De modo que o projecto, com direcção enológica de Carlos Magalhães, andou depressa. O primeiro vinho foi feito em 2007 e em 2010, já com uma pequena adega em funcionamento, a produção chegou perto das 100 mil garrafas (quase todas vendidas, mas nem todas recebidas: bem-vindo senhor dr. juiz à dura realidade do negócio do vinho!), levando a Revista de Vinhos a eleger o Monte da Raposinha como o produtor revelação desse ano.
Uma pequena parte dessas 100 mil garrafas é vendida com a marca Furtiva Lágrima, nome inspirado na ária da ópera L' elisir d' amore, de Donizetti. Além de juiz e gourmand, Nuno Ataíde é amante do bel canto, praticando-o socialmente. Lágrima Furtiva é o topo de gama da casa, um tinto que sai da adega a quase 30 euros a garrafa! E tem compradores. Mas, afinal, que receita está por trás deste projecto de êxito tão fulgurante? Muita coisa: paixão, ousadia, risco, muitos e bons amigos, culto da qualidade, acima de tudo. Foi essa preocupação pela qualidade que levou Nuno Ataíde a arrendar duas vinhas na zona de Portalegre, onde vai buscar a frescura que lhe falta em Montargil, embora a proximidade da albufeira ajude a suavizar a calidez da região.
Os vinhos do Monte da Raposinha não escondem o berço, mas possuem essa rara virtude da fresquidão que escapa a tantos outros da mesma origem geográfica. Pelo menos aqueles que, no passado dia 18, se provaram no restaurante Foz Velha, no Porto, tinham esse traço distintivo. O pretexto era a apresentação do Furtiva Lágrima 2008, mas um excelente menu elaborado pelo chef Marco Gomes abriu também caminho à degustação do branco e tinto Monte da Raposinha 2010 e do Athaíde Reserva Branco 2010. A gama de vinhos inclui ainda a marca Nós, destinada a volumes maiores.
O Monte da Raposinha branco (7€), feito de Arinto e um pouco de Sauvignon Blanc, é um vinho correcto, com aroma cítrico e exótico, bom volume de boca e acidez bem balanceada. Ganhava se tivesse um pouco menos de álcool (13,5%). O Athaíde Reserva (12€) é mais vinho, curiosamente menos pesado que o anterior, apesar de ter fermentado e estagiado em barrica. Tem um belo aroma e é apimentado na boca. No entanto, a madeira intromete-se demasiado no vinho, não sendo seguro que o tempo em garrafa venha a garantir uma melhor integração. Já a ligeira turbidez que o vinho apresentava é corrigível, segundo garantiu Nuno Ataíde.
Mas o que valeu mesmo foram os tintos. Não se provou o Athaíde, no entanto, o Monte da Raposinha 2010 e o Furtiva Lágrima 2008 deixaram uma boa e impressiva memória. O colheita (9€), lote de Syrah, Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Aragonês e Trincadeira, é um vinho apaladado, fresco, guloso e com estrutura e gabarito para enfrentar uma boa mesa. O Furtiva Lágrima já pode ser considerado um grande vinho do Alentejo. Não é barato, mas, se há pessoas que o compram, é porque merece o dinheiro.
Feito de Touriga Nacional e Alicante Bouschet, passou 13 meses em barrica nova de diferentes tanoarias francesas. Não é um vinho óbvio e imediato, o que só abona em seu favor. É até algo austero. Mas possui uma fruta bem definida, excelente acidez e delicadas notas especiadas, que na boca chegam a ser picantes.
Tendo em conta os gostos líricos do seu criador, é um vinho que enfeitiça, como a poção do amor que o rústico Nemorino comprou para conquistar Adina, em L' elisir d' amore. Mas, ao contrário da poção do amor da ópera de Donizetti, que era, afinal, um vinho barato que um vigarista vendeu ao inocente Nemorino, o Furtiva Lágrima de Nuno Ataíde é um vinho a sério. Tão a sério que, como escreveu David Lopes Ramos em relação ao Furtiva Lágrima 2007, faz "pensar numa lebre com nabos e grão".