Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Vinhos brancos que podem envelhecer

Por Rui Falcão

Um dos outros grandes vinhos de Portugal e do mundo, o Moscatel de Setúbal, assenta numa variedade branca

A velha e já gasta frase que defendia o indefensável, que o verdadeiro vinho era o tinto, começa finalmente a murchar e a deixar de ser consumida com a frequência do passado. O vinho branco ganhou um espaço crescente nas preferências dos consumidores, começa a ganhar foros de alforria e a ser merecedor de respeito, sentindo-se hoje uma aproximação ao apreço com que a maioria dos consumidores encara o vinho tinto.

Mas não nos iludamos, apesar da inegável subida de popularidade o vinho branco continua a amargar com uma série de preconceitos e desconsiderações, continua a ser sujeito a incompreensões e alguma sobranceria. Uma separação que é confirmada pela incapacidade eloquente de este ser valorizado financeiramente no mesmo patamar, uma diferença que se sente na aproximação de quem não consegue aceitar que um grande vinho branco tenha o mesmo preço de um grande vinho tinto…

É por isso tempo de continuar a combater alguns dos muitos mitos e frases feitas que continuam a atropelar e a debilitar os vinhos brancos junto dos consumidores, tempo de alargar horizontes e de descobrir que os melhores vinhos brancos de Portugal e do mundo não devem nada aos melhores vinhos, sejam eles tintos, espumantes, vinhos de sobremesa ou fortificados.

Um desses mitos, talvez o mais insidioso e capcioso de todos, assegura que os vinhos brancos são incapazes de envelhecer e, como tal, terão de ser bebidos cedo, enquanto jovens e possuidores de todas as suas faculdades. Um equívoco monumental que apesar de continuar a ser alimentado regularmente carece de qualquer fundamento. A ser verdade tal realidade, então esta teria de ser aplicável tanto aos vinhos brancos como aos tintos. A vastíssima maioria dos vinhos nacionais e internacionais foi programada para uma rotação rápida, para uma vida relativamente efémera, para um prazo racional que varia entre os três e os cinco anos de vida.

Poucos vinhos são projectados para um período de vida superior a meia década. E se poucos sobrevivem na garrafa durante mais de uma década de forma que possa ser considerada estimulante e consistente, ainda menos são os que crescem durante o cativeiro na garrafa, os que melhoram com o passar lento do tempo. Entre os poucos que foram pensados e desenhados para tal, os poucos magníficos com capacidade para melhorar e sobreviver durante décadas, a excelência divide-se de forma quase equitativa entre vinhos brancos e tintos... para além do primado evidente dos vinhos fortificados.

Convém não esquecer que os vinhos mais longevos do mundo, os maravilhosos e indestrutíveis vinhos da Madeira, assentam quase integralmente em castas brancas, os famosos Sercial, Verdelho, Terrantez, Boal, Malvasia e Malvasia Cândida. Mas também um dos outros grandes vinhos de Portugal e do mundo, o Moscatel de Setúbal, assenta numa variedade branca para se afirmar como um dos vinhos mais excitantes do planeta. Uns e outros vinhos inquebrantáveis que ganham com a vivência em garrafa e que podem melhorar durante os primeiros cinquenta a duzentos anos de vida!

É certo que ambos são vinhos fortificados e que como tal, com o aumento notório do grau alcoólico através da adição de aguardente, ganham automaticamente em longevidade O segundo grande grupo de vinhos quase imortais são os vinhos doces de sobremesa, vinhos de colheita tardia que poderão ou não ser rematadas com podridão nobre onde a gigantesca concentração de açúcar funciona como garante de uma vida quase eterna. Apesar de Portugal não ter tradição nem condições naturais especialmente admiráveis para elaborar este estilo de vinhos, ao contrário de países como a Alemanha, Áustria, França ou Hungria que têm maravilhado o mundo com vinhos tão transcendentais quanto os famosos Beerenauslese, Trockenbeerenauslese, Eiswein, Ausbruch, Sauternes e Tokaji, é impossível ficar impassível perante vinhos tão esplendorosos quanto os Grandjó 1925 e 1955, vinhos durienses de colheita tardia que ainda hoje assombram pela frescura e jovialidade.

Mas nem só os vinhos brancos doces ou fortificados são capazes de envelhecer bem e melhorar em garrafa. Entre os casos portugueses menos conhecidos de longevidade contam-se os Alvarinho de Monção e Melgaço, esses vinhos memoráveis que a maioria persiste em querer menorizar concedendo-lhes poucos meses de vida na garrafeira de lojas e restaurantes. Enganam-se redondamente! Os bons Alvarinho podem envelhecer em garrafa mais de trinta ou quarenta anos e podem melhorar significativamente durante pelo menos os primeiros vinte anos de vida, facto facilmente comprovável por quem já teve a felicidade de realizar provas verticais dos melhores produtores nacionais.

Talvez possa parecer ainda mais excêntrico mas existe um outro vinho branco, também ele oriundo da região dos Vinhos Verdes, capaz de envelhecer recheado de predicados, o fresco e perfumado Loureiro da região de Ponte de Lima. Infelizmente poucos acreditam na sua longevidade, muitos produtores da região incluídos, apesar de a prática demonstrar a excelência da casta e a garantia de um envelhecimento insigne, como alguns produtores da região bem o demonstram.

Depois surgem os grandes clássicos de Portugal, as apostas seguras que o tempo já apontou e que há muito comprovaram um grau de excelência notável. Entre estes merecem especial destaque os brancos do Palácio do Bussaco, vinhos inimitáveis de que ainda hoje se podem encontrar e beber no hotel homónimo alguns exemplares da década de quarenta do século passado. Vinhos únicos que o tempo não consegue vencer. Acrescentem-se alguns brancos de Colares desenhados com a Malvasia de Colares e alguns brancos do Dão, sobretudo quando incorporam no lote as castas Malvasia Fina, Verdelho ou Bical em conjugação com o grande Encruzado, e a lista de vinhos brancos consistentes e longevos de Portugal fica mais ou menos completa, para além de uma ou outra excepção que sempre ocorre.

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