Fugas - Vinhos

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  • António Loureiro, Tony Smith  e enólogo Rui Cunha
    António Loureiro, Tony Smith e enólogo Rui Cunha Pedro Granadeiro/nFactos
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O renascer da bela Covela

Por José Augusto Moreira

Depois de quase perdida no meio do imbróglio do BPN, a Quinta da Covela está de volta graças ao investimento vindo do Brasil. Foram recuperadas vinhas, as equipas de enologia e agricultura e os novos vinhos já aí estão. Distintos e elegantes como os anteriores.

É uma espécie de conto de fadas do mundo dos vinhos. A Quinta da Covela é uma das mais belas propriedades do Entre-Douro-e-Minho e os seus vinhos constituíram um caso de raro (e rápido) sucesso nos anos 1990 mas a posterior envolvência num projecto imobiliário, a crise financeira e o cruzamento com o imbróglio do banco BPN atiraram-na para o abandono e uma morte quase anunciada. Uma paixão que chegou a estar moribunda mas que parece renascer agora em pleno, com investimento de sotaque brasileiro e uma ainda maior vivacidade.

Durante o último ano e meio foi tempo de recuperar o que havia para recuperar, limpar as vinhas do matagal que delas se havia apoderado, reconstruir as equipas de agricultura e enologia e voltar à produção de vinhos. Os primeiros Covela da nova era aí estão. Distintos e elegantes como os anteriores, mas também com a novidade de um vinho com o selo da região dos Vinhos Verdes, o primeiro na história da propriedade.

Para lá da beleza e enquadramento privilegiado, debruçada sobre o Douro e mesmo no limite da região dos Verdes, a Quinta da Covela tem também uma envolvência que lhe confere um carácter deveras especial. Para lá chegar é necessário serpentear encosta abaixo a partir de Baião até que o reflexo de chumbo das águas do Douro nos cative em definitivo. A alternativa é o comboio que acompanha o rio até Caldas de Aregos. A estação, na margem direita, fica mesmo no sopé da quinta. Do outro lado, estão as termas propriamente ditas e há um barco para fazer a travessia a cada chegada do comboio.

Um cenário de pureza nostálgica, cuja história se cruza também com a figura do cineasta Manoel de Oliveira. A ele se deve a actual configuração da quinta e boa parte dos seus encantos. O núcleo central era parte do dote de sua mulher, a que juntou os terrenos de uma outra quinta que adquiriu nos anos 1930. Foi nos anos 1950 que Oliveira se dedicou com profundidade à propriedade, dando-lhe a unidade e configuração actuais, antes de a vender, já na década de 1980 (texto ao lado). Plantou vinha e pomares, construiu caminhos, represas e levadas de água para irrigar os diversos patamares. Tudo em granito, com casas, tanques e um deslumbrante miradouro. Um ambiente cenográfico a que não é, obviamente, estranha a perspectiva artística do cineasta.


Investimento brasileiro

“Uma paixão ao primeiro impacto”, sintetiza Tony Smith no seu português perfeito de sotaque brasileiro. O antigo jornalista britânico cuja actividade se cruzou com Portugal nas últimas décadas é hoje o administrador residente na Covela e responsável pelo seu renascer, juntamente com o brasileiro Marcelo Lima. E se um se dedicava às notícias, o outro costuma ser antes notícia pelos vultuosos investimentos e negócios no mundo financeiro, não só no Brasil mas a nível global. Em conjunto com outros dois accionistas, Lima lidera o grupo Artesia, um gigante da economia brasileira que em 2011 movimentou mais de 2,2 mil milhões de reais.

Foi, no entanto, longo e nem sempre fácil o caminho para chegar à Covela. Marcelo Lima é mineiro, filho de fazendeiros, “e só quando um brasileiro vem a Portugal, visita as regiões do interior, fica a perceber tudo, de onde vem, quais são as suas origens”, explica Smith, na sua racionalidade anglo-saxónica.

Das suas múltiplas passagens por Portugal, Lima tinha já interiorizado o desejo de adquirir uma propriedade, um sítio distinto e onde se lançasse na produção de vinhos. Smith tinha-se entretanto mudado, em 2000, para o Brasil como correspondente do The New York Times. Cruzaram-se numa viagem ao Uzebequistão e o conhecimento de Portugal dos vinhos logo se tornou no denominador comum para uma amizade que recrudesceu nos bares de São Paulo, onde ambos viviam. A ideia de produzir vinhos no nosso país passou a ser um projecto encarado em conjunto.

E foi numa conversa de circunstância que Lima manteve com dois empresários de Braga, no bar da piscina do conhecido hotel Fasano, em São Paulo, em 2009, que estes disseram conhecer o local ideal: a Covela, que estava até a ser alvo de leilão judicial. Questionou Smith, que disse apenas conhecer o prestígio e a qualidade dos vinhos, que muito apreciava das suas estadias no Algarve.


BPN não pagou

A visita à quinta fizeram-na com um desvio ao Porto numa deslocação a Istambul. “Uma viagem cheia de peripécias, perguntando pelo caminho, que parecia não mais ter fim”, diz Smith. É isto!, exclamaram depois de breve conversa com o feitor.

Tinha-se realizado já um primeiro leilão, mas nenhum comprador esteve interessado na totalidade da propriedade. No segundo, já nos últimos dias de 2009, foram os únicos a licitar, por 2,7 milhões de euros, um pouco acima da base de licitação. O BPN era o principal credor e, a poucos segundos de fechar o leilão, o seu advogado interrompeu a sessão dizendo que o banco exigia mais dinheiro. Contactou a administração e voltou com uma proposta de compra que quase duplicava o preço.

A quinta foi então adjudicada ao banco, mas o problema é que nunca chegou a pagar o preço. O caso arrastou-se desde então no Tribunal de Baião, com a quinta entregue ao abandono, cortada a energia e o feitor impedido de dela cuidar, enquanto o BPN entrava em convulsão.

O negócio estava já esquecido quando Smith teve notícia de que o banco tinha sido nacionalizado e os gestores estavam a tentar negociar os seus activos. Tinham, entretanto, procurado outros locais, tanto no Douro como no coração do Minho, mas nada que fizesse esquecer a Covela. Estabelecido o contacto com o BPN, o negócio concretizou-se em Julho de 2011 com a celebração da escritura e o pagamento de 3,5 milhões de euros, incluindo a comissão para a leiloeira que o BPN nunca chegou a pagar.

Recuperar vinhas e reforçar a qualidade

Os vinhos da Quinta da Covela atingiram grande notoriedade e prestígio logo desde o início. O projecto foi lançado por Nuno Araújo em finais da década de 1980, com a aquisição da propriedade à família de Manoel de Oliveira, e desde sempre marcado pela qualidade e pioneirismo. Da junção de castas da região e internacionais aos cuidados na enologia e viticultura, potenciados pelas características específicas da quinta, que conjuga a mineralidade granítica do Minho com o xisto e o calor típicos do Douro. Além do reconhecimento dos vinhos, a Covela foi a primeira propriedade a obter certificação biodinâmica no nosso país.

Daí o esforço dos actuais proprietários em procurar manter toda a estrutura e métodos, com opção pelo sistema de produção biológico. Além do feitor, António Loureiro, que vem já do tempo de Oliveira, também o enólogo continua a ser Rui Cunha, agora em equipa com Gonçalo Sousa Lopes, na agricultura.

“A ideia é trabalhar a vinha e fazer os vinhos da mesma maneira, de forma a manter a mesma linha de prestígio e qualidade”, explica Tony Smith, que traça três etapas para a fase de relançamento. A primeira, já cumprida, passava pela reconstituição das equipas, recuperação das vinhas ao nível anterior e produção dos primeiros vinhos. Num segundo tempo há que avaliar a adequação das castas ao mercado actual, para depois, progressivamente, dar prioridade ao reforço da qualidade e da presença das castas autóctones.

A Covela produzia em paridade tintos e brancos e deverá, com o tempo, passar pelo reforço dos brancos até uma percentagem de 70/30, graças ao incremento das castas típicas da região, como Avesso e Arinto. As parcelas que mais sofreram com o abandono foram, precisamente, as de Avesso, pelo que será já feito o seu replantio na grande parcela central. Não só reforça a presença daquela que é a casta que melhor se dá na região, como a ideia é reforçar também a imagem de enquadramento da quinta no estilo tradicional.

Para lá do Avesso, nas castas brancas é igualmente forte a presença do Chardonnay e do Arinto, além de alguma coisa de Viognier, Riesling e Gewurtztraminer, “para temperos”. Nas tintas, predominam as Cabernet (Sauvignon e Franc), em conjunto com Touriga Nacional e Merlot.

Além das vinhas, com 14 hectares, os 36 hectares da quinta comportam ainda o arrojado projecto imobiliário que esteve na origem dos problemas financeiros. Do total de 12 requintadas moradias na encosta sobranceira ao Douro foram construídas apenas três, podendo o plano vir a evoluir para um projecto turístico.

Na zona das vinhas, há também as ruínas da antiga casa solarenga do século XVI e uma capela dedicada a Santa Quitéria. Estão a ser recuperadas, com acompanhamento e estudos arqueológicos, para dar origem a um centro de provas e acolhimento para visitantes.

As novidades

No regresso ao mercado, a Covela surge com dois vinhos. O prestigiado Escolha Branco, que reaparece depois da colheita de 2008 e em moldes idênticos, e a novidade absoluta Edição Nacional. É o primeiro vinho da quinta que se insere nas características regulamentares da região, sendo o primeiro Covela engarrafado como Vinho Verde, já que as castas utilizadas nos outros impõem a classificação de Regional Minho.

Escolha Branco 2012

Quinta da Covela
São Tomé de Covelas, Baião
Castas: Avesso e Chardonay
Graduação:14% vol
Região: Vinhos Verdes
Preço: 16€
Aromas tropicais com envolvência fresca e mineral que lhe conferem alguma complexidade. Na boca é seco, com acidez equilibrada, sensações saborosas de frutos amarelos bem maduros e alguma cremosidade à mistura. Tem um final delicadamente longo e uma frescura que equilibra de forma harmoniosa com o elevado teor alcoólico.

Edição Nacional Branco 2012
Quinta da Covela
São Tomé de Covelas, Baião
Castas: Avesso
Graduaçãoo: 13% vol
Região: Vinhos Verdes
Preço: 8€
Brilhante na cor, de aroma intenso com notas citrinas e de ervas este é um daqueles vinhos que logo exprime todas as virtudes da região e será certamente muito bem recebido pelos amantes da casta. Directo e com toque de secura final, inunda a boca com agradáveis rastos de frutas (maçã, marmelo, melão) e a envolvência de algum tanino que lhe confere aptidão gastronómica alargada. Um verde de grande qualidade, distinto e elegante.

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