). O marido está na distribuição, a outra filha também ajuda ocasionalmente, e os netos também não o recusam.

Quando lhe dizemos que corre na vila que o seu pão é o melhor, encolhe os ombros: o segredo é a farinha, de trigo, nunca corrigida.

"A farinha que a minha mãe já gastava", conta ela que herdou o ofício dos pais (o pai já era o "Barrigudo") aos sete anos e nunca quis fazer outra coisa (excepto aprender a ler). Mostra com orgulho o calo na mão, "de bater a massa", e faz a demonstração: os movimentos ágeis compõem rapidamente o pão, forma de laço, grande há uns mais pequenos, feitos para as crianças, "mimos" que Manuela oferece.

Não vimos o teatro de rua (pela Oficina de Teatro de Favaios, fundada em 2006) que também anima Favaios, normalmente em espectáculos defronte do Museu do Vinho e do Pão, ali nas imediações dos antigos paços do concelho (a vila teve foral e foi sede de concelho agora pertence a Alijó), mas este está fechado para obras. No entanto, cumprimos quase todo o circuito mais ou menos integrado do enoturismo de Favaios e tivemos um inesperado momento eucarístico. Na padaria de Manuela "Barriguda" comemos o pão quente com manteiga a derreter e vinho moscatel "caseiro" a acompanhar.

É assim que sabe melhor, diz ela. É assim Favaios, "aldeia vinhateira", que é vila ancestral, onde se caminha entre casas brasonadas e muita história a descobrir. Em tempos de vindimas e não só.


Como ir

De Lisboa: Apanhar a A1 até Albergaria-a-Velha; aí seguir a A25 para Viseu. Entrar na A24 em direcção a Vila Real e sair em Armamar/Valdigem para o Pinhão. Daí a Favaios são 14 km pela EN 322-3.

Do Porto: Seguir para a A3 e tomar a A4 para Vila Real. Continuar pelo IP4 e sair em direcção à EN 15. Seguir depois pela EN 212 em direcção a Alijó e continuar na 322-3 para Favaios.


DIRECÇÕES

Padaria Manuela Barriguda
Rua do Cimo da Rua - Favaios
Tel.: 259 949 101

Enoteca do Douro
Quinta da Avessada
Rua Direita, 26 - Favaios
Tel./fax: 259 949 289
E-mail: avessada@enotecadouro.com
www.enotecadouro.com

Adega Cooperativa de Favaios
Lugar dos Pousados -M Favaios
Tel.: 259 949 166; Fax: 259 958 345
E-mail: geral@adegafavaios.com.pt
www.adegadefavaios.pt

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