Estamos habituados a ouvir o treinador de futebol Pedro Emanuel a falar de movimentos ofensivos, de recuperações, de transições rápidas e todo esse jargão da especialidade. Mas há outros "bancos" onde ele se sabe sentar para dar as suas tácticas: os que ficam ao lado de uma mesa e têm o vinho como denominador comum.
Quando era miúdo, Pedro Emanuel ajudava a vindimar a vinha do avô, em Vila Cova, Vale de Cambra. Poderá ter nascido aí, na pisa das uvas, no convívio dos cantares ou na condução da junta de bois, a sua paixão pelo vinho. Mas o actual treinador da Académica, que nasceu em Angola e, em 1975, aos 3 anos de idade, regressou à Metrópole, encontra uma explicação mais tardia, quando era já adulto e futebolista em clubes como o Boavista ou o FC Porto (passou ainda pelo Marco, Ovarense e Penafiel).
Tinha, e continua e ter, um grupo de amigos, que incluía outros futebolistas famosos, apreciador de refeições em que o vinho surge em destaque. "Fui cultivando o gosto, tentando conhecer. Havia muito a febre de fazer uma garrafeira em casa e eu fui acumulando garrafas na garagem", conta à Fugas, na sua loja Wine O'Clock, em Matosinhos. O estereótipo sobre o futebolista de sucesso inclui casas sumptuosas e carros caríssimos, mas Pedro Emanuel foge-lhe ao admitir que o vinho "é sem dúvida o maior investimento" da sua vida.
Hoje com 36 anos de idade é o sócio maioritário da garrafeira Wine O'Clock, em conjunto com António Nora e Francisco Freitas. Para além da venda ao público, que arrancou em 2007, a empresa tem um braço dedicado à distribuição, a Wine Direct, que comercializa apenas produtos exclusivos nacionais e estrangeiros. As lojas Wine O'Clock existem em Matosinhos, Lisboa e Vila do Conde. Nesta última, com uma grande presença de produtos outlet, um conceito algo original numa garrafeira. Existiu uma Wine O'Clock em Aveiro que não resultou e Pedro Emanuel adianta que está prevista a abertura de mais duas lojas, mas não diz onde.
O segredo continua a ser a alma do negócio e o negócio continua a ser uma paixão de Pedro Emanuel (nos dias de hoje chama-se a isso empreendedorismo). Uma queda que admite ter-lhe sido transmitida pelo pai. Antes de se ter dedicado à comercialização de vinhos, Pedro Emanuel estreou-se como empresário com um laboratório de análises clínicas, em conjunto com a irmã e o cunhado, entretanto vendido.
O sucesso que está a ter na Académica obriga-o a ficar duas noites por semana em Coimbra. O resto dos dias passa-os na Wine O'Clock, o que significa, por vezes, marcar presença ao fim-de-semana, quando a loja realiza boa parte dos seus eventos. "Dá-me muito trabalho. Retira-me muito tempo." Não admira, portanto, os protestos da sua mulher por dedicar tanto tempo ao negócio do vinho. É ainda a ela que Pedro Emanuel recorre quando pretende um determinado prato para acompanhar um vinho. Sim, a lógica do antigo futebolista é esta e não a contrária.
Entre as regiões preferidas de Pedro Emanuel, o Douro está em primeiro lugar. "Adoro o Douro. Para mim tem os melhores vinhos", avalia, acrescentando que tanto aprecia os clássicos como as esperanças entretanto convertidas em certezas da nova vaga. Um dos seus preferidos é o Charme, o tinto duriense que Dirk Niepoort concebeu a partir de uma inspiração borgonhesa. "Para mim, é uma referência", diz o treinador. E aqui fica uma boa notícia para os amigos: "Quando tiver colheitas de 10 anos vou fazer uma prova vertical com os amigos para ver a que gosto mais. Também gosto de partilhar." Ainda nas suas preferências, acrescenta ao Charme o Vale Meão, o Quinta do Crasto e uma sentença: "O Barca Velha não é o único melhor vinho português; nomeio qualquer um destes três para se bater com ele."
Um pouco mais a Sul, também admira um Baga bairradino. "Os vinhos da Bairrada têm-me surpreendido bastante e mesmo os próprios espumantes." Por vezes, agrada-lhe beber alguns vinhos estrangeiros, nomeadamente franceses e californianos, mas depressa volta a homenagear as produções portuguesas. E uma vez mais ruma ao Douro: "o vinho do Porto é uma das coisas que mais gosto de provar. Adoro vintages, é uma grande paixão", diz. Um dos que mais o impressionou recentemente foi um Quinta do Vesúvio Vintage 2005. Alguns apreciadores consideram este vinho ainda demasiado jovem para ser consumido já, mas Pedro Emanuel confessa que este Vesúvio lhe encheu os sentidos: "Surpreendeu-me. Não contava que estivesse tão bom."
Vinhos Verdes e destilados é que não fazem muito o seu género. Nem exclusivamente aquela classe de vinhos que se podem associar ao perfil de rendimentos dos homens de sucesso no futebol. O dia-a-dia de Pedro Emanuel não é feito apenas com o consumo de vinhos caros, que deixa para as grandes datas ou para os momentos de partilha com a família ou os amigos. O treinador é um consumidor regular, tem por hábito beber ao jantar, quando já concluiu a sua jornada de trabalho e no quotidiano um dos vinhos que mais consome é o Monte Cascas, que custa cerca de quatro euros e é distribuído pela sua empresa.
Como empresário, poderia imaginar-se que Pedro Emanuel desejaria que os vinhos saíssem para o mercado o mais rapidamente possível para que o consumidor os comprasse logo e bebesse de imediato. Nada de mais errado. "Não gosto de vinhos novos, nem brancos nem tintos. É raro beber um branco do ano. Acho que nós apressamos muito o consumo dos vinhos e principalmente dos brancos. Os franceses dão-nos algumas lições a esse respeito." Na sua garrafeira, dá conta que os vinhos de uma determinada marca que chegam ao mercado levam os consumidores ao esquecimento das colheitas anteriores. Pedro Emanuel encolhe os ombros perante esta tendência, pela procura sistemática da novidade. Para ele, um tinto sem três ou quatro anos de garrafa é ainda um projecto de vinho.
Se o seu negócio suscita outros interesses que não o do prazer ou o da paixão pelo vinho, é em pormenores como este que se comprova a dedicação deste homem do futebol à enofilia. A sua experiência na Wine O´Clock abriu-lhe sem dúvida horizontes e trouxe-lhe conhecimentos específicos, mas a raiz da inquietude que o leva a perscrutar aromas, a correlacionar marcas ou estilos e a conceber ligações entre vinhos e comida são bem menos prosaicas. Claro que ele há-de gostar de falar de avançados e de defesas, de talento ou de esforço físico, mas também não há dúvidas que quando fala de vinho se lhe nota aquela emoção que antecede as grandes partidas.
"Adoro a região do Douro. Para mim tem os melhores vinhos. E não gosto de vinhos novos, nem brancos nem tintos. É raro beber um branco do ano. Acho que nós apressamos muito o consumo dos vinhos e principalmente dos brancos. Os franceses dão-nos algumas lições a esse respeito"