A par com as castas Riesling, Grüner Veltliner, Chenin Blanc, Assyrtiko e, se pensarmos nos exemplares que chegam da Borgonha, Chardonnay, o Alvarinho é uma das castas que integra o grupo reduzido das cinco ou seis melhores castas brancas do mundo.
Apesar de por vezes os nacionalismos exacerbados a quererem baptizar como casta portuguesa, reclamando a sua paternidade e nacionalidade exclusivas, a realidade mostra-nos uma ascendência transfronteiriça que se estende entre o Norte do Minho e o Sul da Galiza, entre aquilo que é conhecido como o Alto Minho português e o Baixo Minho galego. Se em Portugal ficou conhecida como Alvarinho, no lado galego foi popularizada sob o nome Albariño, designação que é hoje, infelizmente, sobejamente mais conhecida internacionalmente que o apelido português Alvarinho.
Durante demasiado tempo a região do Vinho Verde, tal como a sub-região de Monção e Melgaço e tal como Portugal de uma forma mais ou menos geral, gastaram grande parte do seu tempo e energias a reclamar a casta para uso próprio e exclusivo da região, tentando defender o indefensável. Como se o nome de uma casta, mesmo que autóctone, pudesse ser propriedade de uma só região neste mundo global em que vivemos.
Como se fosse moralmente defensável o uso privativo e absoluto de uma casta quando nós próprios nos apropriamos de castas de outros países como o Alicante Bouschet, o Syrah, o Sauvignon Blanc ou tantas outras castas internacionais. Como se fosse razoável exigir o usufruto privado e exclusivo sobre o nome de uma casta que, imagine-se a ironia, é transfronteiriça e consequentemente pertença de dois países. Como se fosse exequível impedir o uso do nome Alvarinho em regiões ou países livres como a Austrália, Califórnia, Brasil ou Uruguai. Como se fosse razoável impedir que regiões portuguesas como o Dão, Alentejo ou a Península de Setúbal estivessem impedidas de mencionar o nome Alvarinho nos rótulos e contra-rótulos, mesmo que a casta fosse extreme ou estivesse presente no lote.
Felizmente que a região do Vinho Verde e a sub-região de Monção e Melgaço, o berço natural da casta Alvarinho, ganharam consciência desta inevitabilidade e da falta de sustentação nos seus desejos instintivos de querer guardar a casta para uso exclusivo. Felizmente que a região deixou de gastar recursos e energias a tentar combater uma guerra perdida e sem nexo, uma campanha tão absurda como seria pretender reservar a casta Touriga Nacional para as regiões do Douro e Dão… ou a casta Cabernet Sauvignon para a região de Bordéus, tentando impedir que qualquer outra região do mundo pudesse utilizar o nome da variedade nos rótulos.
Agora que estas insólitas guerras fazem parte de um passado já resolvido é tempo de a sub-região de Monção e Melgaço afirmar de boca cheia a qualidade dos seus vinhos, aquilo que verdadeiramente interessa. Porque disseminar e popularizar a casta Alvarinho por outras regiões nacionais e outros países não implica necessária e automaticamente que venham a nascer vinhos de qualidade superior nessas regiões. Por muito que isso doa a outras denominações e países, o padrão de qualidade da casta Alvarinho é claramente marcado pela sub-região de Monção e Melgaço e, naturalmente, pelos vinhos galegos que nascem do outro lado da fronteira minhota.
Em nenhuma outra região de Portugal e do mundo o Alvarinho consegue oferecer os mesmos predicados de frescura, longevidade, personalidade, complexidade, subtileza, mineralidade, exotismo de fruta tropical ou austeridade férrea consoante o local onde está plantada. E longevidade é uma das muitas palavras chave desta casta magnífica, sobretudo nos anos mais frescos, que permitem uma evolução mais lenta e equilibrada. Tenho tido a sorte de poder realizar muitas provas verticais de diversos vinhos Alvarinho, isto é, a possibilidade de poder provar o mesmo vinho em diversas colheitas que se estendem ao longo de muitos anos. Mesmo nos vinhos mais antigos, vinhos que em muitos casos já ultrapassaram duas décadas de vida, os resultados têm sido extraordinários pela qualidade, juventude e frescura evidenciados. Nem mesmo as rolhas minúsculas e miseráveis que se usaram durante grande parte da década de noventa e início deste século foram capazes de corromper o espírito e qualidade dos melhores Alvarinho.
Os últimos anos têm sido pródigos em boas novidades, em medidas por parte de alguns produtores que ajudam a despertar o interesse pelos vinhos da região. Entre as boas medidas adoptadas pela quase totalidade dos produtores conta-se a utilização de rolhas sérias e capazes, garante de uma evolução mais serena em garrafa. As garrafas, sobretudo os formatos grandes, têm sido outra das mudanças positivas. Hoje já são vários os produtores a engarrafar os melhores Alvarinho em garrafas magnum e dupla magnum (garrafas de 1,5 e 3 litros), dando assim aval à percepção de longevidade e qualidade de que o Alvarinho goza. Poderá até parecer uma evolução insignificante mas é uma mudança de paradigma extremamente importante. Importante pela imagem transmitida mas sobretudo por mostrar que a região finalmente se apercebeu que o tamanho da garrafa é decisivo para a evolução dos vinhos brancos e que os formatos grandes são a melhor forma de engarrafar vinhos com o potencial de vida dos melhores Alvarinho.
Por ora, a reputação do nome Alvarinho está bem guardada na sub-região de Monção e Melgaço. Será que alguém conseguirá um dia fazer um vinho extreme da casta Alvarinho fora de Monção e Melgaço que se aproxime do modelo qualitativo que a sub-região oferece?